Como ter um corpo perfeito para o próximo Carnaval?
É inevitável nos compararmos com as musas do carnaval, influencers, mulheres que têm condições de investir em si, mas esse padrão de corpo é simplesmente inalcançável para aquela que sobrevive como pode
Em 1988 descobri o que era carnaval. Percebi que tinha uma época do ano em que minha mãe tirava de uma caixa mil potes de glitter para usar em mim junto com uma fantasia legal, e com essa combinação eu ia para festas muito animadas em que os adultos dançavam alegres e jogavam confete na gente. No alto de meus 5 anos, já entendi que aqueles dias eram reservados para todo mundo encarnar uma versão mais feliz de si mesmo.
Só não sabia que na vida adulta, cairia sobre mim o peso de não poder usar uma fantasia legal porque meu corpo não seria considerado adequado para ser mostrado.
Carnaval é uma tortura psicológica tremendamente sutil para mulheres comuns. Basta ligar a televisão nos desfiles ou abrir a rede social para sermos bombardeadas por corpos femininos absolutamente perfeitos, em fantasias belíssimas, sambando sob uma torrente de aplausos. O momento em que você se compara com elas vem de forma inconsciente, antes que possa ponderar. Se você não está feliz com seu corpo (e o mundo quer que a mulher seja infeliz com seu corpo para que ela gaste muito dinheiro tentando aceita-lo), ver uma mulher de qualquer idade dançando seminua com um corpo que você já sabe que é impossível alcançar – porque já tentou – é um grande gatilho.
Imagine uma mulher de 35 anos que madruga para ir de ônibus até o trabalho, se alimenta no almoço e no jantar com a mesma marmita cheia de sal e gordura, come um salgado barato quando o estômago ronca, passa o dia inteiro em pé numa loja até pegar o ônibus lotado no fim do dia, para chegar em casa exausta contando os minutos para dormir e assim suportar o dia seguinte. Como essa mulher vai se sentir ao ver a influencer famosa da mesma idade que ela, posando de tapa-sexo sem um único buraquinho de celulite no corpo esculpido? Nada vai impedir essa mulher de experimentar um sentimento de frustração ao constatar que ela pode fazer o que for, pode passar a viver de suco verde e luz solar, mas jamais vai ter condições de alcançar esse ideal de corpo.

Estamos falando de um tipo de mulher cujo ganha-pão é a própria imagem, mulheres que investem muita grana para se tornarem um modelo perfeito. E elas estão corretíssimas. É a sociedade que as transforma num padrão inalcançável para as demais.
O carnaval é uma temporada de trabalho, que como qualquer outra, exige dedicação. A própria Paolla Oliveira, uma das musas mais comentadas de 2023, fez uma enquete perguntando a homens como eles se preparam para o carnaval e a resposta foi “com uma cervejinha”. Nenhum deles falou sobre longos e sofridos jejuns ou 3 horas de treino por dia.
Para se dedicar, essas mulheres têm uma estrutura: comem o que é calculado pela nutricionista, têm quem cozinhe para elas e podem comprar coisas caras de dieta: castanhas, produtos zero açúcar, manteiga ghee. Elas passam metade do dia na academia malhando com personal e a outra metade na clínica de estética fazendo mil procedimentos, drenagens, aparelhos complexos que esquentam sua barriga prometendo fritar camadas de gordura. Elas fazem uma lipo por ano se quiserem. Os seios empinados obviamente não são os de uma mulher de 35 anos que amamentou 2 filhos, o nariz, a barriga, o enxerto nos glúteos, o botox, o preenchimento, o megahair, nada disso é pura genética. É o investimento delas no seu trabalho. Mas ninguém te ensinou a não se sentir um lixo quando seu marido olha para elas com desejo e para você com desaprovação, não é?
A mulher comum somos eu, você, sua irmã, sua amiga, sua vizinha dona de casa, mulheres cuja rotina consiste em sobreviver com o que dá. A gente vai para a academia depois de tomar 400ml de café, porque estamos exaustas. O dinheiro da lipoescultura é o valor da entrada do carro que você não consegue comprar. Você até tenta guardar um dinheirinho para o silicone, mas gasta ele toda vez que seu filho fica doente, ajuda a pagar a viagem de férias com as crianças, empresta para o familiar que está tratando uma doença grave – e lembra disso toda vez que se olha nua no espelho. Uma drenagem linfática para você desinchar do sal que consome na marmita custa R$150, e com esse dinheiro você compra mais 10 marmitas. Se sentir à vontade dentro de um biquíni na piscina com seus amigos exige uma dose de autoconfiança que nem sempre você vai ter.
A gente não deveria se comparar o tempo todo com as musas do carnaval, ou com as influencers que posam de costas em fotos cuidadosamente tratadas, ou mesmo com mulheres que têm tempo e condições de investir em si. Esse padrão de corpo é simplesmente inalcançável para quem sobrevive com um salário mínimo e almoça macarrão instantâneo porque é mais barato. Esse papo não é sobre saúde e bem-estar, porque isso também é impossível para a mulher sobrecarregada que trabalha, estuda, cuida de filho e de casa. Isso é sobre a crueldade da pressão estética mesmo.
Quer saber como ter um corpo perfeito para o próximo carnaval?
Você já tem um, mana. Apenas entenda que esse padrão de beleza imposto por uma sociedade cruel com as mulheres tem que ser tratado igual fofoca: pode chegar até você, mas não pode te atingir.
Quer começar a malhar agora? Boa ideia, sua saúde mental vai agradecer.
Compre parcelado em 12 vezes um biquíni bonito que vem com saída de praia e chapéu, daqueles caros, que até o próximo carnaval isso tudo já estará pago e você vai se sentir uma diva tomando sua cervejinha de 150 calorias na beira da piscina.
Pense na sua fantasia para o bloquinho lembrando que em fevereiro faz um calor danado e você não é obrigada a se cobrir nem suar em bicas porque tem vergonha da sua barriga. Bota a barriga pra jogo, bota o peito pra jogo, batonzão vermelho e uma tonelada de glitter, vista o que você quiser e vá se divertir.
A roupa ficou apertada na barriga? Antes de se odiar por engordar, compre uma maior e fique em paz. Ninguém pode te condenar por se sentir confortada com comida nos dias difíceis. Tá tudo bem.
Em um mundo em que estamos só de passagem, o tempo é precioso demais para perdermos um dia odiando o corpo que nos abriga.
A beleza de uma mulher está mais na coragem que ela tem de ser livre do que no esforço para se encaixar num padrão que nos transforma em bonecas iguais, harmonizadas, produzidas em série. Aceite a sua beleza e seja legal com você.
Só isso. Seja legal com você.