Em que mundo cabe a felicidade?
A ansiedade da rotina nos rouba a capacidade de ver só o lado bom do que nos acontece. A ironia é que o amor arruma espaço e preenche até os universos mais improváveis.
Na recepção do consultório, onze pessoas aguardam sua vez. Três casais esperam bebês. Um, muito jovem, me chama a atenção no canto da sala de espera.

Ela, com uma barriga de uns 6 meses, calça jeans, camiseta de banda e rabo de cavalo. Ele, bermuda, tênis e boné. Tão meninos, tão fora de contexto nesse ambiente que inspira seriedade. Abraçados, cada um tem uma mão sobre a barriga da moça.
Depois de uns 5 minutos observando de canto de olho esperando alguma reação, nada aconteceu. Eles continuam sentados, abraçados e com as mãos sobre a barriga dela sem dizer absolutamente nada.
Nesse consultório tem de tudo. Mulheres que esperam bebês, mulheres que estão tentando e mulheres que não podem mais. Algumas estão ali buscando a cura, outras buscando o nascimento de um sonho, outras deixando o sonho para trás com o coração aos pedaços. Mulheres que jamais conhecerão o milagre de dar a vida, jamais saberão que sensação é essa, quão enorme é o sentimento que preenche 5 minutos de silêncio entre um casal tão jovem com as mãos sobre uma barriga, alheios a tudo em volta.
Esses contrastes me intrigam muito. Dois pós-adolescentes, dependentes, mal sabem a porrada que é a vida depois dos 30 anos, estão vivendo a espera dessa criança sem se preocupar com o preço das fraldas, o medo desse mundo cão, a pressão diária de quem trabalha pra comer e alimentar outras pessoas. Eles não lembram que tem dias que a gente quer apenas sumir, se apagar do mundo, uma rápida anulação numa rotina em que a gente se parte tanto, se multiplica. É essa vida desenfreada que nos rouba o brilho aos poucos, exaustos demais para focar só no lado bom do que nos acontece.
Eles não pensam nos dias ruins. Quanta beleza existe em viver o hoje desfrutando da felicidade sem medo? A felicidade, real e simples, de celebrar o amor. Que coisa mais linda ver uma família nascer sem receio do amanhã, num tempo onde estamos mesmo só de passagem. Naquela cena cristalizada na memória, dois jovens estão apenas felizes. Não há mais nada ao redor. O mundo todo está ali, na barriga daquela moça.

Nós, adultos ocupados, botamos preço em tudo. Lutamos todos os dias empenhando nossa saúde física e mental, nossos sonhos, nosso tempo, achando que estamos pagando o preço por um futuro melhor.
A desesperança que nos permeia a rotina, ameaça a alegria de nossas conquistas, faz com que a gente passe os dias barganhando com a vida: para cada momento feliz que eu viver, que desgosto terei de engolir? Para cada bênção que receber, o que o destino, implacável, pode me tirar?
Que amor tão profundo é esse que cala todo o resto? Quão imenso é um sentimento que não deixa a realidade incomodar? Sinto uma inveja tão dolorida, uma inveja que sei que, no fundo, mora no coração de todo mundo.
Na simplicidade deles, a plenitude existe pelos motivos certos. Eles podem jamais pisar na Europa, podem não ter dinheiro pra levar esse bebê à praia, esse rapaz pode nunca receber um prêmio, ela pode não chegar ao doutorado, mas de que importa? O mundo inteiro deles está na barriga daquela moça.
A felicidade é um negócio tão simples, que às vezes a gente inveja pelo motivo errado. O que me faria feliz, hoje, sentada nessa recepção de consultório, não tem nem forma. Eles, muito além de onde estou aos 40 anos, têm aos 20 uma resposta pronta:
Felicidade é o que está na barriga daquela moça. Uma vida, uma enorme esperança. E só.