Banquete com pipoca

Você pagaria 1.250 dólares (cerca de R$ 6.650) por uma experiência gastronômica única num restaurante exclusivo de uma ilha paradisíaca?

Se já se assustou com o preço, prepare-se para novos sobressaltos ao ver O Menu (The Menu, EUA, 2022), filme que está em cartaz nos cinemas. Na trama, 12 pessoas que não se conhecem – ou pelo menos, achamos que não – embarcam para essa experiência. Dentre elas, Margot Mills (Anya Taylor-Joy, de “O Gambito da Rainha” e, para os fãs de terror, a menininha de “A Bruxa”.)

Ela é a única convidada que não está na lista oficial dos presentes; apenas um dos inúmeros mistérios que são servidos de refeição em refeição nesse suspense temperado com inteligência. Apesar do roteiro não ter nada a ver com a obra clássica de Agatha Christie (1890-1976) “E não sobrou nenhum”, considerado, por muitos, o melhor livro de suspense já escrito, é impossível não associar os dois trabalhos.

A escritora inglesa também leva convidados para uma ilha onde uma série de assassinatos acontece na ordem de uma cantiga infantil antiga. No livro, é difícil imaginar, até a revelação, o responsável pelas mortes! Já em O Menu, o vilão é apresentado sem delongas.

O chef Julian Slowik vivido com maestria – mais uma vez – por Ralph Fiennes prepara uma surpresa a cada prato servido, desde a entrada até a sobremesa, espalhando terror pelo restaurante trancado e cercado por seguranças. As revelações são tão hipnotizantes quanto o trabalho cronologicamente coreografado dos cozinheiros que trabalham para Slowik com devoção doentia. Uma das cenas mais chocantes do filme, inclusive, tem a ver com esse respeito absurdo que não deixa de ser uma crítica ao ambiente tóxico das cozinhas mais famosas do mundo.

Outra crítica vai direto para os fãs de programas de culinária que se acham tão bons na frente do fogão. Conhecimento não é perfeição, como um dos personagens vai acabar descobrindo de forma bem indigesta. Terror psicológico puro servido em grandes porções. Anya Taylor-Joy tem papel central na trama e está com os seus grandes olhos característicos no Globo de Ouro. Ela foi indicada ao prêmio de melhor atriz.

Interpretação que rivaliza com a de Ralph Fiennes, também indicado ao Globo de Ouro de melhor ator pelo papel do chef maluco. Sou fã desse ator desde que ele causou pânico em milhões de pessoas pelo mundo ao encarnar Amon Goethe, o comandante nazista responsável pelo campo de concentração retratado em A Lista de Schindler (Schindler´s List, EUA, 1993).

E, claro, não se poderia nomear nenhum outro ator para viver o rival de Harry Potter, Lord Voldemort, que, mesmo embaixo de tanta maquiagem, fez mágica. Basta lembrar o jeito peculiar com que segura a varinha de teixo com pena de fênix. Delicadeza num ato de muito poder. Em O Menu, Fiennes demonstra o poder com as mãos ao bater palmas entre um prato e outro. E causa arrepios com a serenidade com que explica seus atos insanos.

Uma interpretação sutil, sem trazer gestos ou expressões caricatos atribuídos a esses profissionais da comida. A direção é de Mark Mylod, conhecido por vários trabalhos em streaming, como Game of Thrones e Succession, ambos da HBO. Apesar de ser especialista em séries, fez um ótimo trabalho com este longa-metragem. E, com certeza, levar um saco de pipoca a esse banquete é uma ótima pedida pro fim de semana.