1 ano sem Ana Benevides, jovem de MS que morreu no show de Taylor Swift
Esta é uma matéria escrita por um fã da cantora norte-americana e jornalista que acompanhou a cobertura jornalística da tragédia que vitimou Ana Clara Benevides
365 dias, 8.760 horas e 525.600 minutos. Ana Clara Benevides era natural de Sonora, uma cidade pacata do interior de Mato Grosso do Sul a 346 km de Campo Grande. Um município com pouco mais de 19 mil habitantes. Este 17 de novembro marca um ano da morte da fã durante o show de Taylor Swift, no Rio de Janeiro.

A jovem, que sonhava em ser psicóloga, se desdobrava entre as idas e vindas entre a casa dos pais no interior de Mato Grosso do Sul e Rondonópolis, onde fazia faculdade. Ana Clara, como milhões de fãs da cantora norte-americana Taylor Swift, começou a sonhar o sonho do show da “loirinha” no Brasil muito tempo antes do momento acontecer.
À época da tragédia, a bióloga Daniele Menin, que estava no show junto de Ana Clara, relembrou em entrevista que as amigas começaram a juntar dinheiro para os ingressos, passagens e hospedagem meses antes da “The Eras Tour” – turnê da artista – chegar ao Brasil.
Além da grande quantia para o ingresso, uma outra parcela era direcionado para o custeio da viagem. As duas compartilharam momentos juntas e realizaram o sonho juntas.
Leia mais
Naquele 17 de novembro de 2023, o dia já se demonstrava fora do comum. O Rio estava quente, com temperatura máxima de 39,1°C, segundo o Inmet. A sensação térmica no dia do show de Taylor Swift, no Rio de Janeiro, era de quase 60°C.
A jovem saiu do hotel que estava hospedada logo cedo. Com algumas barras de proteína e outros alimentos e água em uma bolsa, Ana e Daniele foram para fila do show logo no início da tarde. Por lá, permaneceram embaixo de sombrinhas e se mantiveram hidratadas constantemente.
“Levamos água, levamos comida. Só estava muito quente. Tinha ambulante vendendo lá, mas estava caro, R$ 10 reais uma garrafinha de água. Compramos duas. Compramos picolés para se refrescar. Entramos, ficamos felizes pela grade e ficamos esperando”.
Comentou a amiga de Ana Clara em entrevista à época.

A dupla conseguiu entrar no Estádio Nilton Santos. A grade era outro objetivo, que foi alcançado após muita correria. Grudadas ao alambrado, as duas não saíram dali. Segundo Daniele, ambas curtiram o show de abertura.
Alguns minutos após e com a ansiedade e expectativa à flor da pele, Taylor Swift apareceu no palco. Longe das coincidências, segundo a amiga, Ana começou a passar mal durante a música Cruel Summer (Verão Cruel – traduzido para o português).
“E aí, do nada, logo na segunda música do show ela simplesmente caiu, desmaiou. Não falou nada. A gente estava chorando de emoção, de ver a Taylor, e aí ela caiu assim. O pessoal puxou (sic) ela para fora, a gente estava bem na grade, e aí eu pulei a grade e a gente foi correndo para o postinho de apoio deles ali”.
Disse Daniele Menin
Morte se tornou notícia

Eu, como fã de Taylor, acompanhava todos os passos da cantora pelo o que seriam os primeiros passos da “loirinha” pelo Brasil. Para controlar a ansiedade, resolvi ir ao bar para conversar com alguns amigos.
Em um determinado momento, um alerta no X – à época chamado de Twitter – despontava no “trending topics”. Várias pessoas passaram a replicar uma publicação de um amigo de Ana Clara, que havia informado sobre a morte da jovem durante o show de Taylor.
Custei a acreditar, demorei a entender e a processar. O lado jornalista falou mais alto. Eu e outros dois amigos, também jornalistas, começamos a apurar a história. Longe de coincidências, eu estava de plantão logo no sábado (18) de manhã – dia após a morte de Ana Clara.
Sabendo da ligação da jovem com Mato Grosso do Sul, a ansiedade pela notícia e me enxergando como fã, comecei a raciocinar. Já era 1h da madrugada do dia 18. Resolvi sair da mesa do bar e ir para casa. O radar não estava fora da mente. Eu só conseguia pensar na Ana, que até então só tinha visto em uma única foto, a que estava no perfil da jovem nas redes sociais.
Durante a madrugada consegui chegar a Daniele, a amiga que estava ao lado de Ana. Com todo respeito, pedi licença, me apresentei e comecei a entender a história.
A partir dos relatos de Daniele e da família da jovem, a morte de Ana Clara tomou os noticiários. Não foram notícias apenas no Brasil, foram internacionais.
Uma fã morreu enquanto realizava um dos sonhos. O último sonho. Morreu em frente a um ídolo. Aquilo que era para ser um dos maiores momentos da vida de Ana Clara, se tornou o último.
Lei Ana Clara Benevides

O laudo de necropsia de Ana Clara Benevides Machado, que morreu após passar mal no show de Taylor Swift em novembro, apontou que a universitária teve exaustão térmica causada pelo calor.
Segundo o laudo, a jovem estava:
- exposta ao calor difuso — ou seja, que havia calor extremo no ambiente —;
- que a exposição foi indireta; que a fonte do calor foi o sol;
- que a evolução clínica aponta exaustão térmica com quadro de choque cardiovascular e comprometimento grave dos pulmões, evoluindo para morte súbita.
O documento diz ainda que a jovem morreu por hemorragia alveolar, ou seja, houve rompimento dos vasos sanguíneos que irrigam os pulmões, e congestão polivisceral, que significa a paralisação de vários órgãos por exposição difusa ao calor.
A exaustão térmica é uma condição que ocorre quando o corpo superaquece. O distúrbio provoca uma perda excessiva de sais (eletrólitos) e líquidos, dando lugar a uma diminuição do volume de sangue, provocando muitos sintomas.
A morte de Ana Clara comoveu o Brasil. A partir do caso, mudanças em protocolos em caso de calor extremo foram revistos, aperfeiçoados e implantados.
Um dos primeiros passos foi a criação da Lei Ana Benevides, que obriga grandes eventos a fornecer água potável para o público. A Lei segue em tramitação no Rio de Janeiro.
Após a morte de Ana, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) publicou uma portaria a qual prorroga a obrigação de distribuição gratuita de água em grandes eventos, como shows e festivais.
Assim, considerando a vulnerabilidade dos consumidores, bem como as temperaturas extremamente elevadas nos últimos anos em todo o território brasileiro, as empresas responsáveis pela produção dos eventos devem:
- garantir o acesso gratuito de garrafas de uso pessoal, contendo água para consumo no evento, devendo disponibilizar bebedouros ou realizar distribuição de embalagens com água adequada para consumo, mediante a instalação de “ilhas de hidratação” de fácil acesso a todos os presentes, em qualquer caso sem custos adicionais ao consumidor;
- garantir que tanto os pontos de venda de comidas e bebidas quanto os pontos de distribuição gratuita de água estejam dispostos em regiões estratégicas do local evento a fim de facilitar o acesso pelos consumidores, consideradas a estrutura física e a quantidade estimada de participantes;
- assegurar espaço físico e estrutura necessária para assegurar o rápido resgate de participantes do evento, em caso de intercorrências relacionadas à saúde e demais situações de perigo. Ainda, deverão assegurar o acesso gratuito de garrafas, contendo água potável para consumo pelos consumidores.