“Mulher de 40”? Sim, obrigada.
Não vou entrar aqui na pauta redpill nem ressaltar a necessidade de um tratamento psicológico para almas sebosas.
Na minha infância simples de menina criada por mãe solo, perdi a conta de quantas vezes ouvi no toca-discos um LP do Roberto Carlos. Minha mãe tinha todos e guardava-os como joias, no plástico, era coisa que criança não podia mexer – e ela cantava essas canções todas pela casa sorrindo, com um ar sonhador. Como boa filha da geração 80, cresci ouvindo um homem cantar o romantismo e exaltar a mulher do seu jeito, como era bonito se fazer naquela época. Sempre que eu ouvia “Mulher de 40” pensava na minha mãe, lindíssima e sozinha, que merecia ser valorizada daquela maneira por alguém que não cantasse sua beleza só na vitrola.

Hoje, a mulher de 40 sou eu.
E não sou a mãe de uma adolescente cheia de opiniões, nem a feliz esposa completando bodas, muito menos a senhora respeitada na sociedade que frequenta alguma comunidade com o marido e assina cartões como Fulana e Família, o que aos 20 anos eu achava que seria meu destino. Estou neste exato momento preparando o short e o cropped que devo usar no carnaval e comprando uma tiara pela internet a fim de completar o look do bloquinho.
E por que as pessoas se incomodam tanto com isso?
Para uma mulher que não viu esse tempo passar, como aceitar o carimbo que a sociedade quer nos colocar de que passamos do tempo? Muito longe da delicadeza de Roberto Carlos, virou moda nas redes sociais que vozes masculinas desqualifiquem a mulher mais velha.
Eu mesma passo por isso, quando um homem se dói com meus vídeos, ele me chama de “tia”, como se fosse uma ofensa. Não vou entrar aqui na pauta redpill nem ressaltar a necessidade de um tratamento psicológico para almas sebosas, porém, assisti o recorte de um podcast no tiktok e fiquei bastante impressionada com os “tópicos” listados pelo rapaz.
A ideia dele era basicamente provar que mulheres de 40 não são desejáveis e devem frequentar bingos e esperar a aposentadoria. Me dei o trabalho de listar os desargumentos do jovem mancebo para refletirmos juntas. Pega sua minissaia e seu botox e vem junto:
“A mulher de 40 não é jovem”.
Claro que não, ainda bem! O volume de besteira que a gente faz porque tem pouca idade e consequentemente pouco estofo emocional, é muito grande. Mulheres jovens são presas mais fáceis para qualquer manipulador porque ainda não têm repertório, nem força suficiente para se posicionar ou para dizer não – e é nessa fase que vivemos a maior parte dos traumas que nos colocam na terapia e estragam nossos relacionamentos futuros. Graças a Deus não somos mais jovens e podemos escolher companhias, não aceitá-las.
“A mulher de 40 não tem um corpo jovem”
E isso é um problema? Se você não acha desejável o corpo de uma mulher de 40 anos, talvez simplesmente não deseje o corpo de uma mulher. Esse ideal de corpo feminino cristalizado no adolescente que comprava Playboy escondido em 1990, precisa amadurecer também. Amadurecer, que é diferente de envelhecer.
“Mulher de 40 já é muito vivida”
Nem vou comentar isso aqui. A idealização da moça virginal como meta de relacionamento fala MUITO sobre os problemas psicológicos que você carrega.
“A mulher solteira de 40 está acabada”
Meu amigo, ela acaba de começar! Uma mulher aos 40 anos já tem o próprio dinheiro, já fez sua carreira, já realizou metade dos sonhos que tinha, hoje ela tem tempo, paciência e espaço para todas as coisas que renunciou enquanto pensava em si. A terapia está em dia, o divórcio já foi resolvido, ela viaja, malha, toma bebida cara, banca os próprios luxos. O problema de um homem que diz isso é que, se tirarem dele o poder do dinheiro e a aura de segurança que pode oferecer, não sobra nada para barganhar por afeto. As mulheres independentes não te acham atraente pelo seu carro, sua casa, suas roupas de marca ou os lugares chiques que você frequenta. Ela já conquistou isso tudo para si.
“Uma mulher de 40 está caída”
Bem, sinto informar meu caro, mas se você tiver a sorte de envelhecer, seu corpo também vai cair. E se me permite a franqueza, a parte dele que vai cair é bem importante para uma menina de 25 anos. Reflita.
Envelhecer é proibido para a mulher, já diz nossa diva Madonna. Nunca na vida refleti tanto sobre etarismo, porque a cada pessoa que convido para minha festa de 40 anos, a gentileza do comentário “Mas nem parece!” me soa como um alarme. Será que de um ano para o outro estou sendo jogada dentro de um museu? E as mulheres que têm 50, 60, 70 anos? Estão no mundo apenas para esperar a morte?

Não admito que um costume tão estúpido me tire o prazer de envelhecer consciente da mulher maravilhosa que me tornei. Me sinto mais bonita do que nunca, meu check-up está espetacular, tenho tempo pra malhar, bebo menos, como melhor, meu cabelo brilha porque posso comprar produtos caríssimos e gasto numa roupa o que gastava numa mensalidade da faculdade. Hoje sou o mulherão que desejava ser aos 25 anos e sinceramente, não vou aceitar que um garotão problemático faça eu me sentir inadequada.
Você, que é mulher e leu esse texto até aqui, não permita que os outros te digam como deve se sentir. Empoderamento é sobre o que você permite, e especialmente, sobre o que NÃO permite. Sua beleza é única. Ser mulher nos exige mais sabedoria do que impulso, até para o que contestamos. Ser consciente do próprio poder é uma armadura que nos protege do que o mundo quer dizer sobre nós.
Com todo respeito ao rei, não quero ser a mulher de 40 retratada por Roberto Carlos.
Quero ser a mulher de 40 retratada pela Jaque.
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