Jaqueline Naujorks

Depressão, ansiedade e o carimbo da fraqueza

No setembro amarelo, que tal você trocar as mensagens copiadas por uma atitude menos tóxica com as pessoas?

Acho interessante o fenômeno que toma as redes sociais no mês de setembro: pessoas absolutamente tóxicas passam a compartilhar mil mensagens de acolhimento e empatia, fingindo uma solidariedade com o paciente psiquiátrico que, definitivamente, não têm.

depressao e suicidio 3

Talvez não por pura maldade – é que empatia dá trabalho, e o ser humano morre de preguiça de se importar de verdade com o outro.

Durante 6 anos tratei Síndrome do Pânico. Emagreci e era elogiada por isso, mas ninguém sabia que eu tinha ânsia de vômito porque estava 100% do tempo em estado de alerta. Não dormia, não comia, não saia de casa, adrenalina nas alturas, maxilares travados, taquicardia, e muita dor no corpo por ficar com os músculos tensionados o dia todo. Minhas crises vinham à noite, e para não surtar, eu andava pelo condomínio enrolada num roupão, parecendo uma alma penada – e naquele momento, eu realmente era.

Tenho uma lembrança muito vívida daquele tempo. Para algumas raras pessoas que estranhavam meus olhos esbugalhados e perguntavam se estava tudo bem, eu não mentia. Uma em especial, do sexo masculino, para quem contei, me deu a resposta que todo paciente psiquiátrico já ouviu: “isso é coisa de gente fraca”.

Me sentia culpada por estar doente. Minha mente não respondia ao que eu cobrava dela. Trabalhava num ambiente de pura pressão (jornalismo hard news é assim) e todas as manhãs eu achava que não chegaria ao fim do dia sem ter um AVC. Tudo, absolutamente tudo era gatilho. Fui fazer matéria na casa de uma família que estava com a geladeira vazia e não consegui terminar, passei 8 horas chorando sem parar.

Chorava tanto que o rosto ficava inchado, desfigurado mesmo, e eu tinha que fazer compressas geladas para aparecer no vídeo no dia seguinte.

A pessoa que trata depressão, ansiedade ou síndrome do pânico, se sente mal por não conseguir aguentar o que até ontem aguentava. Se sente fraco, emburrecido. O cérebro simplesmente não responde aos estímulos: o carinho da família, o abraço da pessoa amada, a vitória no trabalho, nada tem graça. Leva um tempo até você aceitar que a doença não é resultado de um erro seu.

Depressão é questão de química, não de emoção

É libertador entender que a doença da mente é resultado de um desequilíbrio químico no seu cérebro, não da sua incapacidade de domar suas emoções. Você vai passar por diversas medicações, até achar uma que encaixe com o que seu corpo precisa, e essa caminhada é muito, muito lenta. Tem que ter paciência com você, e isso é mais difícil do que ter paciência com os outros.

Para melhorar, além do combo psiquiatra + psicólogo, você precisa aprender a se proteger.
O mundo não vai ser mais legal com você porque a doença te fragilizou. Ninguém vai te tratar melhor.

As fofocas vão ressaltar essa sua derrota muito mais do que todas as suas vitórias. Poucas serão as pessoas que vão te perguntar “como posso ajudar?” e muitas serão as que vão c#gar meia dúzia de regras. Vai ser um festival de “Não fica assim” e de “Você precisa ser forte”.

Pode mandar todo mundo para aquele lugar, você tem esse direito. Tá descompensada mesmo, não é? Aproveite para situar gente sem noção.

Se precisar se afastar do trabalho, viva sua licença sem constrangimento. As pessoas acham que o deprimido precisa de atestado para se fechar num quarto escuro e chorar, quando na verdade ele vai tomar medicamentos fortes, que alteram suas funções motoras, e precisa focar sua energia em reencontrar a alegria de viver. A licença é para se recuperar, não para sofrer em casa.

Desligue o celular, cancele as notificações, saia dos grupos, se afaste das notícias e das redes sociais. Vá a festas, reúna amigos, fique rodeada de pessoas que te façam rir, que te façam esquecer. Aproveite a sonolência dos remédios e durma, durma muito, durma o quanto precisar.

Desabafe com aqueles amigos que te amam também nos dias ruins. Assista séries que não tenham dor, Friends, Gilmore Girls, The Office. Se sobrar energia, vá caminhar (nem que seja parecendo uma alma penada no meio da noite), vá fazer qualquer exercício, ajude seu cérebro com a química jogando os hormônios certos em cima do remédio – sério, isso ajuda muito.

Depressão não é falta de Deus. É falta de serotonina.

Dê o tempo que você precisa para se recuperar, porque essa batalha é absolutamente solitária, ela é só sua. É o seu futuro que está em jogo. Por mais que você explique, ninguém será capaz de entender a escuridão infinita que te habita.

Nos dias em que esse vazio for insuportável, não tenha vergonha de pedir ajuda. Na hora da crise, basta ter uma pessoa para segurar sua mão e te lembrar de que é só uma fase, seu cérebro vai reaprender a compor a química certa e tudo vai voltar aos eixos, com uma versão sua muito mais forte. Isso é real.

E você, que faz questão de compartilhar frases feitas no Setembro Amarelo, em posts carregados de hipocrisia, experimente uma outra prática. Seja gentil com as pessoas, você não sabe que batalhas estão enfrentando. Diga a verdade, sem dissimulação e sem julgamento.

Não desconte seu mau-humor nos outros, ninguém é obrigado a tomar patada de graça, e um grito seu pode ser um enorme gatilho para quem já enfrenta a dor da mente. E acima de tudo, o principal: Nunca, NUNCA diga que depressão é coisa de gente fraca.

Fraca é a criatura incapaz de sentir a dor alheia, de compreender, de estender a mão.

Não seja essa pessoa. Setembro amarelo é sobre empatia, compreensão e paciência, porque é assim que se previne a atitude extrema. Tratamento adequado, multidisciplinar, um ombro amigo e orientação salvam mais vidas do que posts de instagram.

Todo o tempo em que foquei em melhorar, eu me fortaleci. Jurei para mim que nem mesmo um desequilíbrio químico, algo fora do meu controle, seria capaz de me derrubar. Degrau por degrau, me arrastei pela escada do fundo do poço, me machuquei muito nesse caminho e cada cicatriz que carrego, me lembra que fui capaz de vencer a doença mais invisibilizada do mundo.

Uma frase que eu sempre digo, vai fazer muito sentido para você agora:

  • A única coisa boa de atravessar o inferno, é que você descobre onde fica a saída.
  • Nunca mais você se perde lá dentro.
  • Um dia de cada vez, um passo depois do outro, no seu tempo. Vencer a depressão exige egoísmo, exige pensar apenas na própria sobrevivência, e você tem a obrigação de fazer isso.
  • Acredite, sua versão do futuro vai aplaudir cada amostra de força que você for capaz agora.
  • Se precisar de ajuda, ligue 188.
  • Se não for o bastante, ligue para um amigo e diga o que está havendo.
  • Nos dias mais difíceis, lembre-se de quem você é.
  • Não esqueça que sua condição é física, não psicológica. Sua doença tem cura.
  • Seja forte, apenas por você. Sobreviva por você. Fique firme, que vai passar.

Vem, que eu te espero do outro lado da ponte.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (1)

  • Ana Clea

    Bom dia!
    Primeiro, gosto muito da matérias da Jack.

    Cada leitura que faço é uma aprendizagem, falar de empatia de forma direta é tão libertador pra quem lê. Obrigada ! E parabéns

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