O pai ausente é um fantasma do próprio futuro
Se você é um pai que se importa, pode soltar essas quatro pedras aí que esse texto não é sobre você. Agora, se é um paizão de ocasião, fique até o final.
Todo final de semana já espero ver minha timeline lotada de homens que de segunda à sexta postam foto na academia, no trabalho, bebendo com os amigos, e no sábado viram a chave e publicam 642 fotos com a criança no McDonalds e a legenda #minhavida. Sinto informar meu amigo, mas essa criança não é tua vida.
Ela é a vida da mulher que amanhece na UPA numa quarta-feira esperando atendimento, leva a criança medicada para ficar com outra mulher e vai para o trabalho morta de sono. Fim do dia ela volta para casa onde passará outra noite em claro, cuidando. Ela é a vida da mulher que teve que te colocar na justiça para que você se obrigasse a pagar a pensão.
Se você é um pai que se importa, presente de verdade, guarda compartilhada e tudo mais, pode soltar essas quatro pedras aí que esse texto não é sobre você. Agora, se é um pai de fim de semana e nesse ponto do texto já está me odiando, fique até o final que prometo deixar um espaço especial só para você me xingar.
Acho interessante a figura do paizão de Instagram. Basta entrar a terceira dose de uísque que um álbum brota do nada no feed com um textão falando sobre amor incondicional. Em cada oportunidade que tem fala mal da ex, acusa de alienação parental, chama de mercenária por cobrar o dinheiro do leite em pó, mas se ela te liga na quarta-feira para você cuidar do menino doente, diz que tem compromisso, tem aula, vai fazer hora extra.

Chega sexta-feira e você marca um date com a garota do tinder. Se arruma todo, camisa nova, perfume importado, carro abastecido, separa uma grana para pagar a conta porque você é um cavalheiro. Às 19h recebe uma ligação da mãe da sua filha. Ela te lembra que você ficou de pegar a menina porque hoje é o aniversário da melhor amiga dela num barzinho. Numa escala de 0 a 10, qual a chance de dizer a ela que não pode? E para o caso de ter um pingo de noção e buscar a criança, qual é a chance de largar na casa da sua mãe?
A gente sabe que existem exceções, mas aqui estamos falando da regra. No Brasil, hoje temos em média 11 milhões de mães abandonadas, mulheres que criam os filhos sozinhas. É a mãe-solo que cuida da criança 5 dias por semana e, em boa parte dos casos, cuida o tempo todo porque o pai desapareceu, ou não quer contato, ou formou outra família e simplesmente não tem afeto pelo filho da relação anterior. É tão triste quanto comum, infelizmente.
O abandono afetivo por parte do genitor é a esmagadora maioria em um universo de filhos que cresceram sem uma das figuras parentais. É um problema endêmico e por incrível que pareça, outra herança do patriarcado. Um homem abandonar o filho não é nenhuma raridade, a sociedade não considera um absurdo, nada que mereça o cavalo de batalha feito quando é a mãe que vai embora e deixa a criança para o pai cuidar.
Se você é um paizão de ocasião e acha que a pensão é mais do que suficiente em termos de sacrifício, permita-me mencionar o que ninguém te conta sobre essa relação “Pelo Menos” que você estabeleceu com seu filho: um dia ele será um adulto e vai entender tudo, absolutamente tudo, com a própria cabeça.
Quando ele mesmo souber o que é amor e responsabilidade afetiva, não vai ter tarde no shopping nem sorvete caro que convença essa pessoa de que você realmente se importa.
Quando ele for um adulto, você será um velho.
Estará doente, cansado e inevitavelmente, a maturidade vai te obrigar a refletir.
Tudo o que você valoriza hoje e te faz trocar o tempo com seu filho vai desaparecer: amigos, mulherada, balada, bebedeira. Você vai se arrepender profundamente por não ter conhecido direito o ser humano que botou no mundo, que ao invés da intimidade confortável de família, vai te tratar com a distância polida com que tratamos meros conhecidos.
Se for pai de menina é ainda mais grave: sua ausência vai ensinar a ela que o amor de uma figura masculina precisa ser distante, que ela não é boa o suficiente para ser amada 100% do tempo. Além de ter sido um pai falho, será também o responsável pelo fracasso dos relacionamentos dela. Sua filha vai passar a vida esperando ser abandonada como forma de validação de afeto, e nem todo o dinheiro da pensão que você pagou obrigado, vai bancar a terapia que essa mulher precisará para se livrar da sombra da sua negligência.
Você acha que estou exagerando? Bem, separei alguns comentários do vídeo que você viu lá em cima:

Quando a velhice chegar e seu filho não desejar passar o domingo ao seu lado, você vai entender que dinheiro não é tempo. Vai se arrepender de cada domingo que desejou não passar com seu filho. Remorso é quase sempre uma dor sem remédio.
Você vai sentir o cheiro eterno de um pedido de perdão jamais formulado. Haverá uma lacuna aí dentro que, acredite, nem uma nova família, nem outros filhos, nem um prêmio da mega-sena vai preencher. Vai começar a pensar na morte e algo lá no fundo não vai deixar sua conta fechar.
A única maneira de evitar esse desastre emocional é se responsabilizar afetivamente pela criança que você trouxe a esse mundo cão, ainda que sem querer, e fazer com que ela se sinta importante.
Ensine aos seus filhos que eles têm valor, dando valor a eles. Mostre à sua filha que ela é incrível, admire sua inteligência, valorize as vitórias dela, prepare-a para competir quando chegar a hora. Ensine ao seu filho o necessário respeito ao feminino, respeitando a mãe dele. Dê o exemplo sobre honra, compromisso, palavra e honestidade praticando tudo isso com ele.
Esteja por perto, disponível para uma conversa ou uma chamada de vídeo, seja presente, esteja aqui para a sua criança. Você não peca em absolutamente nada por ser um bom pai e não simplesmente um genitor. Inclusive, “genitor” é uma palavra horrorosa, por que um homem desejaria ser (des)qualificado a esse ponto?
Esse seria o espaço destinado a me xingar, mas se você leu até aqui, já entendeu que estou tentando evitar que exista a seu redor uma rede de sofrimento simplesmente porque hoje você é um cabeça-de-vento.
Seja o pai que estará no feed de um adolescente com a legenda “meu exemplo”. Seja o cara que vai mostrar a uma menina que ela jamais deve aceitar ser maltratada. Seja você o fator multiplicador de afeto em um mundo tão carente de afetos, e eu te garanto, daqui a 15 anos você terá algo a me dizer – que de antemão, já deixo aqui minha resposta:
De nada.