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Raul apostou na garapa após quase morrer “envenenado” em lavouras

Raul veio sozinho para MS na adolescência, quase morreu intoxicado e hoje ganha a vida vendendo o caldo da cana que ele mesmo planta

Sob a sombra da mesma árvore, há 13 anos, um mineiro por natureza, mas sul-mato-grossense de coração, refresca o calorão de quem passa pela Avenida dos Cafezais, no Jardim Centro-Oeste. Lá se vão 30 anos, desde que Raul Nunes Costa, de 66 anos, decidiu ganhar a vida vendendo caldo de cana após uma tragédia pessoal.

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Raul moendo cana. (Foto: Adriano Fernandes)

O garapeiro se viu à beira da morte após grave intoxicação por agrotóxicos nas lavouras de soja em que trabalhava. Hoje em dia, ele ainda lida pouco com a terra, mas só para colher a cana que ele mesmo cultiva e que é de uma doçura irresistível.

Cara e coragem

Raul nasceu em Salinas, Minas Gerais; a saga dele em Mato Grosso do Sul começou ainda na adolescência. Quando tinha “13 para 14 anos”, Raul conta que decidiu vir a Mato Grosso do Sul, com a cara e a coragem.

O mineiro se mudou sozinho para São Gabriel do Oeste, incentivado por conhecidos. Lá começou a trabalhar em lavouras de soja, numa época em que o trabalho infantil era naturalizado.

Foram 20 anos lidando diretamente com os agrotóxicos que eram utilizados no plantio dos grãos, até que um dia a saúde não aguentou. O garapeiro passou mal e, no hospital, veio o diagnóstico: Raul lidou por tanto tempo com os defensivos agrícolas, que o “veneno” sobrecarregou órgãos como o fígado e o esôfago.

“Fiquei dois dias internado em São Gabriel, mas daí precisei ser encaminhado para Campo Grande e aqui tiveram que me operar. Eu estive morto”, diz Raul, enquanto mostra a enorme cicatriz na barriga.

O susto foi grande e a recuperação, pior ainda, mas o garapeiro deu a volta por cima. Impossibilitado de trabalhar, Raul decidiu procurar um novo ofício.

Durante muito tempo, ele vendeu caldo de cana na região da Cohab, bairro em que morava, no extremo sul de Campo Grande. Mas daí veio a separação da esposa e a necessidade de mudar de ponto, mais de uma vez.

Até que, em meados de 2011, ele decidiu estacionar o moinho de cana em um dos cruzamentos da Cafezais e não saiu mais de lá.

Raul faz questão de plantar a própria cana em uma área de comodato, na saída para Sidrolândia, mas a seca dos últimos meses comprometeu a colheita.

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Raul trabalha há 30 anos vendendo caldo de cana em Campo Grande. (Foto: Adriano Fernandes)

“Essa última leva eu tive que comprar, mas quando a minha está boa para colheita, eu trabalho com a minha. Com a cana que eu planto, dá para eu trabalhar uns seis meses. Se eu tivesse mais terra, eu plantaria mais. Dá mais trabalho, mas o ganho é bem melhor.”

Raul Nunes Costa, garapeiro.

Em mais de uma década no mesmo cruzamento da avenida com a Rua Araraquara, Raul viu de perto o crescimento do Jardim Centro-Oeste e região. Apesar da má fama do bairro, Raul conta que nunca presenciou nenhuma situação violenta na região.

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“Quando cheguei aqui, não tinha nada, era pouco asfalto, mas nos últimos anos cresceu muito. O que mais vejo é acidente, mas não me envolvo com essa turma da rua, não. É do meu serviço para casa; nunca tive problema, graças a Deus. E eu não procuro problema, não é? Se procurar, acha.”

Raul Nunes Costa, garapeiro.

Raul tem 4 filhos, “cada um está no seu canto”. O garapeiro tem 6 netos e até bisnetos, e vive sozinho no Jardim Los Angeles. Até hoje, Raul lida com as sequelas da intoxicação.

“Para ser bem sincero, até hoje eu tenho sequelas. Comprometeu minha respiração e principalmente o funcionamento do intestino e do fígado. Essas sequelas serão para sempre.”

Raul Nunes Costa, garapeiro.

Apesar dos percalços do passado, Raul leva uma vida tranquila e afirma que o dinheiro da venda de garapa é o suficiente para sobreviver. Cada cliente que chega é recebido com um banquinho e uma quantia generosa de caldo de cana.

Cada copo custa só R$ 7,00.

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Raul moendo cana. (Foto: Adriano Fernandes)

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