O vampiro centenário
Há exato um século estreava nos cinemas o primeiro grande filme sobre vampiro: Nosferatu, de 1922. Apesar de usar nomes e localidades diferentes, foi baseado na obra literária Drácula, de Bram Stoker. Porém, os produtores não pediram autorização para a viúva do escritor irlandês. Como consequência, ela conseguiu na justiça a ordem de destruição de […]
Há exato um século estreava nos cinemas o primeiro grande filme sobre vampiro: Nosferatu, de 1922. Apesar de usar nomes e localidades diferentes, foi baseado na obra literária Drácula, de Bram Stoker. Porém, os produtores não pediram autorização para a viúva do escritor irlandês. Como consequência, ela conseguiu na justiça a ordem de destruição de todas as cópias do filme dirigido pelo alemão F.W.Murnau.

Para salvar a obra, o estúdio decidiu enviar as películas para vários países do mundo, evitando, assim, que fossem confiscadas e acabassem extintas. O que aconteceu foi como se um pequeno trecho do filme tivesse virado realidade. O vampiro alemão de forma espetacularmente esquisita, com uma careca gigante, dentes de rato, orelhas disformes, desproporcionais e mãos assustadoramente semelhantes a garras, virou uma praga e atingiu a jugular de incontáveis vítimas, quer dizer, fãs.
Inclusive no Brasil, quando chegou em 1927 com o título, acreditem, de “O Lobisomem”. Tudo bem que já encontramos vários vampiros que se transformam em lobo na filmografia desse personagem, mas Nosferatu não tem nada para ganhar esse título. Tanto que, com o tempo, a película acabou mudando para “Nosferatu, uma Sinfonia do Horror”. Aí, muito mais adequado.
O filme é mudo, contado em atos e regido por uma orquestra musical para aumentar a atmosfera de terror. Os cenários são angustiantes, parte da regra do expressionismo alemão. As sombras que representam Nosferatu são aterrorizantes. A intepretação do ator Max Schreck, estarrecedora, como o conde Orlok. Duvido alguém não congelar o sangue ao vê-lo se aproximar das vítimas com uma expressão estática de caçador que não deixa a presa escapar.
Pobre Hutter, que deixou a esposa na cidade fictícia de Wisborg, na Alemanha, para fechar a lucrativa venda de uma casa decrépita para o conde, num castelo nos Montes Cárpatos. Numa noite ao lado do anfitrião, por um descuido, o corretor imobiliário deixa cair um relicário com a foto da beldade. O vampiro fica fascinado pelo pescoço da mulher. Deixa o marido preso no castelo e ruma para a cidade onde a moça está.
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A partir daí é uma corrida contra o tempo para Hutter salvar não só a esposa, mas a cidade da praga que se assola sobre ela. Quem for resistente ao filme mudo, mesmo que eu insista que vale demais a pena assistir ao original, pode se deliciar com a versão falada de 1979, “Nosferatu, o Vampiro da Noite” (Nosferatu, Phantom der Nacht). O filme, dirigido pelo também alemão e gênio do cinema Werner Herzog, tem paisagens lindíssimas e cenários também assustadores. Klaus Kinski toma o lugar de Max Schreck com uma interpretação à altura. (tem o filme no Youtube, legendado.)
O interessante dos nosferatus é que são vampiros totalmente diferentes na aparência daqueles que nos acostumamos a ver principalmente nos anos 80, quando esses monstros passaram a ter aparência de homens irresistíveis.
Cristopher Lee nos anos 60 já tinha começado a dar essa cara mais atraente ao monstro, sejamos justos, ao substituir o esquisitão Bela Lugosi. A Hora do Espanto (Fright Night, 1985) é um grande exemplo dessa transformação. Chris Sarandon é o vampiro que deixa um vizinho adolescente maluco após ver o dentuço assassinar mulheres na janela ao lado. Ainda mais quando sua namorada entra na rota de desejo do vampiro galã.
A Hora do Espanto, até hoje, tem efeitos especiais brilhantes e a melhor cena de transformação de vampiro em lobo do cinema. Vale a pena conferir. A plataforma Darkflix tem o filme em 4k. A erotização desses seres chegou a encher as telas com gangues de sanguessugas bonitões num único filme. Foi assim em Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987) – excelente dica pra quem não viu (também tem na Darkflix). Quem não ficaria tentado a oferecer o pescoço ao grupo que tinha como lema: “Dormir o dia todo. Badalar a noite toda. Nunca envelhecer. Nunca morrer. É divertido ser um vampiro.”
Entrevista com o Vampiro (Interview with the Vampire, 1994), trouxe a história do vampiro Lestat, de Anne Rice, com Antonio Banderas, Brad Pitt e Tom Cruise. Anos mais tarde, a saga Crepúsculo (Twilight, 2008) até permitiu que o vampiro espalhasse purpurina no ar ao invés de queimar até a morte no sol, romantizando o ser antes maligno.
Em cem anos de história no cinema, os vampiros foram retratados de toda forma possível, talvez por isso estejam em baixa nas telas atualmente. Faltam novidades, falta criatividade. Quem sabe, uma volta à origem não coloque os dráculas e nosferatus novamente nos trilhos. Copolla fez muito bem isso ao filmar, dessa vez com a devida autorização, Drácula, de Bram Stoker (Bram Stoker´s Dracula, 1992) com um Gary Oldman cheio de sofrimento ao interpretar o imortal que sofre por amor de forma violenta após fazer um pacto com o diabo.
Se o cineasta norte-americano fez com tamanha competência a adaptação do maior clássico literário do terror vampiresco, quem sabe não está na hora de outro diretor ir ainda mais fundo nas origens dessa lenda, mais especificamente no século XVIII, quando o exército austríaco atestou o aparecimento de dois casos de vampirismo, um em 1725 e outro em 1732. Seria muito legal mostrar, nas telas, a origem de tudo e cruzar as histórias de dois supostos vampiros reais.
O sérvio Arnold Paole teria morrido ao cair de sua carroça e quebrar o pescoço. Dias depois de seu enterro, pessoas começam a relatar que tinham sido atacadas pelo defunto à noite. Revoltados, os moradores abriram o caixão e viram o corpo inchado, com cabelos e barbas mais cumpridos e sangue saindo pela boca, sangue que, supuseram, era o das vítimas. Não tiveram dúvidas de acordo com os parcos conhecimentos científicos que tinham acesso: ele era um morto-vivo. Cravaram uma estaca em seu coração e lhe cortaram a cabeça. A paz voltou a reinar na região.
Petar Blagojević teve história semelhante: morto e enterrado dez semana antes, teria levantado do sono dos mortos e sugado o sangue de 16 vítimas. Também acabou com estaca no peito e teve o corpo queimado. Parecem historinhas contadas por adolescentes em rodas de terror em volta de uma fogueira, né? Só que uma investigação do exército austríaco atestou a veracidade desses fatos.
O que deixa a dúvida: vampiros existem ou não? São bonitões ou monstrengos? Frutos da imaginação popular ou reais? Condes sangrentos com pactos demoníacos ou simples carroceiros? Não se preocupe se não souber a resposta, há cem anos o cinema vem tentando fazer isso. E tomara que continue por mais cem.
Vampiros me mordam se não se levantarem logo logo dos caixões para mais uma leva de filmes com dentes afiados para nos assustar e com longas asas pra voar pela nossa imaginação.