Oscar: o golpe de mestre do Exorcista
Nesta semana, saiu a lista de indicados ao Oscar, a mais tradicional premiação do cinema de Hollywood. E não há nenhum filme de terror indicado em qualquer das categorias. Não! Não Olhe! (Nope, EUA, 2022), de Jordan Peele, foi esquecido. E a atriz Mia Goth, de Pearl (Pearl, EUA, 2022), totalmente ignorada apesar da interpretação arrebatadora.
Participo de um grupo de cinéfilos e amantes desse gênero. O comentário geral a essa constatação foi a de que houve nenhuma surpresa. Apesar de o terror ser rentável por ter custo baixo e boa arrecadação, a academia que elege os melhores filmes do ano ignora a importância do susto nas poltronas mundo afora. Para se ter uma ideia, Psicose (Psycho, EUA, 1960) levou o cinema à loucura, mas deixou o indicado a melhor diretor Alfred Hitchcock sem a estatueta. Apesar da genialidade da cena de chuveiro mais famosa da história da sétima arte, a obra de arte nem concorreu ao prêmio de melhor filme. Em 2000, o Sexto Sentido (The Sixth Sense, EUA, 1999), num final tão surpreendente para os fãs quanto o do filme de M. Night Shyamalan, perdeu para Beleza Americana (American Beauty, EUA, 1999).
Tem muita gente que considera, no entanto, que o grande vencedor de 1992, com os cinco maiores prêmios, incluindo filme, diretor (Jonathan Demme), roteiro adaptado (Ted Tealy), ator (Anthony Hopkins) e atriz (Jodie Foster), O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, EUA, 1991) seja filme de terror e não policial. Quem não ficou com medo do médico canibal inteligentíssimo que vai ajudar o FBI a pegar um serial killer? Buffallo Bill tirava a pele das suas vítimas já mortas, mas o dr. Hannibal Lecter arrancava pedaços delas ainda vivas… é horror do lado dos bandidos e idem do lado dos mocinhos. Tudo amarrado numa trama sensacional. Filme obrigatório na lista dos melhores de todos os tempos do Oscar.

Se o Silêncio dos Inocentes fez barulho na cerimônia de premiação, o filme de terror mais famoso – e diria, eu, aterrorizante – de todos os tempos foi exorcizado da lista de ganhadores por dois astros: Paul Newman e Robert Redford, com Golpe de Mestre (The Sting, EUA, 1973), uma divertida história de vingança que envolve dois especialistas em passar a perna nos outros. E um desses outros, no filme, acaba por ser um gangster perigosíssimo. Muito legal mesmo. Vi ainda na pré-adolescência, mesma época em que assisti ao derrotado O Exorcista (The Exorcist, EUA, 1973) que, na mesma noite, concorria a dez estatuetas. Ganhou apenas as de roteiro adaptado e som.
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Este é o filme que mais mexeu comigo. Lembro muito bem, depois de assisti-lo, de ficar, literalmente, por horas rezando na cama antes de dormir. Um ritual que se prolongou por vários dias. Dez ave-marias e dez pai-nossos. Sem mentira. Tentava, com isso, garantir a proteção divina contra os efeitos das imagens mostradas na história da menina Regan, interpretada por Linda Blair. Ela tinha 13 anos de idade e foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante ao ser possuída pelo demônio Pazuzu (arrisque falar o nome dele em voz alta, arrisque). Coube a dois padres a incumbência de mandar o capiroto de volta pro inferno. A estátua mostrada no filme no meio do deserto me deixou muito impressionado.
O filme é baseado no livro de William Peter Blatty (1971), que narra a suposta história real do exorcismo de um adolescente de 14 anos. (Sim, no livro, a vítima é um menino)
Eu sentia como se fosse ser pego pelo demônio só pelo fato de ter assistido ao filme. Ele fez com que durante décadas eu tivesse pesadelos frequentes e iguais – sério, toda vez que tenho sonhos ruins, tô enfrentando o demônio! Só melhorei meu medo desse tipo de criatura depois que escrevi Cinevil – O Terror está em Cartaz (Life Editora, 2020).
O livro coloca Lúcifer como “dono” de um cinema em que as vítimas escolhidas por ele acabam vivendo, como num filme, seus maiores medos. Ali, escrevendo os diálogos do mestre do mal enquanto acaba com suas vítimas, acabei aprendendo o quanto criamos nossos próprios medos.
Era eu que fazia o demônio aumentar ou diminuir a intensidade dos sofrimentos causados aos pobres coitados que só queriam assistir a um filme pornô num cinema decadente.
Assim como fez o diretor Willian Friedkin, em O Exorcista. E com uma competência inquestionável. Quando você consegue impactar a audiência por tantos e tantos anos seguidos assim, teu trabalho precisa ser reconhecido.
O Oscar é, sem dúvida, uma das maneiras de se alcançar isso.
Felizmente não é a única. A bilheteria nos cinemas comprova o sucesso. O filme custou US$ 12 milhões e arrecadou, segundo o jornal O Globo, quase US$ 1 bilhão em valores atualizados. As continuações O Exorcista 2, o Herege (The Exorcist II – The Heretic, EUA, 1977), O Exorcista 3 (The Exorcist 3, EUA, 1990), O Exorcista: Início (Exorcist: The Beginning, EUA, 2004) e a versão do diretor com 11 minutos a mais do original (The Exorcist: The Version You’ve Never Seen – Director’ Cut, EUA, 2000) mostram que o interesse permaneceu e perpetuou o inferno na terra de Hollywood. Em 2016 foi lançada uma série inspirada no filme e um reboot, uma refilmagem, foi confirmada para este ano para comemorar os 50 anos do clássico de 73.
Tanto tempo depois, podemos concluir que Pazuzu é quem deu um golpe de mestre no vencedor do Oscar. Quem hoje lembra do filme de Newman e Redford?
O Exorcista sobreviveu não apenas pela qualidade cinematográfica. Mas porque alguém, de alguma forma – racional ou sobrenatural? – espalhou uma série de histórias malditas que teriam acontecido nas filmagens ou com quem participou delas. Segundo o Darkblog, da Darkside Books, editora nacional do livro O Exorcista, “nove pessoas ligadas ao filme morreram, incluindo os atores Jack MacGowran e Vasiliki Maliaros, o avô de Linda Blair, um segurança no set e um especialista em efeitos especiais”.
A própria Blair, apesar de idolatrada pelos fãs de terror, nunca mais teve um papel relevante no cinema.
Eu ainda não revi o filme. Tá sempre na minha lista. O livro também. No ano passado, me reaproximei das obras ao encarar o Parque do Terror, uma experiência imersiva que recriava cenas e cenários dos principais filmes de horror da Warner, em São Paulo. Estive, com um grupo de pessoas, dentro de um quarto a poucos passos de uma Regan deitada e amarrada na cama, rosnando como no filme, enquanto um ator, se passando por médico, destilava uma série de teorias sobre supostas doenças que estariam assolando a menina. A falácia é encoberta por gritos assim que as luzes começam a piscar e a cama a sacolejar. Eu amei! Mas teve gente da minha turma que precisou de atendimento médico.
A instalação não está mais disponível. Mas nos principais serviços de streaming, O Exorcista está lá, só de olho no teu dedo, te tentando pra você apertar o controle remoto e dar o play no medo. Tem coragem? Se decidir encarar, eu garanto: Pazuzu é de virar a cabeça!