Deixe seu filho amar a madrasta
Nenhuma criança deve renegar amor para honrar sua mágoa
A cultura de competição feminina nos trouxe inúmeras heranças estúpidas.
Entre os mais atrasados costumes, existe um que particularmente me impressiona: a disputa entre ex e atual por um belo troféu de papelão.
A separação é um trauma para qualquer mulher, mas é infinitamente mais difícil se ela tiver filhos pequenos. Entre essas duas mulheres existirá uma criança, ou muitas crianças, sofrendo com a culpa infantil de se sentir responsável pela irritação dos pais, bem no meio desse fogo cruzado entre mãe e madrasta.
Se você parar pra pensar, o cenário todo é questionável: duas mulheres, com suas bagagens emocionais, lutas e cicatrizes, competindo entre si pelo posto de “eleita” de um homem. No centro dessa disputa está um cara comum, tratado como o mais precioso dos tesouros. Olhando assim não faz muito sentido, não é?
Fato é que essa busca pela aprovação masculina não coloca apenas mulheres em um ciclo de sofrimento, coloca também suas crianças, as que menos têm culpa das trapalhadas emocionais dos adultos.
Se você vai se relacionar com um homem que tem filhos, saiba que tem a obrigação absoluta de tratar bem essas crianças, por mais que a relação seja difícil. São crianças, estão confusas, e não têm qualquer estofo emocional para entender a situação de vocês, seja qual for. Na casa do pai, seus enteados estarão sob os cuidados dele. Na sua presença, eles devem se sentir à vontade, seguros e bem quistos.
Se você é a mãe das crianças que vão conviver com a atual do seu ex, venha cá, vamos conversar. Eu sei que é difícil, sei que você se sente roubada, aviltada em ver outra mulher habitando o castelinho de sonhos que construiu com muita luta. Mas você precisa deixar bem em cima da sua pilha de escombros o que realmente importa: seus filhos não devem carregar nas costas o peso da sua mágoa.
Deixe seu filho amar a madrasta. Deixe que ele crie laços, que se sinta amado e acolhido no novo lar do pai. Deixe sua filha se identificar com a nova namorada, ganhar o laço de cabelo, o perfume, tirar a selfie. Nada nem ninguém substitui a mãe amorosa no coração de um filho. Não há subtração nessa conta.
Se a sua criança vai para a casa do pai com um sorriso, esteja em paz. Você está criando uma pessoa emocionalmente saudável, que será mais feliz em seus relacionamentos adultos. Por outro lado, se a criança vai se sentindo culpada por gostar de estar lá, veja se você não está colocando na conta dela o peso de te desagradar. É muito injusto fazer uma criança se sentir culpada por amar quem lhe trata bem, apenas para honrar a mãe.
A geração dos nossos pais não falava sobre acolhimento ou saúde mental, e nós crescemos lidando com essas questões por puro instinto, ninguém sabia muito bem o que fazer – nem eles, nem nós. Hoje, com tanto acesso à informação, temos a chance de formar uma geração de pessoas emocionalmente mais saudáveis e seguras com seus sentimentos.
Eu, particularmente, sou a maior expert nesse assunto que conheço. Tinha apenas 9 anos quando meus pais se separaram, e meu pai casou de novo. Minha madrasta, ao longo de 30 anos me tratou com todo o carinho, e com a delicadeza de não me tratar como filha. Ela me trata como enteada, do jeito que tem que ser.
Mais do que ensinar o seu filho menino que não deve renegar amor, nem fechar o coração para quem lhe trata bem, você estará ensinando à sua filha duas lições muito importantes.
A primeira, é não competir com outra mulher pela atenção de um homem. Que ela possa competir no esporte, nas olimpíadas de matemática, por uma vaga na universidade, por uma cadeira no mestrado, e conhecer assim a sensação de vencer por algo que é seu, e que realmente valha a pena.
A segunda, é que amor a gente não sonega, a gente multiplica. Carregar a culpa por te ferir ao aceitar amor é muito injusto com seus filhos. Guarde sua mágoa debaixo do tapete, sob a mesma camada de condescendência que você guarda seus defeitos, e direcione a carga da dor a quem merece.
E por fim, se a madrasta da sua criança não a trata bem, cobre um posicionamento do seu ex. Insista que a criança não deve ser prejudicada em nada pelas escolhas amorosas de vocês. Cobre, questione, eduque, e se preciso for, converse com ela. O bem-estar dos seus filhos precisa estar acima de qualquer coisa.
Metade das dores que a gente carrega, nessa sociedade em que 12% das pessoas tratam problemas de saúde mental, é de cicatrizes mal curadas de uma infância difícil. Nós temos a chance de formar adultos mais preparados, e tudo começa no simples ato de aceitar amor e não aceitar o desamor. Na mesmíssima proporção.
Comentários (1)
Com certeza, criança não tem responsabilidade pelos atos dos adultos, nem de ser culpada por fracassos alheios,nem chegaram na adolescência já tem uma mala cheia de mágoas e frustrações financeiras, emocionais egocêntricas, que muitas vezes a acompanha da concepção a vida adulta, uma herança maldita, que a faz sofrer por dores alheias sem nenhuma noção do que fez pra receber esse fardo de fracassos….