A mulher que realizou os outros sonhos
Todos os outros além daqueles que te ensinaram que eram seus
Eu sou a mulher que tem “os outros sonhos”. E tenho certeza que não sou a única.

Desde menina me ensinaram que a felicidade suprema seria encontrar um homem bom e formar uma família. Me bombardearam com lindas histórias de amor, nas novelas, nos filmes, e até nos livros que eu devorava naquela adolescência ansiosa e pobre: no começo dos anos 2000, quem não tinha dinheiro não tinha acesso a lazer, curso de inglês, videogame, festa, passeio, viagem ou universidade pública. Meu único destino seguro era casar.
Porém, sempre tive os Outros Sonhos. Bem lá no fundo, porque gente que sobrevive não consegue sonhar de verdade. Você se vê lá e logo em seguida a realidade te diz “isso não é pra você”. Não existe meio, não existe caminho nem ponte que te leve até aquele futuro construído no frágil terreno da sua imaginação.
Os outros sonhos são todos aqueles além dos que te ensinaram que eram seus.
A profissão arriscada, o mestrado fora do Brasil, o retiro no Tibet, a casa com piscina, as férias na praia com a melhor amiga, a bolsa caríssima, os sapatos que você via Carrie Bradshaw usar em Sex And The City.
Aos 9 anos eu disse para o meu pai que queria conhecer a Flórida. Lembro daquela cena como se fosse hoje: ele olhou para mim meio surpreso, riu, e brincou: “Você nem sabe onde fica a Flórida!” Bem, eu não sabia mesmo, mas vi na televisão que era na Flórida que ficava a Disney. Então, a Flórida virou meu Outro Sonho.
A realidade do adolescente que ia para a Disney estava muito longe da minha. Eu não convivia com essas pessoas. Na escola pública do interior, o máximo de luxo que aquela gente conhecia era ir para a praia no verão. Obviamente, essa realidade também estava muito distante da minha, vivendo os severos verões gaúchos com a cara na frente de um ventilador velho. Gente pobre não tinha título do clube, nem carro para ir ao clube, nem amigo com piscina em casa para não precisar do clube.
Passei muita coisa nessa vida e vi morrer inúmeros sonhos, um a um, soterrados pela realidade da mulher que não tem guarida. Mas, bem escondidos embaixo de um puído tapete de otimismo, guardei os outros sonhos. Eles me mantiveram viva em cada provação, um alento na exaustão de quem batalha sem parar simplesmente porque desconhece o conforto de não precisar lutar pelo básico.
Às vezes o sonho de uma mulher não é casar e ter filhos, e ela se sente fora do bando por isso. Quando as amigas viram mães, os assuntos são outros, e infelizmente a socialização nos empurra a desejar o mesmo, só para não nos sentirmos tão distantes. As pessoas te pressionam na busca por um amor romântico como uma espécie de alívio para elas mesmas – assim, não precisarão se preocupar com você.
Se a sua natureza é acalentar os outros sonhos, bem, acho que você vai gostar de ler isso aqui:
Em uma manhã de céu extraordinariamente azul, realizei o Outro Sonho. Jamais vou esquecer aquele momento. O vento gelado balançava meu cabelo preso por uma tiara de orelhinhas brilhantes, e com o pé direito, eu pisei na Disney da Flórida, exatamente o lugar que imaginava quando falei com meu pai. Diante daquela reluzente bola prateada que via na TV, chorei 30 anos.
Mas aquele momento foi ainda mais simbólico: ao meu lado, segurando minha mão, estava a primeira menina da atual geração de mulheres da minha família, e ela também estava chorando. Naqueles 10 segundos, passado e presente se uniram para honrar com choro os inúmeros outros sonhos de mães, tias e avós, das mulheres que não conheceram ventura nenhuma na vida além da honrosa missão de criar seus filhos.
Meu maior legado na vida foi ensinar para essa menina o poder do sonho realizado aos 15 anos, um poder que só conheci aos 41. Nesse dia eu mostrei para ela que uma vida de imaginação não basta para nós. Uma vida repetindo “meu sonho é conhecer a Itália”, “meu sonho é fazer uma faculdade”, “meu sonho é tomar café em frente à Torre Eiffel”, “meu sonho é comprar uma bolsa dessa marca” e jamais dizendo “Chorei quando vivi aquele momento”. Uma hora a gente precisa sair desse ciclo de repetir sonhos como um papagaio treinado e se obrigar a fazer acontecer.
Esse texto foi para te dizer que realizar sonhos é pra você SIM!
A viagem perfeita, a família de comercial de margarina, o intercâmbio, o curso de idiomas, o bebê risonho, o doutorado, o corpo saudável, a casa com banheira, ou a mente em paz. Quando a gente enterra um sonho e sente que nunca mais vai ser feliz de novo, o Outro Sonho é o que te salva de enlouquecer e você deve perseguir o momento de chorar diante dele como meta absoluta. Isso não é autoajuda, é a experiência de mais uma mulher que aprendeu onde fica a porta de saída do inferno.
Você tem o direito de realizar os outros sonhos, nem que para isso precise fazer uma dívida de anos, que vai pagar sorrindo – se for seu caso, estamos juntas! Mulheres como nós precisam de um bom planejamento, crédito na praça e a ousadia que ninguém ensina. Para realizar o outro sonho você precisa é de uma bela dose de coragem, e não de um milagre.
Comentários (2)
Morra com memórias , n o com sonhos …. Buscar , realizar e contemplar cada segundo desse momento , o tarde não existe para quem
Sonha .
Ola Jaque, sou sua Fã, sempre leio sua coluna, adoro ve vc no Bom dia MT. Essa coluna em especial mexeu muito comigo, pois ela veio no momento certo, momento em que eu mais precisava de um incentivo para prosseguir meu caminho e não desistir de vive e cuida da minha pequena, Quero aki deixa o meu muito Obrigada. Lendo Levantei a cabeça me vestir com uma armadura de fui a luta.