Dormindo com o inimigo – a maldição da violência doméstica – parte 2

Maria da Penha casou-se aos 31 anos, após 2 anos de namoro com o colombiano Marco Antônio Heredia Viveros; se conheceram na Universidade de São Paulo, onde ele fazia pós-graduação em economia e ela em farmácia

Esta é a segunda parte do artigo “Dormindo com o inimigo – a maldição da violência doméstica” que começou no sábado, dia 4 de fevereiro, onde mostramos que há séculos as mulheres lutam contra a desigualdade de gênero que está na base da maldição que é a violência doméstica.

Maria da Penha
Maria da Penha em pose para foto institucional (Foto: Divulgação)

Mostramos que cerca de quatro mulheres morrem todos os dias no Brasil em decorrência da violência doméstica. Hoje, vamos contar a história de Maria da Penha, a mulher que emprestou seu nome à Lei 11.340/2006.

Maria da Penha casou-se aos 31 anos, após 2 anos de namoro com o colombiano Marco Antônio Heredia Viveros. Eles se conheceram na Universidade de São Paulo, onde ele fazia pós-graduação em economia e ela em farmácia.

Marco Antônio parecia um bom homem. Era muito amável, educado e solidário. O casal teve sua primeira filha ainda em São Paulo, e as outras duas já morando em Fortaleza.

Por alguma razão, as agressões só começaram a acontecer depois que ele conseguiu a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente. De amável e educado, passou a ser intolerante, exaltava-se com facilidade e tinha comportamentos explosivos dentro de casa.

Depois do comportamento agressivo, porém, Marco Antônio pedia desculpas, dizia como era esposo dedicado e voltava a ser carinhoso com a família. E tudo começava de novo.

Essa repetição de comportamento tem nome, é o “CICLO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA”. Esse ciclo começa com algum “gatilho” que gera um comportamento “nervoso” no homem, com aumento da tensão e medo nas vítimas. Em seguida, vem o ato de violência, que conforme se verá no próximo texto, pode ser psicológica, moral, ou uma agressão física. Depois da violência, contudo, aparece o homem arrependido, carinhoso e prometendo mudanças. Até que, passado um tempo, algo acontece tudo de novo.

A crença de que tudo aquilo vai mudar, o constrangimento de publicizar sua condição de vítima ou o medo de não conseguir sustentar a família, são alguns dos inúmeros motivos que impedem a mulher de pedir ajuda e perpetuam o ciclo até que a tragédia aconteça. Foi o caso de Maria da Penha.
Após 7 anos de relacionamento, Marco Antônio aproveitou que a esposa, e mãe de suas filhas, estava dormindo e deu um tiro nas costas dela, deixando-a paraplégica.

Mas ele disse à Polícia que a família havia sido vítima de um assalto. Por isso, quatro meses depois Maria da Penha estava de volta à casa. Foi quando Marco Antônio a manteve em cárcere privado por 15 dias e, mais uma vez, tentou matá-la. Ao ir tomar banho, Maria da Penha recebeu um choque ao tocar na água.
Aproveitando que Marco havia viajado a trabalho, Maria da Penha e sua amiga, Dina, vasculharam a casa e encontraram as cartas amorosas de Marco Antônio e sua amante. Ela teve a certeza, ali, que havia uma trama por detrás de tudo.

No livro “Sobrevivi… posso contar”, publicado em 2010, Maria da Penha conta em detalhes a sua própria tragédia. Num enredo que bem caberia à coluna “Capivara Criminal”, de nossa amiga Marta de Jesus, ela revela como foi vítima de um plano arquitetado por seu ex-marido e como esse plano foi desmontado pela Polícia até que ele confessasse. Foi “o desmonte da farsa”, como ela chamou.

A tragédia de Maria da Penha também poderia ser o enredo de uma daquelas famosas óperas europeias. Ela me fez lembrar da ópera “Carmem”, de George Bizet, que estreou em Paris no ano de 1875 e até hoje é reproduzida mundo à fora, inclusive no Brasil.

Essa ópera conta como a sedutora cigana Carmem enfeitiçou o honesto cabo do exército Don José a livrá-la do cárcere, após um tumulto que provocara na fábrica de tabaco onde trabalhava, prometendo-lhe o seu amor. Don José foi preso por deixá-la escapar. Depois de dois meses, quando solto, o honroso cabo foi até sua prometida, suplicando-lhe que ficasse com ele.

Na última cena da ópera, que pode ser vista no link https://youtu.be/3Y4oSy-5Uac, Carmem responde a Dom José que seu amor acabou, atirando-lhe o anel que dele recebera. Furioso pela rejeição, Dom José então enfia-lhe um punhal, matando-a. Cheio de tristeza e arrependimento, porém, ele cai de joelhos junto ao corpo de sua amada Carmem.

Por mais de um século Carmem, de Bizet, é ovacionada pela elite social, que costumeiramente é a plateia que frequenta esse tipo de espetáculo. Ela conta a história de como um bom e honrado cabo do exército foi se enfeitiçar pela sedutora cigana, a ponto de, num ato desesperado de amor, ceifar a vida da própria amada.

Entretanto, para Maria da Penha, e certamente para as outras milhares de mulheres que vivenciam ou vivenciaram essa tragédia, a ópera Carmem é só uma história de violência doméstica.

No próximo texto vamos ingressar nos tipos de violência doméstica e nas medidas de proteção de podem se valer as mulheres vítimas antes que tenham o mesmo desfecho de Carmem.

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