A luta pelos direitos da comunidade LGBTQIA+ no Brasil

O chamado Dia do Orgulho LGBTQIA+ é celebrado em 28 de junho em homenagem a um dos episódios mais marcantes na luta

No dia 28 de junho celebramos a luta e a conquista dos direitos da comunidade LGBTQIA+ como forma de manter vivo o compromisso de promover a igualdade, a tolerância e a aceitação da homoafetividade na sociedade.

LGBTQIA
Chamado Dia do Orgulho LGBTQIA+ é celebrado em 28 de junho (Foto: Divulgação)

No contexto brasileiro, a luta pelo reconhecimento desta comunidade alcançou sua primeira grande conquista em 2011, com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) pelo reconhecimento da união estável entre casais homossexuais.

O chamado Dia do Orgulho LGBTQIA+ é celebrado em 28 de junho em homenagem a um dos episódios mais marcantes na luta pelos direitos desta comunidade: a Rebelião de Stonewall Inn.

Em 1969, esta data marcou a revolta contra uma série de invasões da polícia da cidade de Nova York, Estados Unidos, aos bares que eram frequentados por homossexuais, que eram presos e sofriam represálias por parte das autoridades. A partir deste acontecimento foram organizados vários protestos em favor dos direitos dos homossexuais por várias cidades norte-americanas.

A 1ª Parada do Orgulho Gay foi organizada no ano seguinte, em 1970, para lembrar e fortalecer o movimento de luta contra o preconceito. No Brasil, a manchete dos jornais do dia 28 de junho de 1997 tratava sobre a primeira parada do orgulho gay em São Paulo, contando com cerca de 2 mil pessoas. Ano passado o “Guinness Book” incluiu em seu livro de recordes a 10ª Parada do Orgulho LGBTQIA+, realizada em 2011, como a maior do mundo, reunindo 2,5 milhões de pessoas. Até 2023 foram 27 edições na cidade de São Paulo.

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A luta da comunidade LGBTQIA+ é a luta pelo reconhecimento. De fato, uma das principais temáticas dos direitos humanos na atualidade, a luta pelo reconhecimento se radica numa compreensão de justiça cultural. Conforme leciona a filósofa e professora norte-americana Nancy Fraser, essa luta “está rapidamente se tornando a forma paradigmática de conflito político no final do século XX”, de tal modo que suplanta a forma classista de luta social*.

Segundo a professora Fraser, a violação da justiça cultural está vincada nos padrões sociais de representação e comunicação. São exemplos disso a submissão do indivíduo a padrões de interpretação e comunicação de outra cultura, alheios ou hostis aos seus; o ocultamento do indivíduo, tornando-o invisível por efeito das práticas comunicativas, interpretativas e representacionais da própria cultura; e o desrespeito do indivíduo por práticas difamatórias ou desqualificadoras rotineiras das representações culturais públicas estereotipadas ou nas interações da vida cotidiana.

Além disso, a luta pelo reconhecimento surge como um traço característico da globalização, gerando o fenômeno que Fraser denomina de “politização generalizada da cultura”.

E na medida em que a luta pelo reconhecimento alcança os espaços públicos de organização política, os pleitos das vozes antes ocultadas começam a ser ouvidos e considerados, assim como libera-se o processo de criação de um estatuto jurídico de proteção da comunidade.

No Brasil, destaca-se o protagonismo do Supremo Tribunal Federal como agente jurídico e político da interpretação constitucional, notadamente quando ocorre o fenômeno chamado de “mutação constitucional”. A mutação constitucional se dá quando o texto da Constituição permanece o mesmo, mas há uma mudança, uma atualização na compreensão social do tema em questão, que deve refletir-se no julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Um caso emblemático de mutação constitucional foi justamente o reconhecimento dos direitos da comunidade LGBTQIA+ no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 4277 e da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 132, em maio de 2011.

Nela, o Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar.

O foco da discussão foi o artigo 226, §3º, da Constituição Federal, cujo texto diz o seguinte: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Sem alterar o texto da Constituição, o entendimento do STF afastou qualquer interpretação que impedisse o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

O relator das ações, ministro Ayres Britto, já aposentado, ressaltou que a Constituição Federal veda qualquer discriminação em razão de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou.

Para o ministro Luiz Fux, diversos princípios constitucionais garantem esse direito aos casais do mesmo sexo, como o da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana. Segundo ele, o conceito de família só tem validade se privilegiar a dignidade das pessoas que a compõem, e somente por força da intolerância e do preconceito se poderia negar esse direito a casais homossexuais.

Com base na decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2013 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) editou a Resolução 175/2013, determinando que os cartórios realizassem casamentos de casais do mesmo sexo.

Em 2018 o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 670.422, reconheceu o direito das pessoas trans a alterar o nome no assento de nascimento do Registro Civil apenas pela autodeclaração, sem necessidade de cirurgia de redesignação de sexo ou de laudos médicos.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543, decidiu pela inconstitucionalidade da Resolução da Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) RDC nº 34/14, e da Portaria 158/2018 do Ministério da Saúde, que proibiam homossexuais de doar sangue.

Assim, é notável a grande participação do Supremo Tribunal Federal para a consolidação dos direitos da comunidade LGBTQIA+. Isso não significa, como muitos críticos afirmam, que a Corte esteja usurpando a competência do Poder Legislativo. Antes, é justamente a inércia do Poder Legislativo brasileiro que promove o ajuizamento de ações perante o Poder Judiciário.

A inércia do Congresso Nacional reflete um país radicado numa cultura preconceituosa, homofóbica, incapaz de solidarizar-se com os reclamos de um grupo que nada mais deseja senão o direito de serem tratados como iguais, o direito ao reconhecimento.

Entre as tribos de Natal, na África do Sul, a saudação mais comum é Sawubona. Literalmente significa “eu te vejo, você é importante para mim e eu te valorizo. É uma maneira de tornar o outro visível, de reconhecê-lo em suas virtudes, diferenças e defeitos. Em resposta a esta saudação, as pessoas geralmente respondem “shikoba”, que significa “então eu existo para você”.

Ao fim e ao cabo, as lutas da comunidade LGBTQIA+ seriam desnecessárias se as pessoas das sociedades que se dizem democráticas adotassem um simples costume tribal africano:

Sawubona!

*FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação. A Revista Crítica de Ciências Sociais – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra [Online], n. 63, ano 2002. Disponível em: http:// rccs.revues.org/1250

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Direito e Cidadania, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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