Jaqueline Naujorks

Maternidade compulsória: não sou obrigada a ser mãe

Não preciso que você me convença a ter um bebê, apenas respeite minha decisão.

“Eu não quero ser mãe”.

Basta dizer isso em qualquer ambiente para ver as pessoas torcendo os narizes como se você as tivesse ofendido. Mulheres vão te olhar como se você fosse uma traidora. Homens vão te olhar com desprezo, te culpando por mudar o curso da natureza. Precisamos falar sobre essa obrigação que pesa sobre nós, de colocarmos um ser humano no mundo para justificarmos nossa passagem por ele.

Jaqueline Naujorks fala sobre Maternidade Compulsória

Maternidade Compulsória é esse conjunto de fatores sociais e comportamentais que empurram a mulher adulta para a posição de mãe, como único destino válido. Eu, Jaqueline, já quis muito ser mãe, era meu maior sonho. Depois de anos na terapia percebi que na verdade eu não queria ser mãe, queria passar a limpo a história da minha própria família disfuncional. Queria a sensação de ser a pessoa mais importante na vida de alguém. Aluguei um triplex na sua cabeça, né?

A obrigação de ser mãe vem amarrada numa outra pauta importante, o etarismo. Hoje sou vista como uma figura feminina inútil, já que passei dos 40 anos e não gerei ninguém, nem adotei uma criança. As pessoas me chamam de egoísta quando respondo que não quero ter filhos porque tenho outros sonhos, como se eu fosse pessoalmente responsável pela extinção da raça humana. Antes de pensar na beleza do barrigão e no cheirinho de nenê que ativa nosso instinto mais profundo, te convido a refletir comigo, racionalmente, sobre os motivos que levam uma mulher a não querer ser mãe.

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1) Ter um filho para realizar o sonho de outra pessoa

Tenho certeza que você já se relacionou com um homem que tenha dito “meu sonho é ser pai”, e sei também que lá no fundo, a ideia de que você é capaz de dar ao ser amado o presente mais sublime do mundo, é tentadora. Só que nós sabemos que a realidade não é tão bonita. O próprio IBGE te dá essa informação: são 11 milhões de mulheres criando filhos sozinhas no Brasil. Como garantir que o homem que você ama será um bom pai, e não vai obrigar seu filho a pagar terapia para curar os traumas causados por ele?

Posso te contar inúmeras histórias de homens que desgostaram da paternidade como quem desgosta de um PlayStation que comprou pela internet, e diante da impossibilidade de devolver o produto, abandona, joga num canto e esquece. Depois que passa o frisson das fotos na maternidade e do tapinha nas costas dos amigos, a realidade da responsabilidade, das fraldas, do cuidado, das despesas, choro, médico, birra, atenção, tudo isso parece um mau negócio para o pai e ele se sente no direito de ir embora. Você, não.

2) Ter condições financeiras de dar uma vida digna para outra pessoa

O instinto e os hormônios não vão fazer todo o trabalho, você vai precisar de dinheiro. A inflação diminuiu muito nosso poder de compra, a gente trabalha um horror para ter o mínimo. Para ter um filho no Brasil hoje você precisa ter condições: uma boa reserva, um plano de saúde e um fluxo de caixa que permita respirar diante de despesas extras. Nessa conta tem roupa, calçado, alimentação, médico, remédio. Se precisar voltar a trabalhar logo, tem creche, mais médico e mais remédio até sua criança pegar todas as infecções oportunistas. Tudo isso somado ao que você já gasta para sobreviver.

Quando essa criança for adolescente as despesas vão mudar, mas não diminuir. Temos material, aparelho nos dentes, lazer, terapia, roupas, tênis, esportes, inglês. Depois tem cursinho, Enem, transporte, livros, cursos, estágio. Nisso tudo, tem o suporte emocional, que você vai ter que dar para sempre. Você vai seguir sendo responsável por esse ser humano mesmo depois dos 18 anos, porque foi você quem o colocou no mundo, é sua obrigação orientar e amparar essa pessoa. É isso que os pais fazem e esse compromisso não tem fim.

3) Ter filhos para reescrever a própria história

Mulheres da nossa geração são as filhas dos primeiros pais que se sentiram no direito de ir ali viver a vida sem olhar para trás. Conhecemos o abandono, muitas vezes o abuso, a falta de amor, somos sobreviventes de lares disfuncionais. Lá no fundo, o desejo de ser mãe pode ser uma tentativa de passar a limpo a própria história e criar uma criança como você gostaria de ter sido criada. É um sentimento válido, que realmente funciona e ressignifica a existência de muitas mulheres quando se tornam mães, porém, não é uma receita de bolo. Para quem carrega essas dores, a maternidade pode ser um peso, agravando a sensação de solidão e infelicidade.

Não condeno as mulheres que romantizam a maternidade, pelo contrário, eu também já pensei assim, nós somos socializadas para isso. Há um ponto da vida em que o relógio biológico grita, e você só consegue pensar em atender aos apelos do seu útero e colocar uma criança lá dentro. A maternidade é sublime, linda, transformadora, mas também é uma jornada pesada, cansativa e cheia de culpa.

Antes de atender ao que deseja seu marido, sua família ou a sociedade, pense em você como mãe. Pense, se imagine, pense bastante, pense além do instinto, pense em rede de apoio, pense em futuro. Se dentro de você essa luz brilhar, receba seu bebezinho e viva a plenitude dessa caminhada, multiplique o amor do jeito que só uma mãe sabe fazer. Tenha certeza de que esse sonho é seu, e você vai vive-lo porque é o SEU desejo, não dos outros.

Eu, quero hoje oferecer meu apoio a você que tem a sensação de que ainda não realizou seus outros sonhos. Você que não teve a oportunidade de viajar, fazer intercâmbio, morar numa casa legal, dirigir um carro bacana ou fazer um mestrado. Você que nunca teve dinheiro para conhecer a Europa. Você que é a tia mais amada do mundo, adorada pelos sobrinhos e filhos das amigas. Você que quer namorar, namorar muito, mas não se vê sendo a responsável por uma família. Quero apoiar você, que também criou seus irmãos e tem a sensação de que foi mãe a vida inteira. Tá tudo bem. Tá tudo bem não gerar. Não tem nada de errado com você, não é egoísmo escolher viver a vida em função da sua própria felicidade.

Entre as tantas coisas que faço questão de me rebelar e não engolir como um comprimido macio, a maternidade é uma das mais fortes. Como eu poderia colocar no mundo uma outra mulher para sofrer as mesmas coisas que sofri? Me sinto mais plena ajudando minhas sobrinhas a alcançarem o que nunca alcancei, para que o destino delas seja mais confortável que o meu.

Se você ao ler esse texto se preocupa com a raça humana, te aconselho procurar um psiquiatra para tratar essa ansiedade. Se usarmos só o raciocínio lógico, ter menos gente sobre a Terra é um favor que faremos às gerações futuras, vai sobrar água e comida para eles. Relaxa. Por horas, vamos normalizar que toda mulher pode escolher o que fazer com sua vida, sem que alguém ache que é seu direito palpitar sobre a jornada dela sendo mãe – ou não. Se ela for, não vai sobrar um palpiteiro para ajudar a criar. De nada.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (4)

  • Hélio López

    BOM DIA.
    NOTA MIIIIIIIL POR TER A CORAGEM DE ABORDAR SOBRE ESSE TEMA, NUMA SOCIEDADE ONDE PRA SER ACEITO TEM QUE SER CASADA (O).
    UMA SOCIEDADE HIPÓCRITA PRECONCEITUOSA.
    UM TEMA DESSE DEVE SER LEVADO PRAS ESCOLAS,PARA AS EMPRESAS ETC.
    ESSE TEMA É EXTRAORDINÁRIO.

  • Janete

    Quero ser você quando crescer!! ??Você é a voz de tantas como eu!!Te sigo viu?!?

  • Maria

    Extraordinário! Um enorme percentual de mães agarraram o primeiro trocha só para dizer que tem um filho…

  • Lene Ramos

    Tenho uma vizinha que diz que se soubesse que a maternidade era assim ,ela não teria filho. Ela não dorme a 9 meses, o bebê dorme 18:00h e acorda 22:00 h , depois não dorme mas ,acorda de hora em hora, ela não tem rede de apoio, é só ela e o marido que trabalha dia todo, ela largou sua carreira pra dedicar ao filho.

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