Comunicação para solucionar conflitos

Técnicas de incentivo ao diálogo e à pacificação são usadas por mediadores, conciliadores e quem atua com justiça restaurativa

A comunicação de forma respeitosa, assertiva e que abre espaço para o ‘escutar’ e não só ao ‘falar’ é a base para relações mais harmônicas entre as pessoas. Isso vale para questões familiares, conflitos no ambiente de trabalho e também para resolver problemas que vão parar na Justiça.

Nos últimos anos, diferentes segmentos do Poder Judiciário têm incentivado a conciliação para resolver litígios. Quem tem um processo na Justiça pode tentar solucionar o problema de forma negociada.

Profissionais são capacitados para atuarem como mediadores e conciliadores, para facilitar o diálogo entre as partes, para que elas construam a solução para o conflito. E para alcançar os objetivos no processo de mediação e conciliação, é fundamental utilizar as técnicas adequadas de comunicação.

Mediação e conciliação na Justiça do Trabalho

Com formação em psicologia, Solange Dias há 12 anos trabalha como conciliadora no Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-MT). Ela conta que sua experiência na psicologia a ajudou muito, especialmente por entender que não existe comunicação sem escutar o outro, sem ajudá-los a se ouvirem. “É necessário ter organização, respeito, confiança, empatia e não julgamento”, diz a conciliadora.

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Solange Dias, conciliadora do TRT-MT (Foto: Arquivo pessoal)

Solange explica que no trabalho no Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania), não se pode criar mais animosidade entre as partes. Por isso é necessário tomar muito cuidado com a comunicação para não parecer que está pendendo para um lado ou para outro.

Usar uma linguagem clara, para que as partes compreendam o que está sendo proposto, é algo muito importante durante as sessões de conciliação. “Não raro, me pedem explicação porque não entendem o que o advogado está explicando”, conta Solange Dias.

Ela afirma que busca utilizar uma linguagem adequada a cada sessão, dependendo do grau de instrução das partes. Até mesmo o humor no ambiente é levado em conta, para determinar se será necessário mais acolhimento ou mais objetividade.

A conciliadora diz que acredita que a melhor estratégia de comunicação é saber ouvir, respeitar e ser gentil com todos, sem julgamentos. “Uma boa comunicação possibilita às partes tomar uma decisão informada, com segurança do que acontecerá dali em diante”, finaliza Solange.

Ações no TJMT

Entre as iniciativas adotadas pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) para promover a conciliação está a capacitação contínua dos mediadores e conciliadores. Esses profissionais precisam ter o conhecimento necessário para conduzir processos de conciliação de forma efetiva. E isso inclui
capacitação em técnicas de comunicação para solução de conflitos.

Para estimular a pacificação, o Judiciário estadual emprega diversas estratégias de comunicação com a sociedade, tais como:

  • realização de campanhas para divulgar os benefícios da conciliação como meio rápido de resolver conflitos;
  • comunicação digital e redes sociais para disseminar informações sobre os serviços de conciliação e mediação, bem como para educar o público sobre os benefícios da resolução pacífica de conflitos;
  • eventos abertos ao público para promover a cultura da paz e do diálogo, oferecendo espaço para discussões, treinamentos e compartilhamento de experiências bem-sucedidas em conciliação e mediação.

Comunicação pode ser a causa ou a solução para o conflito

“Nos cursos que ministro e em minha vida pessoal, tenho comprovado que a comunicação, muitas vezes, pode gerar o conflito, mas também pode ser a solução”. Essa afirmação é da professora Jane Hir, mestra em Educação no Paraná e especialista em Práticas Restaurativas, Psicologia Positiva, Mindfulness e Neurociència-PUC/PR.

Jane Hir conta que conheceu a Justiça Restaurativa em um curso ofertado pelo Tribunal de Justiça do Paraná em 2017 aos servidores do sistema prisional. Na ocasião, foi apresentada ao conceito de Comunicação Não-Violenta (CNV).

A professora cita Marshall Rosenberg, o criador da CNV: ‘mais importante que as palavras é a intenção da fala’. Ela explica que, na maioria dos conflitos, o que a gente costuma ver são pessoas que se agarram às suas certezas e que desejam “ganhar” a discussão como se essa fosse uma partida de jogo. Para Jane Hir, a CNV tem como objetivo maior a conexão com o outro.  

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Jane Hir é mestra em Educação (Foto: Arquivo pessoal)

Jane trabalha como professora de séries iniciais no sistema prisional de Piraquara (PR) e relembra um fato para exemplificar como a comunicação pode ser a causa ou a solução de conflitos:

Certa manhã não acordei bem, mas… preocupada com a oportunidade que as aulas representam para as internas de sair da cela e de ter um lanche diferente, resolvi ir ao médico depois da aula. Ao chegar, percebi que havia duas alunas novas. Eu as cumprimentei e expliquei à turma que eu não estava bem e que, portanto, iria distribuir atividades que elas pudessem desenvolver sem minha ajuda. Mal comecei a falar e observei que uma das alunas novas me olhava quase que com raiva. Eu ainda não terminara de explicar quando ela me interrompeu:

-Se não estava boa, pra que veio, então? A voz era ríspida, o tom de quem estava inconformada.

Confesso que eu não esperava. Eu tinha feito a minha fala com a intenção respeitosa de explicar o meu comportamento naquele dia. A sala fez um silêncio perturbador. Todas olharam para mim esperando minha resposta. Identifiquei o que estava sentindo: desapontamento e raiva. A minha condição física debilitada contribuiu para a potencialização das emoções. Relembrando que às vezes é preciso pedir um tempo, olhei nos olhos dela e falei com a voz calma:

-Sabe que eu não sei te responder? Vou procurar a resposta e depois eu te digo, certo?

Antes do final da aula, eu pedi a atenção das alunas e respondi:

-Fulana, tua pergunta foi muito interessante. Ela me fez pensar sobre o respeito aos meus limites. Sim, talvez eu não devesse ter vindo. Mas, eu gostaria de saber por que você ficou tão chateada. Você pode explicar?

-Ah, professora, faz dias que eu escuto falar da sua aula, só coisa boa! Atividades legais, música, desenho, que a gente pode falar… e aí, bem no dia que eu venho, a senhora tá doente!

-Ah! Entendi Você fez uma expectativa sobre a aula e ficou decepcionada por não ter hoje tudo o que você imaginou. É isso?

-Isso mesmo, professora! Mas me desculpe! Eu não devia ter falado daquele jeito. Eu entendi agora que a senhora veio porque pensou na gente!

A professora Jane reflete que, se tivesse respondido de forma agressiva ou se afundado em sentimentos de mágoa pelo fato de a aluna não ter reconhecido seu esforço, teria perdido a oportunidade de fazer conexão com ela, que foi até o fim do ano uma aluna exemplar.

“A Comunicação Não-Violenta é muito mais que um conjunto de técnicas relacionais. É uma filosofia centrada na vida”, diz a professora que tem o desafio diário de levar educação para dentro das prisões.

Leia mais

  1. Diálogo em vez de briga

  2. Aprenda a pedir

  3. Será que você fala demais?

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Comunicação de primeira, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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