Você tem medo de que?

O site “conceito.de” define assim o medo: “… uma perturbação angustiante do espírito devido a um risco real ou imaginário; a partir do momento em que o medo se apodera do controle cerebral e que o indivíduo já não consiga pensar de forma racional, o mesmo está perante uma situação de terror.Prato cheio para cineastas […]

O site “conceito.de” define assim o medo: “… uma perturbação angustiante do espírito devido a um risco real ou imaginário; a partir do momento em que o medo se apodera do controle cerebral e que o indivíduo já não consiga pensar de forma racional, o mesmo está perante uma situação de terror.
Prato cheio para cineastas que trazem, todos os anos, filmes com várias formas de explorar esse medo no público.

Urso do Pó Branco

Curiosamente, assisti, recentemente, a duas obras que reúnem dois de meus maiores medos. Parece loucura, mas depois que vi Leonardo di Caprio ser retalhado por um urso no magnífico O Regresso, passei a não desejar um encontro com esse tipo de bicho na natureza. Tá certo que ele sobreviveu, mas a cena do ataque é aterrorizante. Bom, aqui no Brasil, tô seguro. Mas vai que vou visitar o Canadá ou os Estados Unidos e encontro um parente mal-humorado do Zé Colmeia… o terror é irracional, gente. Lembram da definição do medo acima? “…uma perturbação angustiante do espírito devido a um risco real ou imaginário?” Pois, bem, já me imagino tendo de lutar com um monstro de dentes e unhas afiadas com o quádruplo do meu peso. O final desse embate não seria nada favorável a mim.

Eis que entrou em cartaz o filme O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear, EUA, 2023), inspirado num fato real. Em 1985, um traficante resolveu se livrar da droga que estava num avião. A ideia dele era escapar do flagrante da polícia jogando no ar as bolsas cheias de cocaína, então, saltar de paraquedas e, no solo, recuperar os 220 quilos de entorpecente. Na teoria, beleza. Mas, na prática, algo deu errado e o cidadão não sobreviveu à queda. A droga, na floresta, acabou no focinho de um urso preto, encontrado, também morto, quatro meses após o acidente. Ele foi apelidado de cocaine bear, daí o título original do filme.

A diretora Elizabeth Banks, de As Panteras, viu a chance de levar uma história curiosíssima para as telas. As cenas de ataque do bicho doidão são realmente assustadoras. E não tem como escapar. O urso do filme sobe numa árvore com a velocidade de um Usain Bolt.

Mas o que poderia ser um grande filme de ataques da natureza – como foi Tubarão, por exemplo — tornou-se apenas uma divertida sessão da tarde. A opção por fazer um terrir – um filme de terror pra rir – traz alguns momentos constrangedores, como o do urso dançando deitado de costas no chão ou do jeito bobão do primeiro sobrevivente com sotaque do leste europeu que viu a noiva trucidada pelo bicho. E ele não é o único personagem com excesso de caricatura. O ambientalista que é fruto de desejo de uma atrapalhada guarda florestal beira o ridículo. Realmente uma pena. Um desperdício de tema. Até porque duas crianças resolvem matar aula e encontrar uma cachoeira no parque bem quando o urso já deu várias cafungadas no pó branco.

Porém, se você for com o espírito bem aberto, a película vai garantir alguma diversão. Vale curtir as trapalhadas dos bandidos do filme – a cena do ataque no banheiro é realmente muito legal. E, vale também, com muito pesar, um adeus ao ator Ray Liotta (o eterno bom companheiro, do clássico de Martim Scorcese) que morreu logo após as filmagens.

Não, não foi de ataque de urso. Ele morreu aos 67 anos enquanto dormia, na República Dominicana. Liotta vive o chefão do bando que vai, in loco, recuperar a droga no terreno do urso doidão depois que o filho dele e um capanga se mostram ineficazes no trabalho. Descanse em paz, Ray! E tomara que no céu não tenha ursos problemáticos.

Tá e o outro medo que você citou, Alex? Ah! Sim, altura! Já até saltei de paraquedas, mas em algum momento da minha vida meu cérebro resolveu dizer pro meu corpo que fui feito pra ficar no solo. Talvez depois que virei pai e aumentei a minha responsabilidade em estar vivo. Minha esposa fala muito isso. Ela também desenvolveu esse medo depois da maternidade.

a queda 2
A Queda

Da mesma forma que ela – na verdade, bem mais que ela — passei a não gostar nada nada da sensação de impotência frente a um penhasco. Tá lá no conceito do medo de novo: “…a partir do momento em que o medo se apodera do controle cerebral e que o indivíduo já não consiga pensar de forma racional, o mesmo está perante uma situação de terror.”

A Queda (Fall, EUA, 2022), disponível no Prime Video, conta a história de Becky, uma alpinista experiente que acaba traumatizada pela perda do marido num acidente durante a escalada da montanha. O filme já começa uma “perturbação angustiante do espírito devido a um risco”, desta vez, real. Sim, alpinistas podem, sim, despencar para a morte. Tempos depois, a melhor amiga ressurge com uma proposta: para superar a perda e a distância das aventuras, elas devem escalar a quarta maior estrutura dos Estados Unidos: uma torre de TV desativada com 600 metros de altura. Claro que ela vai.

Uma escadinha – maneira de dizer porque deve ter milhares de degraus – enferrujada é o único caminho até o topo. Não é spoiler dizer que a escada vai cair e deixar as duas lá em cima, sem sinal de celular, sem água e comida e com abutres rondando o tempo todo torcendo para que elas se tornem alimentação farta.

É um desespero só. O que fazer nessa situação? Filme tenso, bem longe de transformar essa tragédia em humor. Apesar de superficiais, os dramas humanos da protagonista estão lá. A relação com o pai, a relação com a amiga e um segredo revelado. Além de um plot twist (virada de roteiro) decente.
Vale uma conferida. Filme bem legal para – com o perdão do trocadilho – cair numa noite de cinema em casa.

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  1. Pós-horror: a criação de um monstro

E você, do que tem medo? Escreva pra mim no instagram @alexmendesterror. Vai que me interesso pelo seu pavor. Sempre há espaço na mente de um escritor para potencializá-lo. Foi o que eu fiz com esses dois filmes. Ao final, só tinha um pensamento em mente. Eu, num lugar bem alto, com o vento forte demais. Perdi o equilíbrio, estiquei meu braço o mais que pude, mas não alcancei o corrimão de ferro sujo de ferrugem. Vi meus dedos a milímetros da salvação e caí. Gritando de cara virada para um solo distante demais para enxergar um desfecho feliz. Impotente, apenas imaginando meus pés amarrados a um bungee jumping inexistente.

Meu corpo virou sozinho depois de tanto me debater contra a gravidade. Fique de costas para o chão e vi o quanto a minha queda era alta. Fechei os olhos e, por algum motivo inexplicável, aterrissei num monte macio. Eram bolsas de viagem. O impacto levantou um monte de pó. Mas não de sujeira. Era branco. E com odor anestesiante. Sorri repleto de alegria. Estava dopado pela cocaína que me rodeava. E quando fui comemorar minha sobrevivência, escutei um urro. Virei o rosto e vi o urso babando, com olhar enfurecido e dentes afiados. Não deu tempo de me levantar. A última coisa que vi foi o meu reflexo nos olhos dele. E não parecia nada com Leonardo di Caprio… Sobrevivi à queda, mas não escapei do urso do pó branco.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toda Sexta é 13, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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