As delícias todo mundo sabe, mas e as dores de ser mãe, quem conta?

Muitas mulheres se calam por medo do julgamento como se falar sobre as agruras, fosse o mesmo que não amar os próprios filhos

E eu nem queria ser mãe… Forte, né? Eu sei! Mas antes de tecer qualquer julgamento, me permita me apresentar? Meu nome é Jéssica, sou jornalista, 35 anos, mãe do Caetano de 1 ano e 11 meses e da Maria Cecília, de três anos e dois meses.

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No fim do dia quem coloca a mãe para dormir são os filhos, tamanho o cansaço (Foto Arquivo pessoal)

De fato, nunca tive vontade de ser mãe, porém num momento de bastante fragilidade da minha vida, vacilei no método anticoncepcional e dez dias sem pílula foram suficientes para minha primogênita vir, após 13 anos de casamento. Foi um baque.

Eu sabia o quão sacrificante é ser mãe, aliás, tinha ideia, já que a minha nunca escondeu isso da minha irmã e de mim. Só que não tinha noção de que, para além das noites em claro, seios rachados e todas as mudanças físicas que ocorrem no pós-parto, ser mãe nos faz atravessar um portal social sem volta.

Portal este que coloca em xeque tudo o que a mulher construiu até ali em termos profissionais e de relações pessoais. Ao acabar o período de licença-maternidade corre-se o risco de demissão.

Inclusive já passei por lugares em que não ter filhos era pré-requisito para conseguir a vaga. À época, alheia às questões maternas, nem me ocorreu o quanto agressivo aquilo era com mulheres mães. Porque a regra, claro, era válida só para mulheres, não para homens que tivessem filhos.

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Cochilo coletivo é outro desafio (Foto Arquivo Pessoal)

Para se ter ideia, conforme levantamento do portal Empregos, divulgado em maio deste ano, 56% das mulheres que retornam de licença-maternidade ou foram desligadas quando se deu a janela legal ou conhecem algum caso assim.

Além disso, a cada 10 mães que estão no mercado de trabalho, quatro já se sentiram discriminadas em algum momento pelo simples fato de terem filhos.

E o fator culpa? Também existe. Tenho absoluta certeza de que pelo menos uma vez, neste espaço de tempo entre parto e retorno ao trabalho, a mulher cogitou não retornar para seguir com a criança em casa. É um misto de “só eu sou capaz de cuidar do meu bebê” com “vou perder o crescimento dele ficando ausente” e “socorro, preciso voltar ao trabalho e me sentir um pouco eu”.

Pouco se fala, mas o primeiro ano de vida do bebê é praticamente uma simbiose entre mãe e filho, como se ainda fossem um só, a exemplo da fase da gestação. E aí entra a questão das relações sociais que muitas vezes se escafedem.

Sim! Somem. Amigos, familiares, conhecidos. É como se a maternidade deixasse a mulher invisível. Só quem viveu sabe a solidão do início da jornada de mãe. Primeiro porque não se pode sair muito e segundo porque quando se pode, não cabemos nos lugares. Não me refiro à forma física.

A demanda de um bebê muitas vezes é incompatível com os locais em que as pessoas querem socializar. E aí os pais, leia-se a mãe em quase 100% dos casos, se isola. Tive meus filhos durante a pandemia e brinco que mães sabem o que é isolamento social muito antes da covid-19.

É difícil encaixar a rotina do bebê nos rolês, amamentar em público infelizmente ainda é um tabu (que vamos quebrar) e no fim das contas as pessoas acabam sequer convidando, sempre sob pretexto de não querer incomodar. Realmente, às vezes é inviável, mas só ser lembrada já é algo muito simbólico nesta fase da vida.

Enfim, se eu fosse enumerar aqui todas as questões, o texto ficaria interminável e para isso teremos este espaço toda semana. Ilustrei tudo isso para tentar explicar que, sim, ser mãe é treta! E o nome desta coluna é quase uma ironia, já que “e eu que nem queria ser mãe, tenho duas crianças e fiz da minha bandeira de vida a maternidade… real”!

Por isso escrevo sobre as agruras, mas muito mais que isso, escancaro a realidade de como são tratadas as mulheres após a maternidade e como este cenário precisa mudar, afinal o filho é da mãe, mas a figura do ser humano quem constrói é a sociedade, fato que atinge todo mundo. Vem comigo nessa luta coletiva?

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista E eu nem queria ser mãe, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (7)

  • Kerolen

    Supeeeer necessário abordar esse assunto! Que venham mais colunas e sucesso!

  • Giovanna

    Adorei essa nova coluna! Já conquistou uma leitora. Sucesso!

  • Martineli

    Acho que se todas a mulheres soubessem realmente o que é ser mãe, o que a mulher tem que abrir mão, o que a sociedade faz com as mulheres que se tornam mães realmente pensaria muito antes de ter filhos. Ótima coluna para mostrar a realidade da maternidade e não o romantismo.

  • Ana Paula Azevedo Saida

    Adorei a coluna. Necessário e real.

  • Renata

    Parabéns pela estreia!
    Vc arrasa muito nesses textos que são nossa vida de mãe real!

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