O feminicídio começa no comercial de margarina
Calma, não estou sendo extremista. Já te explico!
É em frente à TV, quando passa aquele tradicional comercial de margarina, que a menina sentada no sofá interpreta que este é o caminho da felicidade. A peça estampada por uma família feliz composta por mãe, pai e filhos – de preferência um menino e uma menina – parece ser a trama de uma vida perfeita.

Roteiro este que reforça o tom da brincadeira feita desde tão cedo, quiçá antes mesmo do nascimento, quando chegam as bonecas, futuras filhinhas da mamãe que toda menina automaticamente ensaia ser desde que se entende por gente.
Ali nasce o feminicídio.
Mas, calma, não estou sendo extremista. Já te explico!
O peso de ter que corresponder à expectativa da sociedade em seguir milimetricamente a reza da “mulher para casar” nos empurra aos relacionamentos, sejam eles bons ou ruins. O avançar da idade parece ser a tábua que nos leva a cair no mar numa fração de segundos. Tempo implacável que só.
Vai ficar para titia? Não! Então, qualquer sapo disfarçado de príncipe encantado serve. Pelo menos para desencalhar, pelo menos para procriar e chegar ao título de mãe, pelo menos para ficar mal acompanhada, antes do que só.
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Nos enfiam o roteiro da mocinha goela abaixo. Enquanto os caras são estimulados a serem astronautas, pilotos, cientistas, a nós, cabe aprender a cozinhar, passar, criar, cuidar.
“Hum já pode casar”.
Que mulher nunca ouviu essa frase na vida ao fazer bem algo considerado do lar?
Brincadeira engraçadinha – sem graça alguma – só para as novinhas. Cobrança às adultas. Relógio biológico só existe para mulher e nessa toada começa a busca pelo parceiro, seja ele quem for.
A pressão é tamanha que passamos a idealizar o cara romântico, parceiro, cavalheiro que vai ser o pai dos nossos filhos. Ilusão pronta, basta encontrar alguém que lhe dê rosto.
Os feminicidas, cientes de que basta sustentar a imagem de bom moço de início, lançam a rede. E muitas de nós caímos e, feito peixes, quanto mais nos mexemos, mais sufocadas ficamos.
Vanessa Ricarte, jornalista que completaria 43 anos no domingo passado (16), foi uma delas. Quase cinco meses antes de sua morte, começou relacionamento com o músico Caio Nascimento, que até dezembro passado a tratava “como uma princesa”, conforme a própria narrou a mãe. Conto de fadas que ruiu dias antes de seu assassinato.
O cara carregava denso histórico de violência contra mulheres que incluía até sua mãe e irmã. Inúmeras ocorrências, um divórcio litigioso, seis medidas protetivas e, pasmem, tudo debaixo do tapete. No mais absoluto sigilo. Como escapar? À vítima, dizia que a ex era louca e usava o suicídio da mãe para se fazer fragilizado à Vanessa. Um tadinho em busca de redenção.
Ah e isso a sociedade dita a letra, não é mesmo? Mais uma vez, que mulher nunca ouviu que caberia a ela “endireitar” o homem? Quantos romances da dramaturgia têm esse enredo? O badboy que encontra a mocinha, se apaixona e muda da água para o vinho em nome do amor? Neste caso, a arte imita a vida!
Caio incorporou bem o papel.
A lábia envolvente foi tão grande que até os trâmites para o casamento foram iniciados. Como Vanessa se deixou chegar a esse ponto?
Eu te digo: ela foi empurrada!
Muito provavelmente acreditou que ali faria lar. Casaria. Teria filhos. Talvez nem por vontade própria, mas pelo inconsciente que nos conduz a rezar a cartilha social do nascer, namorar, casar, ter filhos.
Tanto que a caminho de casa, quando saiu da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), minutos antes de ser morta pelas mãos do ex-noivo, em um dos áudios que contava a saga dos últimos dias a uma amiga, comentou “não foi dessa vez que vou me casar”.
Junto da relação em ruínas, da grana que ele pegou dela para comprar drogas, da violência psicológica, ia junto a idealização de enfim entrar nos moldes sociais. E Vanessa carregou, mesmo de forma póstuma, a culpa por seu fim.
Ignorando todo contexto que até aqui descrevi, muitos se questionaram – como o fazem em todo feminicídio – por que a vítima deixou chegar a esse ponto? Por que não saiu fora? Por que se envolveu com um cara desses?
Porque somos criadas para isso. Ensinadas. Uma mulher de 43 anos precisa estar casada, precisa ser mãe, precisa.
Assim nos dizem durante toda a vida.
Assim nos induzem desde a infância.
Assim, como se ser esta figura feminina edificante e disponível, pudesse tornar realidade aquele comercial de margarina.
Comentários (14)
Não dá pra generalizar, grande parte das mulheres já não vive mais esse sonho romântico . Por sorte muitas já decretaram sua independência e vivem suas vidas sem esse peso. Quanto ao feminicidio, isso é uma covardia sem tamanho. E prova que alguns homens não evoluiram, continuam mimados querendo que o mundo gire a sua volta.
Excelente texto para reflexão!
A resposta é nos apegar com Deus porque Ele nos dá o livre arbítrio, algo que nesse mundo não temos já que tentam nos influenciar com tudo, propagandas de joguinhos, redes sociais, novelas, tudo para jogar nossa vida na lama e nada que edifique.
Deus acima de tudo nos dá maturidade para não aceitar esse tipo de coisa e nos faz refletir afim de que façamos o que realmente é necessário para a nossa vida
Eu sou sobrevivente de violência doméstica tentativa triplamente qualificada, e digo que a violência contra a mulher infelizmente é introgetado na cultura, vem das criações, das reações nos chás revelação ao descobrir ser menina… ao crescer e ser orientada a saber serviços doméstico a Mulher, ao ser adolescente e não usar roupas q possam insinuar, ao ser adolescente e encontrar alguém que seja direito, ao ser agredida e procurar ajuda em família, mtas vezes igreja e ser orientada a ser submissa a orar fazer campanhas …
Até q vire índice como eu fui, felizmente sobrevivi, mas a justiça q nem sempre pune, quando pune os direitos humanos defendem os “tadinhos” dos agressores.
Tem uns 10 anos que passei a 1a vez na frente da casa da mulher tinha o sonho de conhecer e quem sabe trabalhar lá por ter sido vítima um dia, só quem já passou sabe o que é ter que se reinventar para continuar a vida.
Desejo que a família seja consolada por Deus e o Espírito Santo! E que os Direitos Humanos olhem pelas vítimas e suas famílias e não apenas o apenado!