Privação de sono: a tortura mais eficaz contra mães exaustas

A privação de descanso é de adoecer, meus caros leitores. E a de sono é de enlouquecer, no sentido mais genuíno da palavra.

Uma mulher foi presa no começo deste mês após seu bebê de 9 meses ser levado com sinais de intoxicação ao hospital, pelo uso indevido do medicamento Rivotril. Ela, que está em tratamento psiquiátrico, deu ao filho para que o pequeno dormisse.

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(Foto: Agência Brasil/Arquivo/Marcello Casa Jr)

Bizarro, né? Doses homeopáticas desse tarja preta derrubariam um touro. Sabe o que é mais bizarro ainda? Mães serem tão privadas de uma coisa trivial à vida humana e isso passar batido ou ser classificado normal pela sociedade.

Meus amigos, cês têm noção de quantos touros derrubamos para manter nossos filhos durante os primeiros anos de vida deles? Escrevo este texto às 2h35 da madrugada, depois de o meu filho de 3 anos e meio acordar pela segunda vez.

Hoje, claro, é mais fácil fazê-lo dormir novamente em situação cotidiana, ou seja, fora de períodos de terror noturno ou alguma doencinha típica da idade, as famosas “escolites”. Ele ainda acorda praticamente todas as noites.

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Colocando na ponta do lápis, são 42 meses sem dormir bem de verdade uma noite sequer. Fora o acordar cedo demais, tipo 5h da matina como se o pequeno furacão fosse um corredor afoito para disputar uma São Silvestre por dia.

A privação de descanso é de adoecer, meus caros leitores. E a de sono é de enlouquecer, no sentido mais genuíno da palavra. Só uma mulher nesta situação apelaria para um Rivotril.

O X da questão é aquele assunto tão conhecido nosso: rede de apoio. Não tô aqui normalizando o fato de medicar bebês ou justificando um ato tão preocupante, tô apenas tentando ilustrar o caminho que leva uma mãe a este extremo.

Porque neste caso eu tenho total conhecimento de causa. Como vocês podem ver na foto desta colunista que vos fala, tenho duas crianças pequenas. A diferença entre eles é de 1 ano e três meses e ambos, digamos assim, não são lá muito fãs de dormir.

Logo, faço parte do time das mães que beiraram a loucura, literalmente. No primeiro ano da minha primogênita, os despertares chegaram a 12. Sim, uma noite picada em 12 vezes, tipo compra nas Casas Bahia. Só que esse carnê era infindável.

Eu me sentia doente. Como se estivesse com algum tipo de virose permanentemente. Dor no corpo, na cabeça, pensamentos confusos e uma tristeza imensa por não conseguir dormir duas horas seguidas sequer. Não à toa a privação de sono era usada antigamente como forma de tortura.

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Mães são privadas de algo trivial: o descanso (Foto: Reprodução)

Jamais passei por algo tão cruel quanto ela. De longe, foi para mim a parte mais dolorosa da maternidade. Parecia um zumbi e aí a fragilidade do puerpério pesou uma tonelada. Caí na cilada dos cursos de sono $$$, apliquei absurdos na rotina de casa, como apagar todas as luzes às 18h e manter total silêncio. Não recebia ninguém, não saía de casa.

Seguia uma cartilha do sono à risca, só que nunca dava certo e a resposta era: você está fazendo algo errado. Eu era uma escrava da tentativa. Todo santo dia era uma aposta de algo que me falavam que daria certo para Maria Cecília dormir minimamente. E, óbvio, eu apelei aos medicamentos. Fitoterápico, aquele para enjoo que deixa o adulto sonolento e até melatonina.

Tudo escondido e com uma dose cavalar de culpa. Parecia uma criminosa. Me sentia a pior mãe do mundo, irresponsável, mas o cansaço já tirava meu senso de segurança. Eu estava desesperada. Nada deu certo.

O único remédio que funcionou foi o tempo.

E, nesta fase, muita gente diz “vai passar”. De fato passa. Mas até isso acontecer, a gente cai em armadilhas plantadas pelo total desespero, fruto da falta de descanso. O que quero dizer com todo esse relato? Que, antes de jogar uma mãe na vala do julgamento, tente analisar por este lado.

Nada justifica algo tão pesado quanto dar Rivotril a um bebê. Mas este é só mais um sintoma da maternidade solitária e sem o menor apoio que assola 90% das mães mundo afora.

E o remédio para isso é a mudança estrutural que, enquanto não vem, vai seguir vitimando mães e filhos.

Bônus

Ah, e só para ressaltar, o bebê do caso citado lá no início está sob os cuidados da avó materna. Questionado pelo conselho tutelar, o pai manifestou interesse em cuidá-lo, agora, após todo o ocorrido.

Este é o cenário: uma mãe em tratamento psiquiátrico é mais cobrada do que o pai que simplesmente foi embora ignorando a existência do próprio filho.

E este não é um caso isolado.

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista E eu nem queria ser mãe, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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