Abril azul, o mês do autismo – parte 1
O dia 2 de abril foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2008, como o dia mundial de conscientização do autismo. Daí também surgiu o “abril azul”, o mês dedicado a promover a conscientização sobre o chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1 em […]
O dia 2 de abril foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2008, como o dia mundial de conscientização do autismo. Daí também surgiu o “abril azul”, o mês dedicado a promover a conscientização sobre o chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1 em cada 160 crianças no mundo tem TEA.

O autismo é uma condição do neurodesenvolvimento que não possui características biológicas evidentes, como a síndrome de Down, por exemplo. Além disso, o autismo é um espectro, porque nenhum autista é igual ao outro.
O autismo pode ser identificado nos primeiros anos de vida, embora o diagnóstico de um profissional seja dado apenas entre os 4 e 5 anos de idade. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, ele é caracterizado pela dificuldade de comunicação e/ou interação social, e algumas características comuns são: dificuldade de interação social, dificuldade em se comunicar, hipersensibilidade sensorial, desenvolvimento motor atrasado e comportamentos repetitivos ou metódicos.
Ademais, o autismo se apresenta em níveis, isto é, pode se manifestar de uma forma leve (nível 1), com menos sintomas, moderada (nível 2) e de forma severa (nível 3). As pessoas que se enquadram no nível 1 de autismo podem ter dificuldades em situações sociais, comportamentos restritivos e repetitivos, mas requerem apenas um suporte mínimo para ajudá-las em suas atividades do dia a dia. Elas são capazes de se comunicar verbalmente e de ter alguns relacionamentos. No entanto, podem ter dificuldade em manter uma conversa, assim como para fazer e manter amigos.
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Também podem preferir seguir rotinas estabelecidas e se sentirem desconfortáveis com mudanças ou eventos inesperados, assim como querer fazer certas coisas à sua maneira.
As pessoas com autismo moderado, isto é, no nível 2 de autismo, precisam de mais suporte do que as com autismo leve. Geralmente têm mais dificuldade com habilidades sociais e em situações sociais. Podem ou não se comunicar verbalmente e, se o fizerem, suas conversas podem ser curtas ou apenas sobre tópicos específicos. O comportamento não verbal de pessoas com autismo nível 2 também pode ser mais atípico, como não fazer muito contato visual, não conseguir expressar emoções pela fala ou por expressões faciais.
Elas também apresentam comportamentos restritivos e repetitivos, com nível de gravidade maior do que as com autismo leve. Gostam de manter rotinas ou hábitos que, se forem interrompidos, podem causar desconforto e/ou perturbação.
Já as pessoas com autismo severo, nível 3, apresentam dificuldade significativa na comunicação e nas habilidades sociais, assim como têm comportamentos restritivos e repetitivos que atrapalham seu funcionamento independente nas atividades cotidianas. Muitos não falam ou não usam muitas palavras para se comunicar. Geralmente não lidam bem com eventos inesperados, podem ser excessivamente ou pouco sensíveis a determinados estímulos sensoriais e apresentam comportamentos restritivos e repetitivos, como balanço e ecolalia.
Segundo a ONU, “a taxa de autismo em todas as regiões do mundo é alta e a falta de compreensão têm um tremendo impacto sobre os indivíduos, suas famílias e comunidades. A estigmatização e a discriminação associadas às diferenças neurológicas continuam sendo obstáculos substanciais ao diagnóstico e às terapias, uma questão que deve ser abordada tanto pelos formuladores de políticas públicas nos países em desenvolvimento quanto pelos países doadores.
De fato, como não correspondem a um estereótipo padrão, o diagnóstico nem sempre é fácil, sobretudo nos casos leves. Um exemplo disso é o caso do ator Anthony Hopkins, vencedor do Oscar de Melhor Ator pelo filme “O Silêncio dos Inocentes” (1991). Ele revelou publicamente que foi diagnosticado com autismo leve na vida adulta, aos 70 anos de idade. Ao tornar público seu diagnóstico, Hopkins compartilhou que sempre teve dificuldades em se encaixar em grupos e que foi um adolescente solitário.
Outro membro ilustre das pessoas com autismo é Bill Gates, o fundador da Microsoft. Ele também foi diagnosticado com autismo nível 1 em idade adulta, e declarou que o autismo o ajudou a concentrar em seu trabalho e em suas paixões, contribuindo para que ele se tornasse um dos empresários mais bem-sucedidos do mundo. Bill Gates é um defensor da conscientização sobre o autismo e da importância de entender e aceitar as diferenças das pessoas.
Falando em diferenças, é comum vermos as expressões “neuroatípico” e “neurodivergente” para se referirem às pessoas que possuem autismo. Trata-se de uma diferenciação às pessoas “neurotípicas”, que não apresentam alterações significativas na memória, atenção, cognição, interação social etc.
Particularmente, não me soa bem a distinção entre “neurotípico” e “neuroatípico”. Digo isso pelo receio de que essa nomenclatura possa ser mal utilizada pelas pessoas em geral. O grau da diferença do comportamento neurológico das pessoas não deveria categorizá-las em grupos de “típicos” e “atípicos”, que a meu ver podem ser confundidas como sinônimos de “normais” e “anormais”.
Não obstante minha pequena digressão, o fato é que a nomenclatura vem sendo adotada em todo mundo, inclusive para mostrar os pontos em que os autistas são melhores que os neurotípicos. Aliás, há uma vertente da psiquiatria que considera o autismo não como um transtorno, mas apenas como um tipo diferente de inteligência. Essa tese é explicada pelo médico psiquiatra Laurent Mottron, em artigo publicado no site da biblioteca nacional de medicina dos Estados Unidos intitulado “O autismo é um tipo diferente de inteligência? Novos insights das neurociências cognitivas” (“Is autism a different kind of intelligence? New insights from cognitive neurosciences”, https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28632360/).
Segundo Mottron, “depois de ser considerado um transtorno mental por anos, ou então uma deficiência do neurodesenvolvimento, o autismo está sendo cada vez mais considerado uma variante humana que às vezes envolve vantagens e desvantagens adaptativas extremas. Este ponto de vista emerge em parte do fato de que os autistas executam certas tarefas humanas no mesmo nível e, em alguns casos, até melhor do que as pessoas neurotípicas. Além disso, eles executam essas tarefas usando estratégias cognitivas e alocações cerebrais diferentes da maioria dos humanos”.
Quem convive sabe que os autistas são pessoas muito especiais, geralmente dotados de uma inteligência notável, e que obviamente merecem nosso respeito. Mais do que isso, eles precisam de nossa ajuda, enquanto sociedade, para que possam se desenvolver à despeito das dificuldades que surgem de sua condição especial.
Numa última digressão, também não gosto da palavra “transtorno”, que vem no nome Transtorno do Espectro Autista. Transtorno é sinônimo de desordem, que aliás é a palavra inglesa utilizada para designar “transtorno do espectro autista” (“autism spectrum disorder”). Penso os termos “transtorno” e “desordem” carregam uma carga valorativa que, para a população em geral, pode reforçar o preconceito. Bem que poderia ser apenas “autismo”, ou “autista”.
Na segunda parte deste artigo vamos abordar a legislação de proteção às pessoas com autismo e falar um pouco sobre a terapia ABA, que muitas vezes é acessível somente após a judicialização da demanda.
Um abraço e até lá.