Não sou obrigada a me sentir inadequada porque envelheci
Para quem olha de fora através do vidro embaçado das redes sociais, é tudo muito reluzente no mundo das mulheres corajosas. Aquela que venceu sozinha, sem apoio emocional nem de pai nem de marido, a esposa abandonada, a mulher trocada por outra com metade da sua idade, a mãe solo daquela criança que para o […]
Para quem olha de fora através do vidro embaçado das redes sociais, é tudo muito reluzente no mundo das mulheres corajosas.
Aquela que venceu sozinha, sem apoio emocional nem de pai nem de marido, a esposa abandonada, a mulher trocada por outra com metade da sua idade, a mãe solo daquela criança que para o pai significa só um gasto com pensão, a trabalhadora exausta que equilibra 50 tigelas de porcelana em cima de um dedo e é chamada de “guerreira”.
Parece que para elas o mundo girou e acomodou todas as dores em prateleiras lá no alto, bem longe da vista. Mulheres vividas têm 2 coisas em comum: A primeira é o cansaço. A segunda é o etarismo.
Para chegar a algum lugar nessa vida, uma mulher precisa de tempo.
A caminhada é a mesma que a de qualquer homem, exceto por essa enorme mochila cheia de pesos morais e emocionais que a sociedade nos atira sobre as costas. Se não casar no meio do caminho, é fracassada. Se não for mãe, é egoísta. Se não cuidar da casa nas horas vagas, é preguiçosa. Se for incapaz de se manter magra, malhada, jovem e bonita, é negligente. Aqui eu colocaria um palavrão, mas imagino que você, amiga leitora, já o tenha feito mentalmente.
Profissionalmente, é tudo mais difícil para a mulher. Todas aqui sabemos que galgar posições de liderança e ganhar um salário igual ao de um homem para a mesma função é, por si, um desafio digno de gastrite. Subir essa montanha leva muito tempo, e é por isso que você raramente vê uma mulher bem-sucedida e 100% independente aos vinte e poucos anos.
Essa é a equação do etarismo: Quando eu consigo ser alguém na vida, sou considerada velha demais para todo o resto.
Se você passou dos 30 anos, será chamada de “tia” nas redes sociais – e caso você tenha um olhar inocente sobre isso, sinto informar que o tom é pejorativo mesmo. Você está sendo considerada velha para argumentar, e isso deveria te tirar do jogo.
Se você passou dos 40 anos, será vista como uma peça vintage para o relacionamento. Não importa quão fabulosa seja você, se sua idade for assunto no churrasco, seu par receberá pelo menos uma dose de zoeira por pegar uma coroa. Na cabeça dessas pessoas, você está à beira do abismo da menopausa, onde sua vida sexual vai para as profundezas junto com o colágeno que mantinha seu corpo firme e desejável.
Se passou dos 50, você nem é considerada nessa conversa. Se está na casa dos 60, sua única função é ser avó e se aposentar para passar o dia fazendo crochê enquanto espera a morte.
Constatar tudo isso nos embrulha o estômago, eu sei. Não é o tempo que é cruel com as mulheres, porque envelhecer não é uma afronta da vida, é apenas natural. A sociedade é que é cruel com as mulheres. Em pleno 2022 achamos um absurdo a ideia de descartar mulheres quando envelhecem, mas reproduzimos esse costume, mesmo que de forma inconsciente, como se ainda estivéssemos em 1920.
Quer ver?
Você é um homem de 40 anos. Sua nova namorada tem 28 anos.
Seus amigos te encontram no bar e te dão um soquinho no queixo, te chamando de campeão. Você está pegando uma novinha e isso faz de você um cara acima da média entre todos os homens vivos.
Você é uma mulher de 40 anos. Pedro, seu namorado, tem 28 anos.
A fofoca da vez será sobre você estar bancando financeiramente o garoto. Uma ou outra amiga mais vanguardista vai achar o máximo. E todo mundo vai comentar com o escárnio escorrendo entre os dentes. Enquanto isso, tá lá o Pedrinho todo apaixonado postando fotos de vocês e declarações de amor em redes sociais que você nem sabia que existiam.
A história de que “mulher é igual vinho, fica melhor com o tempo” soa ridícula na voz de quem sequer concorda com isso. A mulher madura é simplesmente fascinante. O mesmo tempo que lhe rouba o viço do rosto, dá em troca alguns presentes de valor inestimável:
Independência, poder de escolha e principalmente, sabedoria. E a sabedoria não fica bem de biquíni.
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