O que é incel?
Como a série “Adolescência” fez o Brasil discutir essa figura
A série “Adolescência” fez a internet parar para discutir o alcance de uma das figuras mais perigosas do mundo atual: o incel. Ele é como um polvo segurando 8 metralhadoras.
É um tipo de persona que eu, particularmente, conheço bem – sem qualquer erro de cálculo, 100% dos meus haters tem a mesmíssima personalidade. Lido com o chorume de suas mentes todos os dias.
O homem que me perseguiu por anos e provocou a série de matérias que escrevi e que deram origem à lei do Stalking, é um espécime perfeito. Estudei muito para entender como funciona o mecanismo mental desses caras e, para sua proteção e proteção dos seus meninos, te convido a entender comigo a anatomia de um incel:
É um termo em inglês, uma abreviação de “ involuntary celibates”, ou seja, celibatários involuntários. O próprio nome já explica: são pessoas que adorariam viver o relacionamento romântico mas vivem em celibato, em total abstinência porque não são desejadas. Geralmente esse sentimento vem desde a adolescência, quando o indivíduo começa a ter noções de amor romântico e consequentemente, de padrões de beleza, competição por atenção e especialmente, frustração.
A adolescência é cruel para qualquer pessoa, justamente porque é nessa época que a gente experimenta os sentimentos que foram reprimidos na infância – raiva, revolta, deboche – e especialmente a própria crueldade.
O bullying, a zoeira, testar limites, isso tudo faz parte dessa fase que é a maior fonte de traumas do ser humano. É aqui que a figura do incel se forma, e tenho certeza que você vai entender tudo.
Sabe aquele adolescente tímido, corpo fora do padrão, aluno mediano, rosto cheio de espinhas, desastrado, sem habilidade para o esporte, geralmente de família humilde, problemas em casa, que não tem dinheiro para o tênis de marca, aparelho nos dentes, que passa despercebido, que não chama a atenção das garotas, que nunca é o escolhido? Então. É ele. Você ainda não sabe, mas o fato de não ser desejado vai fazer com que esse menino passe a ninar dentro de si um ressentimento que dai descontar em todas as mulheres.
Essa frustração vai fazer dele um adulto inseguro. Vai ter medo de chegar nas mulheres, e quando tomar coragem, será de uma forma tão desastrada que raramente despertará interesse. Aos poucos, esse ressentimento vai se cristalizando, e é aqui que entra o último ingrediente para criar um incel: a comparação.
Quando ele percebe que a figura do homem disputado pelas mulheres tem um padrão, que é o cara rico/bem-sucedido/forte e malhado/casa/carro/segurança financeira, e que ele não vai conseguir se transformar nessa figura, passa a odiar todas as mulheres como se elas fossem seu algoz, a razão de seu sofrimento.
É aí que mora o perigo. O ódio não vem sozinho. Ela vai se vingar em cada uma delas.
Esse cara vai criar uma conta fake nas redes sociais e qualquer conteúdo sobre mulheres, vai xingar, dizer que são interesseiras, que merecem morrer, e vai ameaça-las. Ele vai estar em fóruns como o Reddit e o 4Chan, vai rodar na deep web e se juntar a outros homems que alimentam o mesmo ódio. Se alguma moça emocionalmente vulnerável se envolver com ele, será o bode expiatório perfeito, e vai sofrer todo tipo de violência psicológica, até que ele a destrua e se sinta vingado.
Aqui chegamos no ponto mais perigoso: quando este homem consegue espaço entre outros incels e se torna uma espécie de porta-voz. O aplauso de uma comunidade de misóginos que concordam com sua visão, bate exatamente naquele sentimento de invisibilidade, e ele entende que quanto mais alto gritar, quanto mais extremo for seu discurso, mais será amado por seus iguais.
Temos exemplos clássicos desta figura. O tal Thiago Schutz, que ficou conhecido como “Calvo do Campari”, enriqueceu xingando mulheres e sendo aplaudido por uma multidão de machistas. A internet não demorou a entregar sua biografia.
O adolescente rejeitado, que não era desejado, e chegou ao ponto de se inscrever em um reality show de namoro para conseguir se relacionar. Foi rejeitado publicamente pela mulher que escolheu. E um detalhe importante: ela é mais velha que ele, tem filhos, independente, exatamente o que ele sempre criticou. Tá explicado, não?
No tiktok, essa corrente é assustadora. Faço parte de um coletivo de mulheres criadoras de conteúdo, e nos protegemos da maneira que dá, compartilhando informações. Identificamos inúmeros perfis fake com o nome de Elliot Rodger, considerado um herói por algumas comunidades incels. Ele assassinou seis pessoas em Isla Vista, na Califórnia em 2014 e gravou um vídeo antes do ataque afirmando que cometeu os assassinatos porque as mulheres não queriam fazer sexo com ele. O assassino tirou sua própria vida em seguida.
Lido com incels o tempo todo. Eles vêm aos montes, devo excluir em média 50 comentários ofensivos por dia. Os mais agressivos, eu bloqueio. Os que me ameaçam, mando para uma amiga delegada o link do perfil, a foto, e exponho. O mais ridículo de tudo isso é que eles me xingam apenas para chamar a atenção da mulher de beleza padrão que é aplaudida por outras mulheres. Eu sou a personificação da menina popular da escola que jamais repararia na existência dele. Interessante, não?
Nossa única esperança está nos meninos. Fortaleça a autoestima do seu filho e ensine a ele que respeitar as mulheres não é uma escolha, é uma condição. Um cara que se sente amado, querido, não vai depositar no amor romântico toda sua expectativa de aceitação. Se ele estiver firme na importância de sua existência, estará fortalecido para, inclusive, ter outra orientação sexual e afetiva.
Nós temos a obrigação de criar pessoas melhores para o mundo. Se você é mãe ou pai de menino, por favor, ajude a criar homens melhores para a minha menina. A humanidade também agradece.
