Desculpe, estou ocupada.
Essa é uma frase que você precisa aprender a repetir
“Mas você não tem filhos, pode resolver tal coisa”.
Já começa daí. E poderia parar por aí também.
Essa mania da gente achar que a grama da vizinha é mais verde, condiciona mulheres a se invejarem mutuamente, uma desejando a rotina da outra porque lhe parece mais leve. Mas não é.
Repare na figura da filha que não tem filhos: vai caber a ela uma fatia diferente de responsabilidade sobre os pais, geralmente a maior. Se ela trabalha e não tem crianças, já acham que lhe sobra dinheiro e tempo. Como se essa mulher não tivesse também despesas, investimentos, sonhos a realizar.

A mulher solteira depois dos 40 anos tem que suportar uma tonelada de etarismo, inclusive aquele bem subjetivo, que vem das pessoas próximas. Em muitos casos não é nem por vontade, é o senso comum mesmo. Você quase não tem no imaginário a figura de uma mulher bem-sucedida a partir desse ponto da vida sem ter uma família, e se tiver, ela sempre te parece uma senhora abandonada e amarga, e não uma gostosa de minissaia sambando no Rio de Janeiro em uma viagem com as amigas.
A sociedade entende a mulher como uma pessoa cuja rotina vai girar em torno de escola, afazeres domésticos, levar e buscar criança, shopping, ir a locais com playground, vivendo atarantada pela correria com os filhos. Essa figura está no seu imaginário porque você conhece essa mulher, ela está ao seu redor.
Em grande parte dos lares brasileiros, essa rotina é dividida com o sustento da casa. Temos aí a mulher exausta, bancando seus filhos sozinha ou com uma pensão minúscula que não paga nem o dentista do menino. Essa batalha é invisibilizada, mas a exaustão dela não. Você também tem essa figura no imaginário e ela te desperta empatia, com toda a razão. Ela merece cada gota de solidariedade por essa caminhada na subida que vai durar, no mínimo, 18 anos.
E por fim temos a figura da mulher solteira que não quer filhos. Quer namorar, eventualmente casar, mas não quer ser mãe. Aquela que é taxada de egoísta por querer viajar o mundo, que guarda tudo o que sobra no banco e compra seu apartamento, que trocou de carro no último ano. Aquela que sai do trabalho e deita no sofá para maratonar sua série favorita e janta pipoca com cerveja porque não precisa se preocupar com a refeição de ninguém. As pessoas olham para ela e imaginam de pronto uma figura desocupada, meio preguiçosa, com todo o tempo livre. Nem preciso dizer que é um erro, né?

A questão é que não importa o que uma mulher faz com seu tempo, para ela ser bem-vista, esse tempo precisa estar empregado em favor de outra pessoa. Se o seu tempo é gasto cuidando de alguém, OK. Se é gasto cuidando de você, não pode.
O mais engraçado é que partindo dessa ideia, as pessoas querem te ocupar, geralmente com coisas que não são problema seu e que elas não têm tempo para resolver. É tipo repassar o presente de grego. Isso é diferente de contar com uma amiga, uma irmã, uma prima, para resolver alguma coisa. É uma obrigação perene sobre a mulher de operar a vida dos outros até que ela tenha sua própria ocupação plena, ou seja, um filho.
E por fim, o que acontece se essa mulher se posicionar sobre os seus limites e disser “Não posso, estou ocupada”? Receberá um grande carimbo de egoísta. Se a mãe, ou a mãe-solo disser “não posso, estou ocupada”, as pessoas vão compreender e buscar uma outra alternativa.
A gente ainda tem muito a se educar sobre o papel das mulheres nessa configuração em que a busca absoluta por uma família de comercial de margarina não é mais a meta principal da vida das meninas. Até mesmo você, que enxerga isso com a mesma clareza que eu, precisa se preparar para deixá-la em paz.