Quem é a mulher libertina?
Em pleno 2023 quando temos chat GPT, inteligência artificial e robôs operando pessoas à distância, não cabe aceitarmos uma ideia tão rococó quanto acusar de libertinagem uma mulher livre.
Nessa minha jornada maluca de nadar contra a maré machista nas redes sociais (que de vez em quando penso ‘onde é que eu estava com a cabeça meu Deus? ’mas aí lembro do quanto é necessário e sigo o baile abaixo de xingamento mesmo), postei um vídeo falando sobre paternidade irresponsável. Nele exemplificava o fato de que, socialmente falando, se um homem fizer 5 filhos com mulheres diferentes não será condenado; já uma mulher, se tiver 5 filhos de pais diferentes, terá para si todos os dedos apontados sobre uma tonelada de palavrões.

Mas nem só de sororidade se faz uma página em defesa da mulher, infelizmente.
Nesse vídeo, fui surpreendida com um comentário que dizia exatamente assim:
“Que facilidade para distorcer o relato de um comportamento libertino”.
Ele foi escrito por uma mulher. Rápida no gatilho para responder comentários desse tipo, dessa vez fiquei parada por uns 3 minutos, olhando incrédula para a tela do celular.
Comportamento LIBERTINO? Me senti em 1950, sentada na cozinha de uma mulher que dormiu de bobes, fazendo biscoitos para o marido antes de lavar à mão as cuecas sujas dele.
Simone de Beauvoir deixou uma obra tão incrível para chegar em 2023 e uma mulher me dizer que ter 5 parceiros sexuais distintos ao longo da vida – ainda que os tenha desposado – é libertinagem.
O que seria um comportamento libertino?
Gostar muito de sexo? Fazer muito sexo? Fazer sexo com muitas pessoas?
Desde os anos 1970 quando a pílula anticoncepcional começou a se popularizar no Brasil, a liberdade sexual feminina deveria ter nos livrado da ideia de que a relação serve apenas para reprodução.
Meio século depois, ainda apontamos o dedo para mulheres que têm muitos parceiros. O que tem a ver ter 5 filhos de pais diferentes, ou uma menina engravidar ainda jovem? É indicativo de falta de caráter ou apenas um desejo natural somado à falta de orientação? É você que vai sustentar a criança? Você que vai cuidar? A questão não é o planejamento familiar: simplesmente não condenamos um homem que faça isso.
As mesmas pessoas que chamam de desnaturada a mãe que tem um filho de cada pai, não aceitam que se fale em educação sexual nas escolas. Uma menina de classe média quando faz seus 16 anos, a mãe leva ao ginecologista e ela sai de lá com uma receita de anticoncepcional adequado às suas condições físicas, alergias, riscos. Você acha que uma menina de 16 anos que mora na favela e divide um barraco com mais 12 irmãos, tem acesso às mesmas coisas?

Se a discussão fosse sobre não colocar crianças no mundo indiscriminadamente, estaríamos falando sobre vasectomia e anticoncepcional masculino. Um homem pode engravidar 250 mulheres no período de 9 meses. Se ele abandonar todas essas crianças, a sociedade não vai condená-lo tanto quanto condena a mãe que deixa a criança com a avó para curtir um sábado no barzinho.
Poucas coisas me entristecem tanto quanto a mulher machista.
Como pode uma pessoa que carrega as mesmas dores que eu, que bate nos mesmos muros e é derrubada pelos mesmos tapetes puxados, sentir-se tão distante da luta por equidade a ponto de condenar as demais? O que há de errado com a mulher que não quer o modelo tradicional de família para que possa viver sua liberdade afetiva e sexual?
Sinceramente, em pleno 2023 quando temos chat GPT, inteligência artificial e robôs operando pessoas à distância, não cabe aceitarmos uma ideia tão rococó como chamar de libertina uma mulher que queira dormir com 3 homens diferentes por final de semana. Ela tem esse direito garantido pela lei e pela esperança de que os costumes acompanhem a evolução dos tempos.
Comportamento libertino é roubar do pobre, aceitar propina, sonegar imposto, usar o dízimo para comprar mansão em Miami, mentir que ganha pouco para pagar menos pensão. Libertinagem é recusar uso de preservativo, torturar psicologicamente, estar no tinder quando a esposa está em casa recém parida. Comportamento condenável é enganar, subjugar, manipular. O resto é só sexo mesmo.