Jaqueline Naujorks

O Dia do Chega

O dia seguinte ao Chega é sempre fabuloso, porque nasce ali uma noção gigante de controle, de que não precisamos terceirizar tudo

O saco cheio é um marco na sua trajetória emocional. Toda mulher conhece o Dia do Chega: ele é o primeiro limite imposto ao nosso próprio sofrimento.

Meu momento favorito na desgovernada sucessão de altos e baixos que é a vida da gente é o Dia do Chega. Você conhece esse dia. É o dia em que depois de muito sofrer, arrastar corrente, cara inchada de choro e uma tonelada de autopiedade, você acorda com o coração transbordando de ranço e diz: AGORA CHEGA. Provavelmente seguido de um palavrão.

Design sem nome 2023 07 11T212500.855

O Dia do Chega pode ser sobre tudo: um amor que já se foi e você se esforça para manter vivo, um emprego tóxico que te rouba a saúde, um luto interminável pelo casamento que acabou, um sofrimento qualquer que guardamos num porta-joias, apegados que somos à confortável poltrona do coitadismo.

Para uma mulher, o Dia do Chega tem um peso maior: é um marco no aprendizado emocional de todas nós, é o primeiro limite imposto ao nosso próprio sofrimento, é o dia em que a gente entende que tem o poder de chutar o balde quando a última gota d’água cai.

O dia seguinte ao Chega é sempre fabuloso, porque nasce ali uma noção gigante de controle, de que não precisamos terceirizar tudo: “meu sofrimento vai acabar quando Deus quiser”. Ok, mas você sabe que pode começar dando um basta aí dentro para ajudar nesse trabalho, né?

Eu sempre digo que, para deixar uma fase no passado, é preciso forçar o sentimento do saco cheio. Olhe em volta e permita-se ficar cheia de ódio pelo marasmo, pelo tempo perdido. Se não souber por onde começar, comece se arrumando. Bote a roupa domingueira para ir ao trabalho, suba no salto e tire da gaveta o batom caro, use aquele perfume importado que você guarda para usar nos casamentos.

“Ah, mas eu não me arrumo para os outros”.
E quem falou em se arrumar para os outros?
Estamos falando de você se arrumar PARA SI. Especificamente, para a sua nova versão.

No Dia do Chega, quando a gente sai de casa com essa postura, o vento em volta sopra com cuidado. O mundo entende que ali está uma mulher ciente de que é uma força da natureza, que carrega o poder da criação. As pessoas vão te olhar diferente e não saberão a razão. Você estará com a coluna reta e o queixo erguido, e deve se manter assim o máximo que puder. Quando chegar em casa, vai se sentir exausta, mas é normal: você acaba de vencer uma batalha.

No dia seguinte, recomece a luta: coloque uma roupa ainda mais bonita, um salto que vai te desafiar a coluna, assista um tutorial de maquiagem para aprender a usar tudo que você tem aí na sua caixa. No próximo dia, marque o salão para mudar o cabelo. No outro, compre um salto que você aguente usar confortavelmente. Baixe um aplicativo para estudar idiomas, e no dia seguinte, baixe um Tinder, consciente de que você não está ali para arrumar marido, mas para arrumar encrenca. E arrume! Se dê o direito de flertar, de sentir-se desejada, e de detestar todas essas investidas se quiser. Entenda, você tomou o poder. Faça o que precisa ser feito com ele.

Aprenda a usar batom vermelho, convide suas amigas para outro bar, se reúnam para curtir um flashback no sábado. Curta um dia feliz com seus filhos, poste fotos bonitas, parcele os produtos caros pro cabelo, divirta-se com o que tem. Goste da mulher que você é, encontre motivo para isso todos os dias, porque a receita não vem pronta. O Dia do Chega te dá a força para encontrar essa mulher, os dias seguintes vão te ensinar a mantê-la por perto.

Assumir o saco cheio e mandar tudo para a casa do chapéu é absolutamente libertador. Toda vez que uma armadilha da vida prender seu pé, você saberá que pode soltar-se apenas berrando um “CHEGA”. Abra a sua boca para dizer o que está aí dentro: aqui eu não fico mais, não quero mais você, suma da minha vida, enfie esse dinheiro na sua poupança, vá procurar um tratamento, vá para o diabo que te carregue, não sou obrigada!
(Essa, vocês sabem, é a minha favorita).

O Dia do Chega é um trunfo contra tudo que nos forja.
É o grilhão arrebentado, é a algema aberta com chave, é a corda que você roeu.
Deixe a raiva vir, deixe a sombra subir, deixe esse ódio encher seu estômago. Permita que essa reação tão visceral, te conecte com o ser humano que você é longe dos holofotes. Bem distante da obrigação social de sermos polidas, educadas e comedidas, sabemos exatamente a fórmula para transmutar ódio em energia. Use ela a seu favor, e seja bem-vinda.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Leia também em Comportamento!

  1. Por que ruas do Santa Amália têm nomes de aves? BQQ revela origem curiosa

    A reportagem especial mostra que a mudança começou ainda em 2001, quando...

  2. O tom de voz também comunica

    A sua maneira de se comunicar não depende somente do que você fala, mas...

  3. Lúcia Maggi, aos 93 anos, tem fortuna equivalente a cerca de R$ 5 bilhões. (Foto: Divulgação) Ela aparece na lista da Forbes de mais ricos do brasil

    Lista da Forbes 2025 tem só uma mato-grossense e ela tem R$ 5 bilhões

    A edição 2025 da tradicional lista de bilionários divulgada pela revista Forbes...

  4. Lei do Stalking: 4 anos combatendo perseguidores

    Como a perseguição que sofri ajudou a criar uma lei federal...

  5. Número de casas com internet ultrapassa o de TVs em MT, segundo IBGE

    Em Cuiabá, o número de pessoas com acesso a internet é maior...