A solidariedade dos limões
Que sentimento poderoso é esse que nos move? O que nos faz voltar dois passos na caminhada e estender a mão para quem tropeçou e caiu?
A fragilidade é o que nos derruba e o que nos une. Que estranho paradoxo para uma coisa tão cotidiana como demonstrar fraqueza, algo que para alguns de nós é como um elefante de maiô sentado no sofá da sala: incômodo e impossível de ignorar.

Na semana passada fiquei doente e fui obrigada a colocar minha fragilidade em cima da mesa. Moro sozinha, longe da minha família, onde as únicas pessoas que tenho por mim são meus poucos e bons amigos, igualmente ocupados com seus problemas. Como toda menina que cresceu se virando, detesto incomodar. Agoniada com o desconforto da doença somado ao tédio de estar o dia todo deitada, me sentei no chão da sala de casa com um chá amargo e gravei um vídeo muito sincero relatando meu drama:
Queria tomar aquele chá com mel e limão, mas não tinha limão em casa. Fiquei horas remoendo a desventura de não ter por perto alguém que me amasse o suficiente para tirar meia hora do seu tempo e buscar o bendito limão no mercado. Afogada na minha bacia de autopiedade, expus de forma tão crua a fraqueza de precisar de algo simples e não dar conta de resolver, que fiz inúmeras mulheres olharem para as próprias costas e enxergarem a galáxia que carregam sozinhas.
A solidão pesa muito quando a gente adoece. Sua independência vira pó. Sua força desaparece. Precisar que outro ser humano tire um tempo para te ajudar mede a sua importância na vida de outras pessoas, e não queremos constatar que ela é pouca.
Mas a solidão não é privilégio da mulher solteira. Publiquei esse vídeo dolorido nas minhas redes sociais e recebi milhares – milhares mesmo – de comentários de mulheres relatando que se sentiam mais sozinhas casadas, adoecendo ao lado de companheiros omissos, grosseiros e preguiçosos até para buscar meia dúzia de limões. De que adianta topar dividir a vida com alguém se você continua não recebendo um “trouxe isso para colocar no seu chá” sem que precise implorar?
Voltando ao meu drama do limão, assim que postei o vídeo, me arrastei novamente para a cama a fim de convalescer enrolada no meu cobertor de autocomiseração, e deixei que ele fizesse seu trabalho: transformar esse ranço no impulso necessário para levantar e resolver logo meu rolê. Choramingar não vai colocar limão no meu chá. Pulei da cama, vesti a primeira coisa decente que vi e fui ao mercado na força do ódio. Comprei um quilo de limão. UM-QUILO-DE-LIMÃO. Vai ter limão nessa casa para todo tipo de receita e tempero por 15 dias, mas você entende o sentimento, não é?
Assim que cheguei em casa, botei água esquentar e como num ritual, fiz meu glorioso chá com mel e (muito) limão. Sentei no sofá para saborear minha vitória sobre o que me fez sentir tão enfraquecida, e quando abri meu instagram, dei de cara com uma coisa que me botou para chorar sem parar em cima de uma caneca fumegante.
Na minha caixa de entrada tinha nada menos que 51 mensagens. Metade delas eram mulheres dizendo “Eu levo o limão aí pra você”. Uma amiga se ofereceu para levar sopa, outra disse que ia mandar frutas, outra amiga prometeu me levar um filme do Harry Potter, a outra pediu meu endereço para enviar limões por aplicativo. De repente, o limão que me faltava virou a plena abundância do que eu não sabia que faltava: ali estava uma tonelada de empatia vinda de pessoas que mal me conhecem.
A primeira pessoa a dizer “estou aqui” foi uma mulher brilhante que você conhece da televisão, e que por chegar na sua casa ao fim do dia, se ofereceu para tirar um tempo naquela manhã para levar limões a um chá solitário.
Uma amiga que mora na Espanha relembrou a adolescência difícil que nos obrigou a amadurecer tão cedo. A amiga de faculdade que mora em SP, casada e mãe, chorou dizendo que se sentiu acolhida por ouvir sobre uma fragilidade diferente da sua.
Outras mulheres me contaram suas dores, tão diversas, expondo suas próprias solidões ao dizerem que eu não estava só. Tudo bem a gente se sentir fraca de vez em quando. Meu vizinho de cima chegou cansado do trabalho e foi cozinhar feijão, para no final do dia bater na minha porta com 5 marmitas da comida mais acolhedora do mundo. Jantei aquele feijão puro, valorizando-o como a refeição mais incrível da vida – e essa informação não teria relevância alguma, exceto pelo fato de que não como feijão. O feijãozinho novo que ele fez alimentou meu corpo adoentado e o amor contido naquele gesto alimentou o resto.
O drama dos meus limões despertou uma onda enorme de solidariedade em pessoas ocupadas, que tiraram um tempo só para dizer “estou aqui para o que precisar”.
Que sentimento poderoso é esse que nos move? O que nos faz voltar dois passos na caminhada e estender a mão para quem tropeçou e caiu?
“A solidariedade dos limões” foi só um título esquisito que dei a esse texto para que você o lesse até aqui, e aquecesse seu coração por dois minutos. Um texto sem reflexão necessária, sem quebra de paradigmas, só uma vivência profunda que eu traria numa conversa qualquer na hora do café. Apesar da rotina esmagadoramente corrida que todos temos, que nos sobre um tempinho no dia para dizer a frase que pode levantar um doente (do corpo e da alma), para se colocar à disposição, para ajudar, elogiar, incentivar, acolher. Que você jamais perca a capacidade de aliviar uma dor, acalentar um espírito ou se oferecer para ir até o mercado buscar meia dúzia de limões.