A noite das bruxas no labirinto

Uma reflexão sobre A Noite das Bruxas e a audiossérie França e o Labirinto

Hercule Poirot é belga.

Nelson França, brasileiro.

O estrangeiro é um dos detetives mais famosos da história da literatura.

O tupiniquim, responsável por investigar um serial killer que age em São Paulo.

selton melo e jovens ners
Selton Mello, o Nelson França, entre os jovens nerds, criadores da audiossérie França e o Labirinto, no ar no streaming Spotify (Crédito: Bruno di Torino/Spotify/Divulgação)

A Noite das Bruxas (A Haunting in Venice, EUA, 2023), uma releitura do livro homônimo da escritora britânica Agatha Christie (1890-1976), chega aos cinemas nesta semana contando uma das muitas aventuras de Poirot.

França e o Labirinto é uma audiossérie produzida e disponível no streaming de música e podcasts Spotify.

O ator que incorpora Poirot é Kenneth Branagh, também diretor da película, em sua terceira encarnação do detetive belga para as telonas. Ele já tinha feito O Expresso do Oriente e Morte no Nilo (ambos disponíveis no Star+).

Selton Mello dá voz ao personagem de Nelson França.

Ambos estão no meu radar e decidi, por isso, compartilhar com vocês.
Em comum, mistério e inovação.

Cada um, em seu veículo, para deixar as histórias ainda mais atrativas.

A Noite das Bruxas inova na história. França e o Labirinto, no som.

Desde que vi o trailer de A Noite das Bruxas – quando assisti ao fantástico Oppenheimer – fiquei surpreso e obcecado ao mesmo tempo.

Surpreso porque não sabia que Christie, a dama do crime, tinha passeado pelo terror. Quando vi, fiquei maluco. O trailer, apresentado aqui, mostra uma atmosfera sombria, onde Poirot, em Veneza, tenta descobrir um assassino e desvendar a morte de uma adolescente em meio a sessões espíritas!

Uau! Superprodução. Espíritos. Elenco magistral — a médium é nada mais nada menos que Michele Yeoh, vencedora do Oscar de melhor atriz por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Agatha Christie. Kenneth Branagh.

Como esperar até setembro pra me deliciar com isso tudo?

Eu precisava de um aperitivo.

E comecei a ler A Noite das Bruxas (“Hallowe’en Party”, 1969).

A escritora Ariadne Oliver está de passeio na pequena cidade de Woodleigh Connor, no interior da Inglaterra.

Ela participa dos preparativos para uma festa de Halloween para adolescentes da cidade. O evento será na mansão de uma viúva.

Uma menina de 13 anos, ao ver a escritora na casa, revela que já presenciou um assassinato. Acontece que a pobre garota sempre foi conhecida como a mentirosa da escola, com imaginação fértil para contar lorotas a fim de se mostrar.

Ninguém acredita. É o que se pensa.

Na noite da festa, a menina é encontrada morta. Afogada numa bacia usada para a brincadeira de se “pescar” maçãs com a boca.

Amigo de Ariadne, Poirot é chamado à cidadezinha para desvendar o mistério.

No filme, Poirot está em Veneza e é convidado a participar de uma sessão mediúnica com a mãe de uma menina que foi assassinada.

Durante a mesa branca, um dos presentes se encontra com um fim inesperado. E toca Poirot colocar o cérebro privilegiado pra funcionar.

É uma luta entre a razão e a crença.

A morte foi provocada por um ser humano ou por uma alma revoltada?

A adaptação, com a mudança em relação ao livro, é válida. E bem-vinda.

Com a inovação do roteiro de Michael Green (de Logan, 2017, o último filme com Wolverine. Aliás, filmaço!), agora, temos dois mistérios sobre uma mesma obra de Christie pra nos deliciarmos tentando descobrir o assassino.

Inovação também na fotografia da obra. Enquanto o livro emana luz enquanto Poirot busca as pistas andando de dia pela cidadezinha, Branagh aposta em muitas velas para criar uma atmosfera escura e sombria.

Ideal para espíritos e assassinatos.

Ideal pra curtir no fim de semana no cinema.

Já Nelson França é ótima pedida pra qualquer dia e qualquer lugar.

A audiossérie pode ser ouvida no carro, enquanto lavamos a louça, arrumamos a casa, na caminhada, ou mesmo na academia, quebrando a chatice das esteiras, elípticos e levantamentos de peso.

São 13 episódios com cerca de 30 minutos de duração cada.

No primeiro, Nelson França acorda de madrugada com o telefone tocando. Do outro lado da linha, uma voz diz para ele se vestir e descer que um carro o pegará para levar até a cena de um crime que acabara de acontecer. Ele responde a Noronha, delegado de polícia e amigo, que está descendo.

Ele levanta e pega o cão Bonaparte.

O dia está chuvoso.

Bate um papo com o porteiro e sai à procura do carro.

O áudio é binaural. Totalmente imersivo, 3D. Faz com que os ouvidos recebam estímulos em frequências diferentes, o que faz o cérebro entender que as pessoas, o cachorro e tudo o mais que os sons trazem estão ao nosso redor. Se alguém sussurra, é só de um lado do ouvido. Se a pessoa está longe, você até olha pra trás pra ver se a voz é da série ou se tem alguém falando contigo à distância.

Você tem a sensação de ser o detetive França.

Essa foi a intenção de Alexandre Ottoni e Deive Pazos desde que pensaram na audiossérie em 2018. Integrantes do portal de entretenimento Jovem Nerd, eles levaram a ideia ao Spotify e começaram o trabalho que levou quatro anos pra ficar pronto.

Segundo eles, Selton Mello sempre foi a escolha número 1. Pela voz característica e pelo talento inquestionável. Ele não teria o corpo para atuar. A vida de França é toda demonstrada pela voz.
É uma delícia ouvir cada um dos episódios.

Selton vive um personagem característico desse gênero. O detetive particular solitário – ele está assinando os papéis do divórcio – que faz do trabalho a única razão da vida.

Uma socialite famosa é encontrada morta com uma única facada num terreno baldio.

É pra lá que o motorista de aplicativo leva França e Bonaparte após a ligação da madrugada.
A viagem é bem prazerosa pra quem ouve.

O motorista tem uma voz engraçadíssima e o detetive desfila bom humor.

— O que é isso? Mandaram um smurf me pegar?

Selton Mello é demais!

Aliás, algumas conversas – como esta, com o motorista — são colocadas no roteiro para nos apresentar os personagens e revelar características e situações de suas vidas. É nesse carro, por exemplo, que descobrimos que França é cego. (Não é spoiler, isso faz parte da divulgação da audiossérie)

Aliás, que sacada! Se é audiossérie, nada melhor que ter como protagonista alguém que só tem a audição para ver o mundo.

Outro acerto: não há um narrador intercalando os diálogos. O que deixa tudo muito fluido.

Tudo é conversa e efeitos sonoros. Batida da porta do carro. Passos. Respiração ofegante.

E se França precisa relembrar algo, por exemplo, os roteiristas fazem com que ele use algum artifício para que essa memória necessária chegue aos nossos ouvidos.

Um exemplo disso é quando o detetive pega uma fita VHS velha. Nela, um talk show com um apresentador que mais parece o tio do pavê, cheio de piadas sem graça. Ele entrevista o jornalista que escreveu um livro sobre o Assassino do Labirinto.

Nessa gravação, França está na plateia. É chamado para se unir aos dois e apresentado como o responsável por descobrir a identidade do serial killer.

Astúcia que fez dele uma celebridade no mundo policial.

Um Poirot à brasileira. Sem os requintes do belga.

A obsessão pela busca do assassino custou-lhe o casamento. E França, tirando Bonaparte, virou solitário, antissocial, companheiro do uísque.

E teimoso.

O marido da socialite é preso com boas provas para o incriminar, inclusive as digitais na arma do crime.
Mas França, mesmo sem enxergar, vê mais que todo mundo.

E insiste que o Labirinto voltou.

A audiossérie é uma daquelas obras que fazem com que a gente lamente ter de interromper a reprodução do episódio por causa das tarefas diárias.

A vontade de maratonar é enorme.

Tão grande quanto a de grudar os olhos na Noite das Bruxas por meros 104 minutos.
Poirot ou França?

No labirinto da dúvida, pegue o caminho certo: vá nos dois!

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toda Sexta é 13, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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