Jaqueline Naujorks

Mulher de 40 na faculdade? Não pode!

Não posso crer que meninas tenham tão pouca noção da realidade a ponto de diminuir uma mulher que simplesmente chegou à 4ª década com tanta gana de recomeçar.

Não, não pode. Não pode ser. Não pode ser que a gente tenha que noticiar três jovens debochando de uma colega de faculdade de 40 anos. Não é possível que eu, uma mulher que acredita na sororidade, uma feminista de 40 anos, precise escrever um texto sobre isso. Não posso crer que meninas de 18 anos tenham tão pouca noção da realidade a ponto de diminuir uma mulher que simplesmente chegou à quarta década com tanta gana de recomeçar.

Sou influencer numa plataforma para jovens: no Tik Tok, sou seguida por uma infinidade de meninas a quem falo, inclusive, sobre etarismo. Tenho inúmeros vídeos mostrando a necessidade de uma segurar a mão da outra para irmos mais longe. Fiquei simplesmente chocada assistindo ao vídeo que escancarou o desprezo por essa mulher que, se elas tiverem sorte, vão chegar no mesmíssimo lugar um dia e com a mesma sensação: passa num piscar de olhos.

EMPATIA

Faço 40 anos daqui a pouco e não me conformo com esse rótulo de descarte. Nunca me senti tão bonita, tão plena, tão confortável nas minhas escolhas. Consegui metade das coisas que queria na vida e estou lutando para conquistar a outra metade, e vou contar exclusivamente para os leitores desta coluna por que essa história me pegou tanto:

Meu plano para 2023 é realizar um sonho antigo e reavivado, ironicamente, pelo sucesso dos vídeos no tiktok. Me planejei para voltar à faculdade e estudar psicologia. Agora me pergunto: se fosse eu o alvo desse vídeo? Se fosse eu, solteira, sem filhos, salto alto e batom vermelho, a mulher discriminada por estar na universidade? Será que eu escaparia de ser alvo desse deboche por não me parecer com uma mãe de família “que deveria estar aposentada”?

Patrícia, a mulher maravilhosa que está começando biomedicina aos 40 anos, trabalhou muito a vida toda. Só agora, com estrutura suficiente, ela pôde ir para a universidade – particular, inclusive. Uma realidade comum a tantas mulheres que só têm acesso ao que outras conseguem mais cedo, depois de muita luta. Algumas param os estudos pela maternidade, outras pela necessidade de trabalhar, outras são mães-solo e precisam parar pelos dois motivos. Recomeçar é um sonho acalentado por muitas brasileiras, batalhadoras por falta de opção.

Há 20 anos, quando eu era uma garota magrela do interior estudando jornalismo, tinha uma colega de 40 anos. Nós achávamos tão incrível ela estar ali, que fazíamos o possível para facilitar a caminhada dela enfrentando coisas que não enfrentávamos, como ser, por exemplo, mantenedora da casa com uma mãe doente. Como o feminismo pode ter ajudado na consciência coletiva das mulheres, se hoje, ao invés de aplaudirmos uma mana realizando seu sonho, penhoramos a autoestima dela por meia dúzia de likes?

Cheguei a me perguntar se falhamos tanto ao passar a mensagem do feminismo que não conseguimos ensinar sobre empatia – mas logo entendi que não. Assim como todo bom exemplo ensinado e perpetuado, há quem simplesmente não queira seguir, não queira enxergar, não queira ser uma pessoa legal.

Essa resposta chega para mim todos os dias. Viver as redes sociais com 800 mil seguidores é uma experiência antropológica das mais ricas. Leio incontáveis comentários de almas sebosas que preferem o ranço da ignorância. É o homem estoico, irredutível na sua ideia de mulher virtuosa. É a mulher criada em um lar machista que repudia a rebeldia e odeia tudo que não tenha a aprovação masculina. São pessoas agarradas a seus preconceitos como náufragos numa tábua. Eles não vão soltar, porque acham que sua sobrevivência depende disso.


A exposição da atitude dessas meninas tem uma função maior que a simples justiça que nos enche a boca d’água. Ela move a opinião dos jovens, que nessa geração, gostam de agir. Alguns alunos da faculdade receberam Patrícia com flores, abraços e carinho. Ela ganhou apoio de colegas, vizinhas de turma e desconhecidas, como eu, que daqui aplaudo sua caminhada.

Empatia é um negócio diferente de caráter, porque é um valor subjetivo, você aprende pelo exemplo. É a mãe que empresta seu pouco dinheiro para a amiga pagar a luz, é a vizinha que divide o pouco de arroz que tem, é o impulso que te faz consolar desconhecidas no banheiro da balada. Empatia é você incentivar uma mulher que só precisa de apoio para realizar seus sonhos, é a atitude diante do bullying, é erguer a voz para construir, fortalecer, renascer.

Empatia se aprende, nem que seja com a dor do cancelamento.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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