A dificuldade de falar fácil
Simplificar a forma de se comunicar faz com que a mensagem seja compreendida com clareza.
“Desconfie de quem fala difícil. Ou a pessoa sabe o que está dizendo e não quer que os outros saibam ou ela não sabe nada do que está falando”. Ouvi isso numa palestra do Marcelo Canellas, um dos jornalistas que mais admiro, e faço questão de repetir a mensagem toda vez que sou convidada a falar sobre comunicação. Parece óbvio, mas é um grande desafio tornar a fala e a escrita mais fáceis aos ouvidos e aos olhos de quem as recebem.
Marcelo Canellas, na ocasião dessa palestra, falava para uma plateia de jornalistas, ávidos por aprimorar as técnicas de contar boas histórias em suas reportagens. Para quem vive de descrever fatos do dia a dia, como nós jornalistas, facilitar a comunicação deve ser regra e não exceção, assim como cumprir com todas as etapas da apuração de informações que vão compor a matéria. E a busca por simplificar a comunicação também tem se tornado prioridade em outros setores. Ainda bem!
Em outubro de 2022 a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, aprovou uma lei determinando que funcionários públicos devam usar linguagem de fácil compreensão ao falar com a população, para que a comunicação seja feita de forma mais eficiente em todas as camadas da sociedade e não somente entre os que têm maior nível de escolaridade. Isso considerando que os índices de escolaridade na Nova Zelândia estão entre os melhores do mundo. As reações a essa medida tomada no país da Oceania foram das mais diversas.

“Incluir e não burocratizar e obstruir o acesso aos mais fragilizados socialmente”, escreveu um leitor no espaço para comentários da reportagem publicada numa revista de circulação nacional. “Precisa de uma lei para exigir o bom senso?”, questionou outro, que completou: “comunicação clara é fundamental para uma democracia”. Mas também houve quem avaliasse a medida como algo para “nivelar por baixo” a forma de se comunicar na gestão pública.
Voltando para nossa realidade no Brasil, onde grande parte da população tem dificuldade para interpretar um texto básico, simplificar a comunicação é mais que necessário. E já existem algumas iniciativas para alcançar esse objetivo, em diferentes ramos do poder público. No Judiciário, vários tribunais já desenvolvem projetos para tornar mais acessível a linguagem nos documentos oficiais, evitando o ‘juridiquês’ (já adianto que este será o tema da próxima coluna). Em muitos casos, um cidadão não consegue compreender os termos técnicos de um ato processual ou de uma decisão judicial, sem ter um advogado para atuar como tradutor.
Problema que ocorre também em outras esferas do poder público e na iniciativa privada. Médicos que dizem para o paciente num posto de saúde que ele precisa continuar o tratamento para a doença não ‘recidivar’ (em vez de ‘retornar’ ou ‘reaparecer’) deveriam se lembrar que esse é um verbo comum para seus pares, não para alguém que não tem um diploma na área da saúde. Um vendedor que explica os benefícios do produto usando palavras técnicas não vai conseguir fechar um negócio.
A verdade é que a comunicação só é de fato eficaz se o outro compreende a mensagem. O falar difícil só deveria mesmo ser exaltado na hora de lembrar Chacrinha, um dos mais populares comunicadores que o Brasil já teve e que tinha entre seus bordões a frase célebre: “Eu vim para confundir e não para explicar”.