Eu não quero ser uma mulher guerreira
Ser guerreira não é lindo, não é elogio, não é heroico. Para cada mulher chamada de guerreira existe uma pessoa dando graças a Deus que ela carregue o mundo nas costas
Desculpe se essa informação vai abalar o seu mundo, mas o termo “mulher guerreira” não é um elogio. Eu não sou guerreira e nem quero guerrear por coisa nenhuma. Quero que as coisas sejam justas o suficiente para que não tenha que me sacrificar em nome de uma luta que é confortável só para os outros.

Normalmente aquela mulher chamada de “guerreira” é uma criatura sobrecarregada e profundamente cansada, para quem a sobrevivência significa criar uma casca tão grossa capaz de lhe permitir enfrentar o máximo de problemas sem surtar. Como você pode exigir de uma pessoa que só tomou porrada da vida, que seja algo além de um amontoado de feridas mal curadas, que não cicatrizaram antes do próximo golpe?
Mulheres guerreiras vieram de lares em que faltou alguma coisa ou alguém: ou pai, ou mãe, ou recursos. E não podemos culpar nossos pais por não saberem o que fazer naquela época: se você tem entre 25 e 40 anos, vem de uma geração de pais que conheceram o divórcio legalizado, tiveram filhos sem casar, com múltiplas famílias. Eles não estavam preparados para nos preparar.
A menina que precisou cuidar dos irmãos, ou foi criada pelos avós, ou foi mãe cedo, precisou aprender a lidar com sentimentos terríveis como abandono e preconceito. A que precisou virar provedora antes dos 18 anos e nunca viveu sem a pressão de trabalhar para comer, não sabe o que é o alívio de alguém pagar a conta de luz antes que corte.
Toda mulher, em algum momento da vida sofreu algum tipo de abuso físico ou psicológico, e precisou vencer a dor para continuar vivendo. Encarar tudo isso te prepara, realmente, para as guerras da vida. O fato é que muitas delas você não precisaria lutar se não fosse mulher. É horrível, mas a gente sabe que é real.
Ser guerreira não é lindo, não é elogio, não é heroico. Para cada guerreira, existe uma pessoa dando graças a Deus que ela carregue o mundo nas costas. No entorno dessa figura existem vinte outras figuras acomodadas porque ela resolve tudo, ela sabe carregar o piano sozinha e todo mundo se escora no pensamento de que, de alguma forma, ela gosta de ser reconhecida por isso. Sinto muito, mas não há poesia na exaustão.
Ser arrimo de família é um saco.
Você não tem o direito de ficar exausta o bastante para jogar os pratos todos para cima e mandar geral se virar, porque a sua consciência pesa. A mulher guerreira foi forjada no fogo, na ideia de que sua missão na vida é essa, tocar a boiada sozinha porque não pode contar com ninguém. Você tem ideia do quanto isso é cansativo?
Se ela é esteio, aposto que trocaria tudo o que tem por um pouco de paz. Será que é tão difícil dar a ela o mínimo de conforto, pegar o leme um pouquinho, cuidar de tudo, deixar dormir até mais tarde, assumir a tarefa, aliviar o fardo, olhar a criança, se virar, segurar as pontas?
Não há uma mulher que prefira o carimbo de “guerreira” a uma vida com o mínimo de justiça. A batalha maior é sobreviver nesse mundo cão pelo máximo de tempo possível, e no intervalo curtir o passeio: descansar, fazer um bom skincare, comer o que quiser sem medo de engordar e sofrer com a pressão estética, ter seu cabelo natural sem que alguém diga que está feio, conviver em paz com suas rugas, suas manchas, suas cicatrizes.
É ter o direito de andar na rua à noite, de beber e ficar com quem quiser sem ser julgada, de amar sem ser ridicularizada. É passar pela vida com alguém que caminhe ao seu lado e não queira viajar sentado no seu lombo. É poder envelhecer em paz sem precisar lutar, além de tudo, contra o tempo.
Troquemos o “mulher guerreira” pelo “mulher forte”. A força é o que nos move mundo afora defendendo nosso espaço, corpo e família. Ser mulher é um fortalecer-se todos os dias para vencer, inclusive, o próprio medo de ser gigante.
A gente veio a esse mundo para ser plena.
A vida é curta demais para ser guerreira.
Comentários (3)
Realmente é isso mesmo uma pena que deram um nome bonito pra exploração pra manipular o emocional das mulheres e fazer elas sentirem terem obrigação de se autodestruirem em crescimento dos outros !
Jaqueline, nunca li tanta verdade de uma maneira tão simples e clara. Realmente pesa muito ser guerreira…não quero mais este título…quero ser forte e frágil quando eu quiser.
Excelente texto.
Obrigada pelas palavras.
Grande abraço.
Rosângela Leite.
A vida cobra. Quer você goste ou não.
Viver, não é fácil. Para a mulher é mais difícil ainda, e de longe, o fato de sermos guerreira, não é o nosso maior problema.
Guerreira, é como se fosse a soma de diversas qualidades dentre elas, a força.
“-a vida é curta demais pra ser guerreira “
Nem todo mundo, pode parar e deixar o mundo girar e girar por dias a fio…
Quem pode, aproveite! Quem não pode, que continue com sua luta! Faça acontecer. Dias melhores virão…