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Lu fugiu da violência e recomeçou do zero fazendo minimundos em MS

Luciene superou anos de agressões físicas e psicológicas através do artesanato

Como tantas outras vítimas da violência doméstica, a artesã Luciene Lima da Silva teve a vida destruída por um marido violento. Perdeu o trabalho, um lar e a própria filha enquanto estava presa a um casamento tóxico.

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Luciene durante a confecção de uma das peças dela. (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando enfim conseguiu se livrar dos anos de agressão física e psicológica, Luciene encontrou em Campo Grande a possibilidade de recomeçar. Através do artesanato, ressignifica um passado marcado pelos traumas do relacionamento abusivo que viveu.

Pesadelo

Foi em Sinop, norte de Mato Grosso, que Luciene tentou construir uma vida ao lado do antigo marido, mas a expectativa de um relacionamento tranquilo, com o tempo se transformou em um pesadelo.

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Uma das réplicas feitas por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

Luciene passou a ser agredida pelo então companheiro. A violência não cessou nem após engravidar, até que no sétimo mês de gestação o pior aconteceu. Sofreu um aborto, tragédia que atribui à violência que sofria.

“Perdi a minha bebê devido aos maus-tratos que eu sofria, era muito estresse. A bebê morreu dentro da minha barriga, eu estava no sétimo mês de gestação, tive que tirá-la”.

Luciene Lima da Silva, artesã.
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Réplica feita por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

Mas Luciene demorou a ter consciência da gravidade das violências que sofria. Continuou casada e dois anos e meio após o aborto engravidou novamente do agressor. Foi então que a relação voltou a ficar insustentável.

“Ele me batia, me prendia dentro de casa e ainda queria que eu tirasse o meu neném, sendo que eu já tinha perdido a menina”.

Luciene Lima da Silva, artesã.

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Diorama feito por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

O recomeço

Cansada de sofrer, Luciene tomou uma atitude radical, mas necessária. Se viu obrigada a abandonar o trabalho como professora de educação física e se mudar para Campo Grande, em 2008, grávida e acompanhada apenas da filha, que à época tinha 9 anos, deixando para trás anos de violência. Na capital, conseguiu abrigo na casa de uma amiga.

“Eu perdi meu concurso público, minha casa, perdi tudo e vim para cá morar de favor. Aqui eu vendi pão caseiro, bombom, pão de mel na rua com um bebê de três meses na barriga. Eu tive que fugir porque naquela época não tinha a lei Maria da Penha, não tinha no que me apegar”.

Luciene Lima da Silva, artesã.
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Diorama feito por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

Diante de anos de abuso, desenvolveu síndrome do pânico, depressão e ansiedade. Mas com a mudança para Campo Grande, a vida foi voltando para os trilhos. Se casou novamente e começou a trabalhar como motorista de aplicativo, antes da pandemia.

Inicialmente, andar pelas ruas da capital, conhecer os mais variados tipos de pessoas, ajudou a artesã a lidar com os problemas psicológicos que enfrentava. Mas com o passar do tempo, viu a ansiedade aumentar por conta do estresse que passava no trânsito.

“A minha terapeuta me orientou a buscar uma atividade que me ajudasse a lidar com essa ansiedade. Foi então que descobri os dioramas, aprendi tudo pela internet”.

Luciene Lima da Silva, artesã.
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Descoberta de um talento

A técnica consiste na representação de cenários em miniatura. Utilizando massa acrílica, cola, tinta, palitos de picolé e até caixinha de creme de leite, Luciene constrói “minimundos” em que reproduz casas, fachadas e demais cenários que encantam pelo realismo.

Começou a produzir os “minimundos da Lu”, há cerca de um ano e meio. As primeiras peças foram feitas por Luciene em vasos de plantas que a artesã vendia em feiras livres da capital.

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Minimundo feito por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

Até então, as obras feitas por Luciene eram criadas por ela mesma, instintivamente. Mas recentemente começou a receber pedidos de reprodução de cenários reais, quem tem algum significado para os clientes.

Desde casas onde eles moravam quando crianças até miniatura do lar de algum familiar já falecido. Os pedidos tornam o trabalho da artesã ainda mais simbólico.

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“Porque aí o sentimento das outras pessoas também está envolvido. As pessoas pedem, por exemplo, a miniatura da casa onde a mãe morou e daí faleceu. Elas querem replicar uma casa em que elas passaram boa parte da infância. Eu olho as fotos e faço a casinha antiga em miniatura. Tento focar nos mínimos detalhes, quando o cliente vê que reproduzi até o que passaria despercebido, ele fica encantado”.

Luciene Lima da Silva, artesã.
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Vale ressaltar que o que Luciene confecciona não são maquetes.

“A maquete é um projeto de algo que vai nascer, de algo que estão projetando. Os dioramas são réplicas das casas ou de algum cenário vivo, real, que já existe e é transformado em miniatura”.

Luciene Lima da Silva, artesã.

Hoje em dia, a arte é o refúgio de Luciene. A artesã ressignificou o próprio sofrimento, idealizando os cenários de uma vida perfeita enquanto reconstruía a própria vida do zero.

“Foi muito difícil superar tudo o que vivi, mas eu consegui através do artesanato”

Luciene Lima da Silva, artesã.
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Diorama feito por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

Luciene espera que sua história sirva de exemplo para outras mulheres que também estão tentando reunir forças para romper um ciclo de violência.

“Eu quero que a minha história possa ajudar outras mulheres que também passam por uma situação de violência, que estão sem um norte. Eu vim de Sinop para cá sem nenhuma perspectiva, não sabia nem o que eu ia fazer da minha vida e com filho na barriga. Perdi meu concurso e hoje eu já tenho minha casa de volta, meu carro, tenho meu filho, tenho uma vida estabilizada, mas tudo porque eu ergui a cabeça, lutei, batalhei muito”.

Luciene Lima da Silva, artesã.
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Diorama feito por Luciene. (Foto: Arquivo Pessoal)

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