Respeite o sonho que te custou o mundo
Não deixe os outros botarem valor no que só você sabe o preço
Eu tinha 21 anos no dia em que decidi que não suportava mais a vida que levava. Não podia mais pagar faculdade, estava cansada de passar necessidade e de ser humilhada por gente que me tratava mal porque eu não tinha nada, nem defesa. Tem coisas que só quem veio de baixo consegue reconhecer direito: desprezo, desdém, soberba.
Era menina, morava numa cidade pequena no interior do RS e sofria todo o preconceito do pacote: o pai do meu namorado da época achava que eu era uma aproveitadora e queria engravidar do filho dele. Fui demitida porque a esposa do dono da empresa tinha ciúme. Na entrevista de emprego, assédio era de lei. No dia em que uma pessoa riu de mim porque em toda festa eu usava a mesma roupa, decidi que nunca mais permitiria que alguém me pisasse. Puxei o freio de mão da minha vida, subi num ônibus e saí daquele lugar decidida a calar a boca de todo mundo sem nunca mais lhes dirigir uma palavra.

Muita gente me chamou de louca. Muita gente riu de mim. Muita gente me tratou mal por não ter a mesma coragem.
Em Campo Grande trabalhei muito, paguei faculdade, peguei muito 070 lotado à noite. Saía de madrugada e chegava quando não tinha mais ninguém na rua. Dormi 3 horas por noite durante anos, tive gastrite, só comia na faculdade antes de pagar a mensalidade porque depois não sobrava. As roupas foram as mesmas durante anos. Foi ali que entendi que ninguém se importa tanto assim com as suas dores, e muitas vezes simplesmente NÃO VAI ter alguém para te dar apoio. Você vai ter que aprender a se curar sozinha e isso é o básico, não o extraordinário.
Ralei muito, comecei a carreira sozinha, conquistei cada coisinha com paciência e cabeça fria, sempre praticando a coisa mais preciosa que aprendi nessa vida: as pessoas vão tentar te destruir, quem dá a elas o poder de conseguir ou não, é você.
Hoje, olho para esses 23 anos que se passaram e minha primeira reação é me envolver em um abraço gritando “nós conseguimos”! Lembro do rosto de cada pessoa que me humilhou lá atrás e não sinto mais vontade nenhuma de mostrar que venci. A opinião delas não faz mais diferença para mim há muito tempo. Elas passaram como outros passarão, eu continuo passarinho.
A gente tem que se dar o direito de não admitir o que não merece. Nunca tive nada de graça e não aceito que me tratem como se a humanidade fosse credora do que tenho de bom. Você precisa respeitar o sonho que te custou o mundo e valorizar seu próprio esforço nas vitórias. Elas são suas! Não foi sorte, não foi benevolência, foi luta. Sua luta! Só você sabe o preço que pagou.
Seu carro novo, sua casa, sua viagem para a praia, suas férias fora do país, sua cirurgia plástica, seu novo amor, seu cabelo com progressiva cara, sua bolsa comprada em 12 vezes, seu trabalho, o peso que você perdeu, suas noites de festa, você não merece que olhem para isso com rancor, mas as pessoas VÃO olhar. É você quem precisa fechar os olhos e os ouvidos e seguir em frente. Se proteger vai muito além de um sinal-da-cruz ao sair de casa.
Para tudo que você é, tudo que você tem, toda felicidade vai fazer acordar uma frustração em alguém. Ser humano é isso. A gente precisa aprender a tocar a vida entendendo o quanto dói no outro a oportunidade perdida, o fracasso amargo, a vitória que não veio, e tá tudo certo. Cada um tem suas limitações e isso não é problema seu, mas cabe a você ter empatia suficiente para se importar.
Só quem saberá seu real valor é você. O reconhecimento que não vem de fora, tem que vir de dentro e isso não é autoajuda, é sobrevivência. Se você não se celebra, seu brilho vai sumindo, e um futuro apagado não pode ser o pagamento de quem lutou uma vida inteira para fazer alguma diferença no mundo. Se você acha que isso é pouco, bem, um único vaga-lume em uma mata escura é capaz de iluminar o caminho sozinho.
Acima de toda a dor que carregamos, a gente tem que aprender a se parabenizar. Se abraçar por mais um dia: para quem enfrenta a depressão, a vitória de sair da cama. Para o doente, a vitória de conseguir dormir. Para o enlutado, transmutar a dor em saudade. Para a mulher exausta, o sonho que motiva começar tudo de novo amanhã. Chorar olhando bem dentro dos seus olhos no espelho porque só você vai entender o quanto te custou cada coisinha boa.
Sua colcha de retalhos de lutas só faz sentido para você, e ela vai te cobrir nas noites difíceis. Amar-se é assumir que você tem o direito de ser feliz com as suas coisas, suas opções e suas pequenas vitórias sofridas.
E ser.
E pronto.
Comentários (8)
Parabéns que texto lindo, nós encoraja a corre atrás do que realmente vale a pena e sentido a nós.
Gratidão por vc escrever tudo muito bem colocado para todas nós, que delicia essa leitura
Quero agradecer você por transmitir força a todas as mulheres que decidiram ir em frente com seus sonhos apesar de todas as dificuldades que encontramos no caminho, me vi em casa trecho desse texto! Pois eu vivi isso! Só eu sei tudo o que é importante pra mim. Gratidão e paz você é uma querida!