O dia em que Jason visitou uma redação

O vilão de Sexta-Feira, 13, no entanto, não foi páreo para a horda de jornalistas famintos por doces

Não foi numa sexta-feira, 13.

Foi numa segunda-feira, 10 de março. De 2025.

Dia de meu aniversário de 52 anos.

Eu estava na redação onde trabalho como jornalista de televisão.

Bolo do Jason encantou jornalistas (Vídeo: Arquivo)

Minha bancada fica no semicírculo formado por móveis, computadores e tomadas localizado ao lado direito do grande telão onde são exibidos, diariamente, três telejornais.

Um colega um pouco distante – sim, a redação é enorme – atende ao telefone e pergunta:
— Alex, qual o seu ramal?
— 2127 – respondo.

Basta um toque para que eu atenda.
— Alex, tem uma encomenda pra você aqui na guarita – disse Eduardo, o nosso colega da portaria.
— Opa! — respondi — Tô descendo.

Para chegar até lá, cruzo a redação, passo pela porta chique e automática que foi instalada junto com os novos e modernos equipamentos no final do ano passado.

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Passo pelo hall onde ficam duas poltronas e vários pufes que dão um tom de conforto e despojo a nosso ambiente de trabalho.

Desço as escadas ainda pensando nas tarefas de trabalho que ainda precisava cumprir naquele dia.

Passo pelo hall de entrada da emissora onde fica um pequeno, mas hipnotizante, museu de equipamentos de televisão. Câmeras e ilhas de edição gigantes que foram usados no começo da história da emissora que vai completar 60 anos em dezembro.

Havia ainda mais a percorrer.

A saída do hall desemboca numa grande área coberta onde fica o relógio de ponto, onde, três vezes por semana, colaboradores guerreiros se reúnem para aulas de treinamento funcional com o professor — às vezes conhecido também como carrasco — André e onde, também, uma vez por mês, todos os funcionários se reúnem para degustar delícias servidas no evento chamado de Integração — uma festa em que somos atualizados sobre o andamento da empresa, novos projetos, resultados e comemoramos os aniversariantes do mês.

Depois dessa área coberta, o estacionamento.

Alguns passos na área externa e vejo, atrás da cancela que assegura quem entra e quem não entra na empresa, vejo um carro com uma das portas abertas. Ao lado, uma mulher de vestido e com muita pressa.

— Você é o Alex?
— Eu mesmo.
— Trouxe um bolo pra você.

Eu, Alex Mendes, autor da coluna Toda Sexta É 13, e meu bolo de aniversário inspirado no Jason (Foto: Arquivo pessoal)
Eu, Alex Mendes, autor da coluna Toda Sexta É 13, e meu bolo de aniversário inspirado no Jason (Foto: Arquivo pessoal)

Fiquei surpreso. Porque, sempre que há aniversário, os amigos da redação se cotizam e compram dois, às vezes até três bolos. Todos cantam parabéns e tiramos uma foto de todos sobre o tablado à frente do telão.

E isso já tinha acontecido.

Os parabéns e os bolos tiveram significado duplo naquele 10 de março. A repórter Ana Lívia Tavares também comemorava aniversário no dia.

— Bolo? Quem mandou? — perguntei.

A mulher foi até o porta-malas e tirou uma linda caixa enorme. Entregou-me o embrulho com todo o cuidado e respondeu.

— Eu não sei se posso dizer.
Fiquei intrigado.

— Pode. Eu acho que vou acabar descobrindo uma hora, não?

Ela concordou.

— Foi a Andrea.

Eu sorri. E disse:

— É minha esposa!

Foi uma enorme surpresa.

Um carinho recebido de uma pessoa com quem convivo há 31 anos, 25 de casamento.

Uma demonstração de amor que acabaria em terror.

Calma!

Sem conclusões precipitadas. Nada de ruim aconteceu.

Não havia espaço num momento tão sublime desses para isso.

Abri de leve a tampa da caixa já com um grande sorriso no rosto e meus olhos brilharam.

A boca abriu mais ainda, aposto, igual aquelas dos personagens do filme Sorria.

O bolo foi confeccionado na forma da máscara do Jason Vorhees, o monstro da franquia Sexta-Feira, 13. O meu monstro favorito do cinema!

Andrea foi cirúrgica!

Eu tenho o hábito, desde há muito tempo, de trazer bolo para a redação quando temos plantão de fim de semana.

Afinal, trabalhar de sábado e domingo, apesar de necessário em várias profissões, não é algo que fazemos com prazer. Com competência e profissionalismo, sim. Prazer, não.

Então, o bolo acaba adoçando um pouco esse amargor.

Minha esposa permitiu que, no dia de meu aniversário, eu pudesse compartilhar com os amigos da convivência diária esse hábito dos plantões.

E com uma doçura extra: o respeito à minha paixão pelo terror.

Percorri todo o caminho de volta, louco para abrir a tampa de vez e apreciar o que eu tinha visto apenas de relance, pela fresta da embalagem.

Entrei na redação, coloquei o pacote sobre a bancada da nossa secretária, Ligia, tirei a fita que embrulhava a caixa e retirei a tampa.

Jason olhou direto pra mim. A máscara perfeita. As tiras de couro descendo pelas laterais. Os olhos negros, profundos, sem alma.

— Pessoal, olha só quem veio visitar a redação! — falei. Ou pensei ter falado.

De qualquer forma, eu estava hipnotizado pelo bolo e pelo ato da minha esposa.

A vida é isso. Amor é isso.

Ela não estaria presente neste momento, afinal, não trabalha comigo. Não comeria um pedaço do bolo, afinal, não sobraria pra levar pra casa.

Mas ela fez questão de que eu pudesse ter esse momento.

Que pudesse compartilhar com outras pessoas que são importantes em minha vida.

Ficar mais velho é ter a chance de aprender mais.

As experiências que acumulamos ao longo de nossa vida precisam ser notadas.

Muitas vezes deixamos passar.

Mas são ensinamentos que nos levam a uma evolução necessária.

E perceber isso, nos encaminha para uma felicidade. O bem-estar que toma nossa consciência ao sermos úteis, sermos importantes para alguém, é uma bênção.

A lição que Andrea me ensinou foi incrível. Tão saborosa quanto o bolo.

A do desprendimento pelo reconhecimento.

Eu estar feliz a fez feliz.

Assim como me fez muito feliz ver Ana Paula gravando minha reação ao abrir a caixa do bolo.

De ver José Câmara me seguir até a copa e pedir pra eu pegar uma faca para ele fotografar eu “enfrentando” o Jason com a arma que o personagem usa tão bem nos filmes.

De apreciar os colegas formando uma pequena fila pra pegar uma fatia do — desta vez — doce Vorhess.
Pobre Jason.

Acabou destruído por uma horda de jornalistas famintos.

Não teve nenhuma chance.

Não deu pra quem quis! Bolo do Jason foi devorado rapidamente (Foto: Arquivo pessoal)
Não deu pra quem quis! Bolo do Jason foi devorado rapidamente (Foto: Arquivo pessoal)

Mas, quem conhece, sabe que ele sempre dá um jeito de voltar.

Quem sabe no ano que vem.

Espero que o terror e o amor sempre estejam comigo.

Obrigado, Andrea, por me propiciar um dos momentos mais emocionantes da minha vida.

Obrigado por você estar ao meu lado durante essas três décadas.

Obrigado por respeitar minhas paixões, meus hobbies.

Por pensar em mim, por cuidar de mim e por me fazer feliz sempre.

E assim como Toda Sexta é 13 , espero que, a partir de agora, toda segunda seja 10.

Uma data pra gente lembrar o quanto fazer algo pra alguém sem pensar em benefício próprio é gratificante.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toda Sexta é 13, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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