Jaqueline Naujorks

Dia dos Namorados para os Desajustados

Adultos de cabeça relativamente boa passam a lotar salas de espera de psicólogos tentando encontrar uma resposta: por que não sou amado o suficiente para comemorar também?

Pode me chamar de alecrim dourado, mas não consigo pensar no tal Dia dos Namorados como uma data romântica. Não vejo a necessidade de presentear a pessoa que se relaciona comigo especificamente nesta data e postar mais uma foto na já infinita timeline de declarações de amor – em alguns casos, só nesse dia. Tem namorada ali que ninguém nunca viu, mas no dia 12/6, ela aparece. Acho meio esquisito nadar nessa maré.

Jaqueline Naujorks – jornalista

Para não dizer que meu ranço é por ser uma data 100% comercial, criada por um publicitário, ou que não correspondo ao louvável esforço do comércio, dou minha contribuição: compro um presente bacanérrimo para mim. Aí eu acho lindo, não preciso de nenhuma data para me tratar como a grande princesa que sou. Mas isso tem um preço, e não é a grana que deixo no estabelecimento. É a autoconfiança que não me deixa sofrer presenteando apenas a mim mesma no Dia dos Namorados.

Trata-se de uma data dolorosa para os desajustados, aqueles que não estão nadando no fluxo dos relacionamentos do jeito que a Bíblia e a Disney nos ensinaram. Começa o mês de junho e os solteiros até tentam focar a atenção nos festejos juninos, mas somos bombardeados por corações e promoções para casais, séries melosas e romances clássicos na TV, você não consegue tomar um café com uma amiga em qualquer lugar sem ter um cupido de plástico voando sobre a sua cabeça. Um inferno. E para quem não está exatamente no clima, essa coisa de não pertencer ao assunto do momento vai dando uma sensação de exclusão.

O Dia dos Namorados é uma data capaz de colocar em plena crise existencial uma pessoa mentalmente saudável (embora existam poucas por aí). Adultos de cabeça relativamente boa passam a lotar salas de espera de psicólogos pelo país, em busca de uma resposta para a pergunta que ecoa no seu íntimo: por que não sou amado o suficiente para comemorar também?

O fato é que não nos ensinam o autoamor. A estrutura social em que vivemos nos empurra para um destino que nem sempre concordamos, que é o de amar e se devotar a uma outra pessoa. Na teoria é lindo, mas na prática o que mais acontece é a outra pessoa não fazer o mesmo, e você vai acabar seca e esturricada por dentro como aquela sua planta esquecida na varanda. Você pode culpar o outro? Não. Porque quem criou a expectativa nessa troca foi você. Cabuloso, não?

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Ser profundamente apaixonado por si mesmo não é egoísmo. Se você souber dosar e não virar um poço de narcisismo, esse autoamor vai te livrar de muita roubada na vida. Imagine comigo: você conheceu um cara que parecia perfeito, atencioso, mas no fundo ele só estava com a autoestima baixa, afogado em carência e querendo a primeira mulher que lhe desse espaço para se instalar. Na hora de dizer sim ao encontro e abrir a porta para essa presença na sua vida, você estará abrindo mão de um espaço que hoje é seu. Faz sentido se os dois se dividirem, mas e se for só você doando tempo e energia? Se ele precisa de alguém que lhe preencha os dias tediosos, qualquer mulher serve. Ele não está interessado em VOCÊ, na SUA pessoa, nas SUAS vivências, na SUA bagagem de vida. O amor que ele procura não é você, maravilhosa, plena e única, ele procura qualquer mulher que possa amá-lo acima de todas as coisas. Ele não quer dividir, ele quer que sua existência dê rumo à existência dele. Parece lindo, não? Sim, parece mas não é. Se você amar a si mesma acima de todas as coisas, jamais vai abrir essa porta.

O Dia dos Namorados nos lembra que não precisamos namorar qualquer pessoa apenas para ter um relacionamento. A sociedade diz para a mulher que ela só será validada se for a escolhida de alguém, a eleita de um homem, e isso pesa no inconsciente coletivo em datas como essa. Se você não tem um status de “comprometida” nesse período, sente um tipo muito peculiar de fracasso existencial, e se parar 2 minutos para pensar a respeito, ele desaparece.

Sabe o que eu fiz no dia 12 de junho?
Esfriou em Cuiabá, e aproveitei a academia vazia. Depois, bem abastecida de endorfina, deitei no sofá de casa com a playlist que tem todas as minhas músicas favoritas, usando um pijama chiquérrimo de manga comprida que Cuiabá nunca me permite usar. Me dei de presente uma máscara capilar importada de preço indecente, e meu cabelo escovado cheirava a baile de gala. Acendi um abajur de luz amarela, e no outro lado da minha pequena sala, 4 velas caríssimas com aroma de riqueza. Abri o vinho mais caro que tinha. Na hora em que todos os casais estavam jantando juntos, eu estava no meu sofá com 3 gatos ronronando em volta, comendo pizza com a mão e assistindo Friends. Depois, cansada da rotina da madrugada, dormi o sono dos justos na minha cama fofinha, com a TV ligada e um sorriso no rosto. Você realmente acha que essa noite espetacular pode ser digna de pena só porque não a dividi com outra pessoa?

Amar a própria companhia e se sentir suficiente é absolutamente libertador. Isso não quer dizer que você não esteja preparada para amar, apenas que não vai escolher ser um apêndice na vida de alguém em troca de status. Ser livre é tão lindo quanto ser a mãe de família tradicional, curtir as coisinhas que só você ama é tão gostoso quanto viajar com seu par, postar selfie exibindo seu botox é tão satisfatório quanto postar com seu namorado, mostrar o resultado do seu treino é tão bom quanto mostrar o sorriso lindo dos seus filhos.

Nenhuma pessoa deve se sentir diminuída por não conquistar isso ou aquilo que, segundo os outros, deveria ter. Ser solteira no Dia dos Namorados não me faz menos competente para encontrar um amor, me faz consciente de que o amor-próprio é o primeiro. Se encontrar alguém, será porque quero, porque somos compatíveis, e não porque preciso de outra pessoa para me sentir feliz. Colocar na mão de outro indivíduo a capacidade de te fazer feliz é terceirizar uma responsabilidade que é sua. Fique em paz com as suas decisões, e especialmente, com as suas solidões. A vida é muito curta para a gente se sentir inadequada no processo.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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