Jaqueline Naujorks

Os amores efêmeros dos meus amigos

Entre amores que nascem e morrem ao nosso redor, o papel de consolar é mais que uma missão: é o que reascende no outro a esperança de uma existência feliz

Uns mais longos, outros mais curtos, eles sempre acabam. Dá pena. Tão sólidos que pareciam no começo, gente apaixonada tem uma cegueira toda preenchida pelo poder que só o amor confere. São invencíveis em seus sentimentos fortes, promessas de amor eterno, fotos bonitas, sorrisos largos exibidos orgulhosamente na rede social, na mesa do escritório, nos álbuns de casamento. É tanta esperança que influencia nosso próprio entendimento de amores frustrados – eles parecem mentira.

Design sem nome 64 3

Do outro lado da ponte, quem já atravessou tem vontade de gritar conselhos amargos para que não se movam, não saiam do ponto onde estão com suas felicidades sólidas. Onde? Lá de onde os perdidos jamais gostariam de ter saído. Quem pisoteou o castelo de sonhos dos divorciados foi a realidade.

Os amores efêmeros dos meus amigos são enredos de histórias que jamais viverei, mas acompanho como se fossem minhas. Aplaudo os começos, faço votos nas fotos de 1 ano juntos, comemoro noivados, vou aos casamentos, choro nos votos e abençoo cada união com o desejo real de que alcancem uma felicidade maior do que já conheci.

Quando esses amores acabam, parece que eu mesma perdi alguém. Não sei quantas vezes consolei uma pessoa sob os escombros do próprio castelo de sonhos. Quem já passou por esse lugar tem a obrigação de ajudar o outro a sobreviver.

Mas precisamos falar do sentimento real:

Quando o amor dos seus amigos acaba, você não sabe como agir, de que lado ficar, como ser político o suficiente para não sofrer junto com nenhuma das partes – e ninguém quer sofrer, as pessoas ficam naturalmente perto de quem oferece leveza aparente. Dor de cotovelo pega pelo Instagram e saia daqui com esse seu espírito desmoronado, sai de perto do meu casamento frágil, não é? É. Sabemos que é.

Meu relacionamento pode estar vazio e solitário, posso ouvir o eco da minha voz ao chamar “Amor?”, mas se você comprar minha ilusão como eu compro, ela efetivamente existirá.

Se você acha mais interessante seu celular do que sua esposa, você não tem um relacionamento. Você tem uma almofada velha. Uma pantufa fedida. Um pijama rasgado e confortável.

Se você quer estar em qualquer lugar do mundo menos em casa com seu marido, você não tem um relacionamento. Você tem um colchão mofado. Um chinelo que faz calo. Um sofá puído cuja madeira te machuca as costas.

Amor é conforto mesmo, você diria. É, sim. Mesmo que de tão gasto, esteja com os dias contados. Até os bens mais duráveis têm vida útil.

Amores que morrem são como jardins lindos que secam em agosto. Morreu por pura falta de chuva. A mágoa mútua deixa o terreno árido. Os amigos, a família, os que perdem e não podem fazer nada, inertes observando as carcaças murchas de pessoas feridas mudarem o endereço de visitas, motivar mensagens furtivas de “Continuo gostando de você”, dores que esperamos ver passar para voltar tudo ao normal e a dança dos amores efêmeros recomeçar.

maos dadas

Novos amores, outros casamentos para ir, e a gente olha e fica lembrando de quando os protagonistas eram outros. Que sensação de impotência esquisita, misturada com algum conforto de ver uma nova felicidade sólida acontecendo.

Que esforço para frear o impulso de dizer “cuide bem disso”. Egoísta que sou, não quero ter que te consolar de novo.

Que medo do meu balão furar. Da fragilidade da minha presença no coração do outro. Que aflição pensar que estou preso em um deserto árido, amando demais o conforto da minha pantufa velha, o colchão mofado mas que tem o buraco do meu peso onde caibo perfeitamente. Que medo de que sintam de mim a pena que sinto dos amores desfeitos, das fotos de noiva excluídas do Facebook, das declarações que me emocionaram um dia e são apagadas, do namoro inspirador que do dia pra noite vira um tabu horroroso.

Quando os amores nascem e morrem, influenciam no dia das pessoas como a lua nas marés. É invisível. A esperança e a desesperança batem na costela de quem está suscetível. Julgamentos nascem feito pragas no coração de pessoas em quem você confia. Bofetadas de realidade te fazem pensar em quanta sorte você tem por viver um dia normal.

Os amores efêmeros dos meus amigos são chutes do estômago. Não são o texto rebuscado, a ópera complexa, são exemplos reais da finitude das coisinhas que amamos. A viuvez que assusta. A traição sofrida. O olho gordo dos infelizes silenciosos. O medo de ser a próxima vítima.

Desejo que você saiba dizer para o outro que há vida lá fora, mesmo que ninguém queira ouvir. Os amores frustrados vão nos tirando camadas de vida, a gente vai ficando calejado, endurecido, gato escaldado. Ninguém mais quer cair na ilusão do amor efêmero. Ninguém quer gastar dinheiro com terapia, quer gastar é com iFood na noite de domingo com alguém em frente à TV. Todo mundo quer uma pantufa velha onde o pé cheio de defeitos caiba sem reservas. Alguém pra te olhar com a roupa rasgada e ver a beleza que transcende a imagem. Quando se tem um desses e ele se perde, a trilha da felicidade é apagada no chão e a pessoa se desencontra. Mesmo os amores longos são, essencialmente, efêmeros.

Desejo que você termine namoros de 12 anos, sofra por 45 dias, dê uma chance para outra pessoa se aproximar e se case numa linda cerimônia privada em 3 meses.
Desejo que você dê novas chances para outros amores virarem pauta acima dos seus traumas.
Desejo que você nunca cumpra a promessa do “Agora chega”.
Desejo que você suma da minha vida se achar que eu devia ter feito outras escolhas que já não têm conserto.
Desejo que você entenda que um amor é composto por dois seres com instinto de sobrevivência. É um tentando não ser o que vai sofrer mais.
Desejo que você respeite a rapidez com que o amor se instala e se acaba e que saiba respeitar os escombros.
Espero que renove suas forças em histórias repetidas, que distribuam esperanças curtas e alguma dose inevitável de resiliência.
Te agradeço pelos seus amores efêmeros e pelas lições que as suas dores me trouxeram. Se não enxergarmos beleza em qualquer verde que brote em um coração devastado, não conseguimos realmente entender o que todos estamos fazendo aqui.
Os amores efêmeros dos meus amigos são a prova de que existe vida do outro lado das ilusões que criamos para nos aconchegar.
A realidade pode, e precisa, ser mais bonita que as ilusões que criamos para continuar vivendo.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Leia também em Comportamento!

  1. Por que ruas do Santa Amália têm nomes de aves? BQQ revela origem curiosa

    A reportagem especial mostra que a mudança começou ainda em 2001, quando...

  2. O tom de voz também comunica

    A sua maneira de se comunicar não depende somente do que você fala, mas...

  3. Lúcia Maggi, aos 93 anos, tem fortuna equivalente a cerca de R$ 5 bilhões. (Foto: Divulgação) Ela aparece na lista da Forbes de mais ricos do brasil

    Lista da Forbes 2025 tem só uma mato-grossense e ela tem R$ 5 bilhões

    A edição 2025 da tradicional lista de bilionários divulgada pela revista Forbes...

  4. Lei do Stalking: 4 anos combatendo perseguidores

    Como a perseguição que sofri ajudou a criar uma lei federal...

  5. Número de casas com internet ultrapassa o de TVs em MT, segundo IBGE

    Em Cuiabá, o número de pessoas com acesso a internet é maior...