Comunicação na relação paciente-profissional de saúde
Médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros e outros profissionais de saúde devem usar uma linguagem que o paciente entenda
Imagine a cena: um paciente é levado para atendimento após desmaiar. Depois da avaliação, o médico explica: “O relato foi que você já vinha de um quadro de astenia e prostração há alguns dias. Agora, como essa síncope, o indício é de recidiva na enfermidade neurológica que você tratou há alguns anos. Teremos que voltar ao protocolo de profilaxia”.

Talvez seja necessário um dicionário ou uma pesquisa no Google para traduzir o que o médico disse. Astenia e prostração poderiam ser substituídas pela palavra fraqueza ou abatimento. Síncope significa desmaio. Enfermidade é o mesmo que doença. Reaparecimento da doença é muito mais fácil para se entender do que recidiva. E, convenhamos, fica mais simples dizer medidas de prevenção do que protocolo de profilaxia.
O exemplo é fictício, mas o problema de comunicação entre profissionais e pacientes é algo real, que exige atenção. A linguagem do profissional de saúde não pode parecer uma bula de remédio. Ela tem que ser clara, de fácil compreensão, a não ser que ele esteja falando com um colega que tenha o mesmo nível de conhecimento sobre termos técnicos.
O assunto tem sido tema de pesquisas e publicações em todo o mundo e ganhou espaço também na Organização Mundial de Saúde. A OMS definiu o termo Letramento Funcional em Saúde (LFS) como a capacidade cognitiva de entender, interpretar e aplicar informações escritas ou faladas sobre saúde. Um baixo LFS significa que a pessoa tem dificuldade para ler e escrever, o que exige do profissional uma capacidade ainda maior de adaptar a linguagem para que o paciente o compreenda. Mas até mesmo pessoas com alto grau de instrução, ou seja, alto LFS, podem ter dificuldade para interpretar informações de saúde, especialmente em momentos de maior fragilidade.
Em abril de 2022 o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) publicou um artigo com “A adesão do paciente ao seu tratamento e o Letramento Funcional em Saúde (LFS)”, com informações sobre como a linguagem usada na comunicação entre profissionais e pacientes pode ser decisiva para melhoria da saúde. O artigo traz algumas sugestões para uma comunicação mais clara:
- Faça perguntas abertas para avaliar a compreensão do paciente sobre materiais escritos, incluindo rótulos de prescrição;
- Verifique se o paciente entendeu suas instruções, pedindo para que repita as informações com suas próprias palavras;
- Use palavras comuns para ser o mais claro possível e minimizar o risco de mal-entendidos. Por exemplo: diga “engolir” em vez de “deglutir”, diga “prejudicial” em vez de “adverso”, diga “gorduras” em vez de “lipídios”, diga “barriga” em vez de “abdômen”;
- Fale mais devagar ao fornecer instruções;
- Use gráficos e imagens em vez de longas instruções escritas.
Nos consultórios, clínicas, postos de saúde e nas salas de aula de cursos universitários, os profissionais desenvolvem suas estratégias para aprimorar a comunicação com os pacientes, como mostram os depoimentos abaixo:
“O atendimento médico inicia-se com uma análise detalhada das queixas apresentadas pelo paciente. A abordagem inicial demanda tempo, de forma a se estabelecer um laço de confiança a partir da primeira consulta até o término do tratamento. Se o paciente não entender seu diagnóstico e as condutas a serem tomadas, há uma grande chance de não adesão à terapia e/ou quebra de vínculo com o profissional. Ao receber uma notícia de doença grave, a pessoa pode reagir negando a realidade ou até mesmo se revoltando contra o médico e seus familiares. Nesse momento, é preciso ter empatia, uma comunicação de forma acolhedora. Uma grande dica que o docente pode dar a um aluno de medicina é colocar alguém que ame no lugar do paciente (mãe, filho) e imaginar de que forma gostaria de ver seu ente querido ser tratado. A boa comunicação entre médico e paciente requer sabedoria, bom senso e amor ao próximo”, explica Alessandra Carvalho Mariano, professora do curso de Medicina da UFMT e médica legista da Politec/MT.
“Na psicoterapia trabalho com uma abordagem para me orientar a identificar o meu paciente. O primeiro passo é verificar qual a linguagem adequada que posso utilizar para começar um diálogo. Por exemplo: com a criança utilizo a fala mais próxima dele, que é através do lúdico; com o adolescente posso usar uma linguagem mais informal, até utilizar as gírias que ele próprio traz na sua comunicação. O importante é sempre aproximar a fala ao ouvinte. O segundo passo é ouvir o que ele tem para dizer naquele momento através da fala, comportamento, expressões. E, quando comunico algo, observo qual é a reação dele para poder prosseguir e sempre questiono se faz sentido para ele o que eu disse”, garante Alexandra Oliveira, psicóloga e psicanalista infantojuvenil.
“Nesses anos de profissão tenho uma regra: falar a mesma linguagem que os pacientes, principalmente com as crianças, que são o meu público-alvo. Tento também prestar atenção na comunicação não verbal, e estar disposta a escutar. Certa vez, em uma das aulas do mestrado, aprendi: ouvir é diferente de escutar. Quem ouve percebe os sons. Quem escuta se envolve, exerce a empatia, conhece o outro mais profundamente e cria uma conexão com o paciente, que é importantíssima no momento do diagnóstico e posterior conduta clínica. É durante a conversa que podemos entender melhor os anseios do paciente, suas urgências e expectativas (que nem sempre são as do profissional de saúde). O resultado dessa postura mais humanizada é a criação de um vínculo forte do profissional com o paciente e, consequentemente, sucesso no tratamento”, afirma Jackelyne Pontes, cirurgiã-dentista.
“Eu criei um protocolo de explicação para cada tipo de procedimento que sigo passo a passo, explicando para meus pacientes. Associo com imagens e vídeos para que eles possam ouvir e ver a explicação. No final, pergunto se há dúvidas e passo também meu telefone pessoal para, caso haja dúvidas posteriores, eles terem um canal direto comigo para sanar”, explica José Renato Tetilla, cirurgião-dentista.
“Na fisioterapia temos que saber ouvir bem os pacientes, às vezes o detalhe é muito importante. Faço perguntas bem direcionadas para as queixas do paciente e explico com uma linguagem acessível. Não costumo usar os termos técnicos porque o paciente talvez não entenda e fica com vergonha de perguntar”, diz Renata Brito, fisioterapeuta.
“Ouvir o paciente com total atenção, observando também sua linguagem corporal, é fundamental para uma comunicação efetiva. Da mesma forma, é essencial que o médico se expresse com clareza e tranquilidade. Atuo há 14 anos em uma área delicada, que é o tratamento oncológico, e tenho, cada dia mais, a convicção de que a empatia é uma forte aliada da boa comunicação”, afirma Victor Sano, radio-oncologista.