Um argentino que dá medo: e eu não estou falando do Milei
Demián Rugna já tinha chamado a atenção em 2017 com Aterrorizados e agora dá um banho de sangue e talento com When Evil Lurks
Javier Milei tomou conta do noticiário nesta semana.
Candidato da ultradireita, o economista foi eleito presidente da Argentina. Como tem propostas muito radicais, inclusive na área econômica – como dolarizar o país e “dinamitar” o Banco Central — tem deixado parceiros de negócio como Brasil e Europa de cabelos em pé.
Porém, quero falar de outro hermano que dá medo e que tem chamado a atenção nas redes sociais.
Pode entrar em qualquer conta do Instagram de amantes do terror e não tem erro.
Lá estarão cenas impactantes da nova obra do diretor argentino Demián Rugna. É o ataque brutal de um cachorro à uma criança. É uma cabra que desafia um homem que carrega uma carabina ameaçadora nas mãos. É uma mulher andando pela estrada comendo o cérebro de uma criança em seu colo.

When Evil Lurks (Cuando Acecha La Maldade, Argentina, 2023), algo como “Quando o mal espreita” é, disparado, o filme de terror preferido dos amantes do gênero neste ano.
E com uma curiosidade absurda. Apesar de toda a qualidade, a película não está nos cinemas brasileiros ou em qualquer serviço de streaming.
Para assistir, é preciso ter a sorte de alguém compartilhar um link com você.
Uma pena.
Porcarias, como O Exorcista – O Devoto, empestearam diversas salas. E este filmaço precisa ser, erroneamente, degustado na pirataria.
O site especializado Boca do Inferno deu cinco caveirinhas, a pontuação máxima da crítica.
O Rotten Tomatoes, importante marcador estrangeiro, deu 99% de elogios da crítica e 80% do público. O IMDB, outro site especializado em crítica, um pouco mais comedido, crava nota 7.
A obra conta a história de dois irmãos que acabam envolvidos num caso de possessão demoníaca diferente na zona rural argentina. Um vizinho está “podre”, como chamam o corpo tomado pelo mal.
E basta olhar a figura para você entender o porquê ele é chamado dessa forma. Não à toa, em sofrimento puro, ele pede a morte pra qualquer um que entre no quarto onde está há quase um ano.
Sem conseguir ajuda da polícia, os irmãos apelam para o dono das terras, um fazendeiro durão que é tão prático quanto antiético: ele decide pegar o possuído e transportar para outra cidade, bem longe dali.
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Como se a simples transferência do capiroto fosse resolver o problema.
A saga para fugir do mal rende uma daqueles filmes em que você parece estar numa montanha russa.
Você mal acaba de se recuperar de um soco no estômago visual e já recebe outra porrada.
Forte. Sem sutileza alguma.
Mas impecável do ponto de vista técnico.
Os efeitos especiais, as maquiagens são muito convincentes.
Além da parte plástica, a forma como Rugna aborda o tema é inovadora. Quantos filmes já vimos com padres resolvendo o problema com um exorcismo?
Aqui não tem isso.
O demônio é como uma doença que se espalha e atinge quem tem contato com ele.
O mal é uma praga. E sente o cheiro do medo. Como fugir disso?
Decisões erradas levam os irmãos a uma jornada de dor, sofrimento e desespero sem fim.
Há muito tempo não tinha contato com algo tão intenso.
When Evil Lurks incomoda.
Quando o filme termina, você ainda fica com ele grudado na cabeça. Pensando no que acabou de ver, nas sensações que teve.
Não vejo a hora de poder assisti-lo no cinema, em tela grande, para superdimensionar as emoções que ele já me fez passar.
Até que isso aconteça, é possível provar o talento do argentino no longa Aterrorizados (Aterrados, Argentina, 2017).
Imagine-se morando sozinho e com a nítida impressão que algo está te observando no quarto enquanto dorme.
Walter (Demián Salomón) resolve tirar a dúvida.
E coloca uma câmera pra gravar.
O resultado é de cair o queixo. A cena do guarda-roupa é dessas que vão te fazer ter vontade de dormir com a luz acesa por semanas.
A boa notícia é que Aterrorizados está disponível, de graça, no Youtube. A informação só não é melhor porque a imagem está longe de ser perfeita.
Assim como em When Evil Lurks, Demiàm coloca o mal como uma força muito maior que qualquer humano.
Três especialistas em sobrenatural buscam Juan – homem acusado de matar a esposa – porque acreditam na inocência do homem.
Estudam, desde 98, um caso semelhante ocorrido nos Estados Unidos.
Quando chegam na história, já há uma mulher morta, uma criança atropelada por um ônibus e um homem desaparecido.
As três histórias, tudo na mesma rua.
Como se o maldito estivesse à espreita, espalhando-se (mais uma vez essa ideia) pela proximidade.
Cada um dos especialistas resolve se dividir para analisar os imóveis supostamente infectados.
Em um deles, outra cena surpreendente. A mãe, que enterrou o filho quatro dias antes, reencontra o menino sentado na mesa da cozinha.
A forma como o diretor trata esse morto-vivo é, outra vez, inovadora.
E como ele deixa claro que os humanos são apenas isso: sem superpoderes, frágeis, com medo. Muito medo a ponto de sofrer fisicamente com isso.
Espero demais que nos pacotes econômicos argentinos, o presidente eleito não corte verbas da cultura e, dentre elas, as do cinema argentino.
Odiaria ver Rugna refém dos executivos de Hollywood com suas necessidades comerciais canibalizando qualquer criatividade e talento.
Torço muito, de verdade, para que o novo governo argentino tenha sucesso.
Sr. Milei deixe o terror apenas para os filmes. O país já tem um cara que dá medo o suficiente.