Entrevista com o demônio
Foi assim com O Mal que nos Habita, do argentino Damián Rugna. Quando chegou às telas grandes todo mundo já tinha dado um jeito de assistir na clandestinidade
O fã de terror sofre! Não com as cenas dos filmes. Isso faz parte do pacote da adoração a esse gênero. Sofre porque muita coisa boa demora para chegar aos nossos cinemas.

Foi assim com O Mal que nos Habita, do argentino Damián Rugna. Quando chegou às telas grandes todo mundo já tinha dado um jeito de assistir na clandestinidade.
O fenômeno negativo se repete agora com Entrevista com o Demônio (Late Night with the Devil), uma produção conjunta entre Austrália e Emirados Árabes, que estreou em março nos EUA.
A previsão por aqui era para setembro. Mas devido ao sucesso que já tomou as redes sociais com inúmeras cenas sendo espalhadas, a produtora resolveu adiantar. Mesmo assim, só para julho!!! Aí ninguém vai ao cinema porque já viu em meios nada republicanos e pronto!
Ah! o filme é um fracasso. Longe, bem longe disso.
Apesar da nacionalidade, Entrevista com o Demônio é filme típico norte-americano. A obra retrata a briga pela audiência na televisão dos anos 70.
Jack Delroy (David Dastmalchian, o Piter de Vries, de Duna) é um apresentador de sucesso de um programa de auditório. É um fenômeno. Até que a esposa adoece. E é vitimada pelo câncer.
O apresentador entra numa espiral descendente sem o apoio do grande amor.
Quando está prestes a se tornar um ex-ídolo da TV, resolve fazer um especial de halloween, em 1977, para bater a concorrência.
Os convidados da noite são peculiares: um médium, um especialista em desvendar farsantes (tipo um padre Quevedo), uma parapsicóloga e uma menina sobrevivente do massacre de um culto de adoradores do diabo.
Não é difícil imaginar que o sucesso inicial do programa vai se tornar uma tragédia. A forma como os irmãos diretores Cameron e Colin Carnes constroem a narrativa é que faz de Entrevista com o Demônio um filme diferenciado.
Tudo é feito de maneira a termos a nítida sensação de que estamos assistindo a um programa de televisão dos anos 70.
Incluindo os bastidores.
Quando Delroy chama os comerciais, as cenas ficam em preto e branco para deixar nítida a diferença entre o que assistimos – o programa, todo colorido, de visual exótico – e o que os espectadores não vêem nos intervalos dos programas de auditório.
A preocupação com os números de audiência, o medo dos integrantes com o rumo das atrações, a correria em se ajeitar o próximo bloco, o produtor que releva qualquer perigo em nome de liderar a noite entre os concorrentes e salvar seu emprego.
A linguagem garante um ótimo ritmo.
A atuação de David Dastmalchian é precisa, alternando momentos de euforia com o sucesso, de depressão pela morte da mulher e de medo de perder o controle. Lidar com o sucesso é como lidar com o ocultismo. Imprevisível.
A dúvida do que é real ou do que é truque paira durante todo o programa. Christou, o médium, tem um começo desastroso em sua apresentação. Ele não consegue estabelecer, com a plateia, a conexão que espera com os seres do além.

A situação piora com Carmichael Hunt, o caçador de picaretas, em seu encalço durante o programa.
Esse embate vai ganhar o ápice quando Hunt tenta desmascarar Lilly D´Abo, a menina que estaria possuída por um demônio.
O filme está com 97% de aprovação dos críticos no Rotten Tomatoes e 81% de aclamação do público.
Outro marcador importante, o IMDB, cravou 7,1 de nota para a obra. Eu estou mais próximo do IMDB que do Rotten.
Assistir a Entrevista com o Demônio é uma experiência sensacional por tudo que mencionei em relação à linguagem.
Mas o final do filme…
…. tem dividido muita gente.
Inclusive eu.
Achei a solução apresentada pelos roteiristas muito simples e muito fora da linha que vinha sendo apresentada. Se tentaram surpreender, a meu ver, deixaram escapar a chance de ter em mãos uma obra-prima do terror.
Uma pena.
Isso deixa de valer a indicação, mesmo que só possa ser vista no cinema em julho? Não, claro que não. É uma experiência diferente poder assistir a um programa de auditório comandando por cineastas.
Agora… como tudo se copia…
…Entrevista com o Demônio, com certeza, vai dar ideia para muitos apresentadores reais de TV.
E não será difícil, mesmo antes de julho, a gente assistir, na TV, a um dito cujo se dizendo o capiroto. Sentado numa poltrona confortável, tomando água numa canequinha e falando sobre o calor insuportável no inferno.
Deus nos livre!