Um Pedal Além da Visão

Projeto proporciona passeios de pedal com inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência visual em Cuiabá

Julina Escandelária do Nascimento não imaginava que, aos 59 anos de idade, voltaria a andar de bicicleta. Ao ser convidada para participar do projeto “Pedal Além da Visão“, nem pensou duas vezes.

“Última vez que pedalei eu devia ter uns 15, 16 anos, era adolescente. Quando meu amigo me convidou falei: ‘é o que eu mais quero’. Tem uns 2 anos que fiquei deficiente, tenho perda total da visão, não enxergo nem uma ‘luzinha’, então dependo 100% das pessoas. Ainda não me entrosei na casa de apoio, então não tenho muita atividade. Quando eu fiquei sabendo que ele ia me colocar no projeto fiquei maravilhada, estou gostando demais”, contou Julina.

O guia, Jonas Juvenal da Silva e Julina Escandelária do Nascimento no pedal feito na quinta-feira (3), (Vídeo: Nathalia Okde)

Na quinta-feira (3), ela participou de um pedal que saiu de uma casa no CPA III, onde são armazenadas as bicicletas do projeto, até o Parque da Águas, um percurso de 5,8 quilômetros. Com empolgação, ela conta como a experiência é libertadora.

“Foi uma sensação de liberdade, uma experiência formidável. Me senti livre, capaz. Uma sensação muito boa!”, ressaltou.

O “Pedal Além da Visão” é um projeto independente de Cuiabá, que teve início quando o seu idealizador, Thiago Lima, adquiriu a “Amorosa”, a primeira bike dupla do projeto. Logo, ele colocou os amigos para pedalar também, como foi o caso de Jonas Juvenal da Silva, 34 anos, professor de educação física do Icemat (Instituto dos Cegos do Estado de Mato Grosso) e um dos primeiros guias da ação.

“O Thiago é pessoa com deficiência visual, cego total e atleta. Ele tem 31 anos de idade e pelo menos metade da vida dele foi dedicada ao esporte de alto rendimento. A pandemia nos obrigou a ficar em casa isolados e isso pra ele foi um choque porque ele tinha uma vida muito ativa, treinava três períodos por dia, então ele sentiu a necessidade de fazer algo”, explica Jonas.

Thiago e Jonas em um dos primeiros pedais, em fevereiro do ano passado, com a bike Amorosa. (Foto: Arquivo pessoal)
Thiago e Jonas em um dos primeiros pedais com a bike Amorosa. (Foto: Arquivo pessoal)

A partir do primeiro pedal feito por eles, em 19 de fevereiro de 2021, mais pessoas se interessaram pelo projeto, que hoje conta com cerca de 80 pessoas. Entre elas, 48 guiados e 30 guias voluntários fixos.

Projeto proporciona inclusão e acessibilidade

Segundo a guia voluntária e professora do Icemat, Zayre Lavor, de 38 anos, que também está desde o primeiro pedal no projeto, inicialmente o trabalho era feito apenas com o Thiago e alguns outros alunos, em percursos próximos ao Instituto dos Cegos, no CPA III. Em seguida, foram para os parques, e dessa forma, foram ganhando cada vez mais visibilidade.

“E assim nós fomos conseguindo mais guias e adquirindo outras bikes através de rifas. A gente começou a pedalar sem pretensão, apenas para estar guiando ele (Thiago) e vimos a vontade de outras pessoas. A gente busca com o projeto não só a autonomia deles, de ter essa liberdade de pedalar na bike, como também de poder ter essa convivência, porque aqui eles podem estar socializando, frequentando lugares que muitas vezes não tinham acesso. É como o Thiago fala, ‘a pessoa com deficiência visual não precisa de piedade, ela precisa de oportunidade’, e dando acessibilidade tudo é possível, a inclusão é possível”, destaca a professora.

Os treinos são realizados duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras. Atualmente, o projeto conta com 9 bicicletas, uma tripla e oito duplas. Por isso, para que todos sejam contemplados, os treinos são divididos em escalas de acordo com os guias e bicicletas disponíveis, de forma que todos consigam fazer ao menos um pedal por semana.

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A massoterapeuta, Deusanir, já está há 6 meses fazendo parte do projeto. (Foto: Nathalia Okde)

A massoterapeuta Deusanir Queiroz Afonço, de 48 anos, participa do projeto há 6 meses e quando questionada de como se sente quando está na bike, trouxe a resposta com um profundo suspiro de encantamento.

“Foi maravilhoso, é uma sensação de liberdade muito grande, você sentir o vento no rosto. Eu perdi a visão com 24 anos de idade com retinose pigmentar. A inclusão é tudo e, às vezes, ela só existe no papel. As pessoas esquecem que nós, deficientes, também precisamos de esporte e lazer”, disse.

“Bora! Não vê nada, mas enxerga tudo!”

“Inicialmente, nós escolhemos o trajeto do pedal pensando na quilometragem, porque tem que ser acessível no ponto de vista do condicionamento físico, já que muitos estão começando a pedalar agora. Além disso, o trajeto tem que ser o mais seguro possível, por isso nós temos optado por rodovias com acostamento ou ciclofaixas, no caso, Cuiabá possui pouquíssimas”, explica Jonas.

Apesar da maior parte dos participantes do Pedal Além da Visão serem deficientes visuais, o projeto é aberto para todos que quiserem participar, inclusive quem possui alguma limitação física. Os integrantes se consideram uma grande família e o que não falta em cada um é a vontade de ajudar o próximo.

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Pedal Além da Visão. Registro feito no pedal realizado na quinta-feira (3), no Parque das Águas. (Foto: Nathalia Okde)

“Nosso grupo não diferencia religião, cor, sexo, deficiência, idade, aqui nós somos um só. Nós somos ciclistas. A gente não qualifica quem está ajudando ou quem está sendo ajudado. Até brinco com eles: ‘bora, não vê nada mas enxerga tudo’, disse Edinê Van Bacana, 46 anos, designer gráfico e guia há 8 meses.

Para a agente de trânsito da Semob (Secretaria de Mobilidade Urbana) Regivania Alves, de 41 anos, guia voluntária também há 8 meses do projeto, o aprendizado é constante.

“No projeto são eles (os guiados) que nos ajudam, porque o que eles nos ensinam todos os dias, a superação que eles têm na vida, a aceitação da deficiência, as limitações e não ver barreiras pra pedalar. Eles nos cativam, tem sempre uma experiência pra compartilhar. Eu aprendi e conheci muitas histórias de vida aqui”, afirma.

Para participar tanto como guia quanto guiado, basta entrar em contato pelo telefone do projeto (65) 99252-4260.

“O projeto vem pra mostrar para a sociedade que as pessoas com deficiência têm capacidade, potencial, e suas limitações como todos nós temos. Ninguém consegue ser bom em tudo, e o projeto nasce da vontade de poder fazer por essas pessoas um pouco daquilo que a gente vê que é a necessidade. Além disso, não é só um bem ao próximo, a gente tem que reconhecer que é uma forma de melhorar a nossa própria qualidade de vida também”, ressalta Jonas.

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Comentários (2)

  • JONAS

    Show!!! Massa demais!

  • Vanessa Lira

    Tem que ajudar eles com mas bicicletas duplas esse projeto é lindo e tem que continuar estão de parabéns

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