Jaqueline Naujorks

Lei do Stalking: 4 anos combatendo perseguidores

Como a perseguição que sofri ajudou a criar uma lei federal

Há 4 anos, em plena pandemia, chorei de soluçar numa tarde chuvosa assistindo a uma live do Senado. Naquele momento meu nome era mencionado na sessão. As palavras eram da senadora Leila Barros (DF), dizendo que minha coragem em contar o drama absurdo que a Verlinda sofreu, sem que a sociedade soubesse que também sofri, foi a inspiração para a lei que estava sendo sancionada naquele momento.

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Lei do Stalking (Imagem criada por IA)

Ainda me emociono só de lembrar. Foram 2 anos de horror, completamente desamparada, gritando de delegacia em delegacia para que meu perseguidor fosse parado, impedido, afastado, sem que a justiça movesse uma palha sequer. Eu estava sozinha. Os posts ofensivos continuam no ar. Naquela época a lei não permitia qualquer providência.

Essa é a história da tortura psicológica mais gratuita e estúpida que você possa imaginar. Um homem desconhecido, rejeitado, obcecado com a moça da TV, abriu uma cruzada insana contra mim nas redes sociais e todo mundo achava engraçado. Os homens debochavam, incentivavam. Guardo cada um dos nomes até hoje. Foi fazendo seguidos boletins de ocorrência que descobri que a justiça brasileira era incapaz de me proteger de um psicopata que queria me matar e ameaçou fazer isso por anos a fio no facebook, sem jamais ser silenciado.

Eram mais de 20 posts por dia, todos sobre mim: me xingando, mentindo, incitando o ódio dos seus seguidores, fazia vários fakes, desesperado por atenção ainda que fosse pelo ódio. Logo percebi que aquele não era um hater comum, estava lidando com um maluco sem qualquer brio social. Foi na delegacia que descobri que se algo me acontecesse, a justiça procuraria pelo meu namorado e não pelo homem que me ameaçava publicamente nas redes, porque a lei era essa.

Na audiência que ele obviamente não foi, ouvi de uma juíza a frase que mudaria a vida de inúmeras mulheres no Brasil: “Para a justiça, isso é menos que uma briga de vizinho”.  Eu não o conhecia, não tinha vínculo, então aquele absurdo seria enquadrado como uma mera contravenção penal. Lembro até hoje que saí do Fórum aos prantos e decidi que eu o venceria na base do grito.

Foram mais de 1.500 posts com ameaças, até o dia em que um jornalista muito talentoso com o qual eu trabalhava chamado Flávio Dias, encontrou a história da Verlinda. Uma radialista que postou no facebook a perseguição que vinha sofrendo por parte de um “apaixonado”. Uma mulher usando a opinião pública para se proteger do que a justiça não a protegia.

Juntamos o caso dela com o de outra vítima e fizemos uma grande reportagem para o G1 de Mato Grosso do Sul, onde eu trabalhava. Procuramos delegacia da mulher, advogado criminal, uma promotora especialista em Stalking e com essa matéria conseguimos para a Verlinda uma medida protetiva, mesmo sem vínculo. Uma pequena vitória, mas não era o suficiente.

Essa história chamou a atenção do Fantástico, que fez uma reportagem com a Verlinda e outras vítimas pelo país, mobilizando quem precisava: o poder público. Na semana seguinte a equipe da senadora Leila me encontrou através da reportagem do G1, contei meu caso e pude explicar onde estava a brecha na lei. O texto da Lei do Stalking foi montado de modo a cobrir essa lacuna. Desde o dia em que o projeto foi apresentado, acompanhei ansiosa cada passo até a tarde em que assisti, aos prantos, a lei ser sancionada.

A Lei do Stalking é o maior legado da minha vida. Consegui transformar a indignação em algo útil, uma reportagem, um registro indelével na história que acabou se tornando um mecanismo de proteção para outras mulheres. Nunca fui protegida do meu stalker, mas se você sofrer perseguição agora, consegue medida protetiva. Se a pessoa quebrar essa restrição, é presa em flagrante. Essa é minha maior vitória.

O psicopata que me perseguiu por anos tinha antecedentes criminais, inclusive boletins de ocorrência por violência doméstica. Nunca falha, não é? Nunca falha. Esse stalker não sei por onde anda e nem quero saber. Ele se multiplicou. Hoje, tenho mais de 3 mil pessoas bloqueadas no tiktok pelo mesmo comportamento, recebo ameaças toda semana. Cada link de perfil que respondo vai para a mão de uma delegada amiga.

Uma mulher ameaçada não tem tempo para esperar a burocracia da justiça até ser protegida. Se você sofre perseguição reiterada nas redes sociais ou fisicamente, reúna as provas, faça boletim de ocorrência por stalking e peça medida protetiva, sua paz precisa ser garantida pela lei.  Se o delegado ou delegada não quiser fazer, procure por outra delegacia ou pela corregedoria. Se a pessoa entrar em contato, ligue no 190.

Se nesse ponto a lei falhar, conte com a opinião pública, é para isso que estamos aqui. O ambiente virtual é um caminho sem volta, é nossa obrigação garantir que ele não seja palco para um crime que passa batido diante de uma legislação analógica demais para a velocidade dos tempos.

@jnaujorks

♬ som original – Jaqueline Naujorks

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