O maior terror do cinema: o público
Quem vai ao cinema deveria querer fazer valer cada real – e são muitos – num programa introspectivo em vez de conversar ou usar o celular durante a sessão
Não sou muito afeito a redes sociais. Isso é uma questão pessoal que não passa, nem de longe, por uma falta de reconhecimento à importância dessas ferramentas. É uma questão de opção: prefiro dedicar mais tempo a outras prioridades, outras amenidades.

Quando uso o Instagram, por exemplo, é pra estar mais perto de pessoas que têm o mesmo gosto que eu para o sobrenatural (obrigado, algoritmos). São posts diários de guerreiros que buscam manter sempre vivo o mundo dos mortos.
A maioria traz nos nomes terror, susto, medo. Quem quiser seguir, bastar colocar uma dessas palavras que inúmeros perfis vão surgir. Tem trailers de lançamentos, tem programação de filmes de horror na TV, tem críticas de obras, tem enquetes, resgate de filmes antigos. É bem legal pra quem curte, mas preciso alertar que há muita repetição. Às vezes, vários posts falam sobre a mesma coisa.
Um deles, nesta semana, me chamou muito a atenção. Foi do perfil Que Diabo é Isso (@qdiaboeisso). O texto do reels dizia exatamente como reproduzido abaixo:
“Ontem eu postei um stories sobre como ir ao cinema está sendo uma experiência horrorosa. De pessoas sem noção que falam alto a absurdos como atender celular e responder mensagem no Whats, a falta de respeito e civilidade vem tomando proporções cavalares. O resultado? Foi meu stories mais engajado de todos os tempos com mais de 200 directs de pessoas contando suas experiências e como também vêm abandonando esse hábito que, em teoria, deveria ser prazeroso.”
Trago, aqui, alguns comentários registrados por usuários no perfil:
- “Péssimo isso. Infelizmente, o bom senso é nulo.”
- “Eu odeio isso, de verdade. Como as coisas realmente legais se transformaram em um INFERNO por conta da tecnologia.”
- “Concordo, cara. A maioria das pessoas sequer assiste ao filme. Ao invés, só mexem no celular, atrapalhando, conversando e iluminando a sala…. pagam caro só pra ‘dizer que fizeram algo social’ e postar no Instagram.”
- “Diminuí em 99% minhas idas ao cinema por causa disso. Me estresso muito fácil com essas coisas, pessoa vendo feed de Instagram, respondendo Whatsapp, maior falta de respeito. O que fiz foi investir na minha sala mesmo, deixar a experiência o mais próxima possível do cinema com uma TV oled e um home theater, eu prefiro mil vezes assistir em casa hoje em dia.”
- “Nossa, sigo da mesma irritação! Eu também tenho ido muito menos e consumido muito mais torrentes por preguiça dessas pessoas sem noção que estão em todos os lugares.”
Recentemente fui assistir à M3gan (M3gan. EUA, 2023), um divertido filme sobre uma boneca que, programada para proteger sua tutora, leva a tarefa ao pé da letra e acaba se transformando numa máquina assassina que deixa Chucky morrendo de inveja.
Eu fui num dia de semana, à noite, esperando que a sala estivesse mais vazia. Estava lotada e teve: pessoas entrando com 15 minutos de filme e ficando na frente, tapando as legendas, gritaria, piadinhas, casal falando o tempo todo atrás de mim, duas mulheres olhando o celular a cada cinco minutos na fileira da minha frente e uma moça berrando spoilers duas fileiras atrás. Graças a Deus que M3gan é uma máquina de clichês. Então, não fez diferença saber – mesmo que involuntariamente – o que iria acontecer segundos depois do anúncio da coleguinha.
Mas é um absurdo ter de se conformar com esse comportamento ou torcer por salas vazias. O cinema precisa estar cheio, gerando empregos, gerando renda para quem trabalha nos filmes e não acumulando riqueza para piratas que se aproveitam do trabalho alheio. Mas esse tipo de comportamento faz com que a gente deseje – de forma muito egoísta – o contrário. E invertendo os papéis. Quem ama cinema precisa ficar relegado a sessões tarde da noite ou próximas da hora do almoço. Enquanto quem divide o filme com o celular ou resolve ter uma DR fica com os horários nobres.
Quem vai ao cinema deveria querer fazer valer cada real – e são muitos – num programa introspectivo: uma sala escura – para melhorar a visão da tela com toda a gama dos melhores profissionais do mundo em fotografia e efeitos especiais – silêncio – para tirarmos o maior proveito possível da potente aparelhagem de som que realça os diálogos, a interpretação dos atores, a trilha sonora, os efeitos de som.
No entanto, como relatado no perfil aqui citado, é comum vermos o contrário. Os cinemas até se esforçam para melhorar a qualidade da audiência ao exibir esquetes dando as obrigatórias instruções sobre segurança e incluindo orientações óbvias como não conversar durante a exibição do filme e não usar o celular durante a sessão. Um esforço em vão. As pessoas conversam e tiram selfies durante a exibição do próprio aviso, relegado a ser visto apenas por quem já adota a prática educada de respeitar os demais espectadores.
Não consigo entender o porquê alguém vai ao cinema e não presta a atenção somente ao filme. Essa é a graça do negócio. E não é uma atração barata. Ainda mais para quem não tem direito à meia entrada. Claro, vale muito conversar sobre o filme. Mas depois de exibido. O que gostou, o que não gostou. O que entendeu, o que não conseguiu entender.
Ao afastar as pessoas do cinema, você relega as salas apenas à exibição de blockbusters. As empresas precisam se manter e passam a fazer essa opção. Por isso vimos cinemas com as salas quase todas exibindo Avatar e deixando escondidas em sessões mirradas filmes premiados e que fazem muita falta aos cinéfilos.
Infelizmente, hoje, o número de pessoas que não consegue levar o respeito ao cinema é muito maior do que os que desejam voltar a assistir a um filme do começo ao fim sem ter de fazer o tradicional “shhhh” ou virar pra trás e pedir:
“Por favor, você pode falar mais baixo. Não tô conseguindo ouvir direito o filme.”
Em tempos de intolerância, de dias de fúria, todo cuidado é pouco. Uma vez vi uma senhora berrar contra um grupo que não se calava. Ela pedia respeito. Sua voz tremia. E ela estourou, como muitas vezes tive vontade de fazer. A bronca durou meia hora. E ela se deu por vencida.
Provavelmente, nunca mais voltou à uma sala de cinema. Nunca mais sentiu aquele cheirinho característico de pipoca. Nunca mais passou pela ansiedade de esperar as luzes se apagarem, de olhar os trailers para decidir quando voltaria para mais uma sessão. Nunca mais teve uma tela à frente que nem mesmo a maior das TVs disponíveis no mercado consegue igualar.
Agora, imagine essa mulher chegando num bar e exigindo silêncio de todas as pessoas presentes. E dizendo que ninguém pode fazer foto para postar ou olhar a rede social?
O que pensar dessa situação? Ridícula, né?
Será, então, que não é hora de perceber que conversar ou acessar o celular durante a exibição de um filme no cinema também não faz o mínimo sentido?