Jaqueline Naujorks

Setembro amarelo e a empatia seletiva

Quando a saúde mental é das mulheres, o papo é outro

O Setembro Amarelo é uma das campanhas de saúde mais necessárias no Brasil, mas infelizmente, ela é bem menos profunda do que gostaríamos. Todo assunto que é tabu, as pessoas até engolem, mas não digerem: quando se trata da saúde mental de mulheres sobrecarregadas, a empatia só vai até a página 2.

Minha avó, que trabalhou na roça e por não contribuir com o INSS, precisou trabalhar muito além do que sua coluna de idosa aguentava, dizia uma frase que só fui entender há pouco tempo: quando uma mulher adoece, o mundo desaba, mas desaba em cima dela.

setembro amarelo Jaque
Setembro amarelo. (Foto: reprodução/internet)

Mulher não pode adoecer, e se ela padecer de uma doença da mente, será prontamente desacreditada. Ao longo da história, mulheres eram submetidas a todo tipo de abuso e quando ousavam reclamar, eram consideradas histéricas e internadas em sanatórios. Hoje, alguém vai chamar de frescura e taxá-la de fraca e incapaz.

Na minha primeira crise de pânico, eu estava em um dos melhores momentos da vida. Era uma tarde de sábado, e a onda de horror que senti foi tão forte que quase desmaiei. Meu estado de alerta era pleno, eu tinha tanto medo que vomitava, tinha espasmos, picos de adrenalina, não dormia, não descansava, não conseguia dirigir, suava frio em público, tinha uma dor no corpo que nunca passava. Era um medo irracional, um pavor, uma sensação de morte, e esse desequilíbrio químico me transformou em uma bomba relógio por 5 longos anos de tratamento.

Nesse período, entendi coisas que vão muito além do diagnóstico. O apoio vinha apenas das pessoas próximas, as demais pareciam ter mais medo de mim do que eu delas. Ainda assim, o acolhimento real veio 99% de outras mulheres. O trabalho sempre foi um fator de estabilidade, então não me licenciei para o tratamento, a rotina ajudava a manter a ansiedade sob controle. Porém, perdi a conta das vezes que os sintomas físicos me incapacitavam tanto, que eu tinha que tomar 4 medicamentos e 2 litros d’água apenas para chegar ao fim do expediente.

A diferença é que eu entendia muito bem que estava doente por um desequilíbrio químico do meu corpo e não porque era uma coitada. Eu não era fraca, nem frágil, e combati aos berros cada criatura que quis me botar o carimbo de incapaz. O problema é que foram muitas, muitas criaturas. Foi aí que entendi que a empatia das pessoas é bem seletiva quando se trata de uma mulher com a saúde mental debilitada.

Mulher sobrecarregada e adoecida é o que você mais vê por aí, especialmente depois da pandemia, e quando se trata de praticar a solidariedade e a escuta respeitosa que o setembro amarelo visa popularizar, as pessoas acabam cumprindo o protocolo por cumprir, quando no fundo estão colocando essa mulher no balaio do coitadismo de qualquer forma. É menos por boa vontade e mais por pena. E isso está errado.

Experimente dizer no seu local de trabalho, na faculdade, no almoço de domingo, que fulana de tal não veio porque está de licença para tratar a depressão. Observe o olhar das pessoas.

É o tapinha nas costas cheio de condescendência. É um “é complicado” que encerra qualquer conversa mais profunda. A compreensão real não acontece, porque mulheres podem até adoecer, mas a sociedade não compreende quando elas ficam tão mal a ponto de se obrigarem a descansar como parte do tratamento.

A rede de apoio que a mulher precisa para cuidar da sua saúde mental dá trabalho para os outros. Precisa de um pai responsável, um companheiro ou companheira realmente presente, familiares prestativos, amigos pacientes, colegas que não julguem, tudo ao mesmo tempo. Como é possível alcançar essa fórmula quando as mulheres são vistas mais como seres funcionais do que como seres imprescindíveis?

Saúde mental é um problema global e sabemos que o tabu para os homens que tratam depressão é tremendamente agudo, tanto que dificilmente buscam tratamento psiquiátrico, acabam caindo em algum tipo de alívio mais fácil – álcool, drogas, sexo. Quando um homem te confessa estar tratando ansiedade, a chance de apoiá-lo com palavras positivas é bem maior do que com a mulher, em que seu senso comum vai acabar gritando um “tadinha”, ainda que inconsciente.

Setembro amarelo é sobre acolher com respeito. A mãe exausta, a mulher que cuida dos pais doentes, a filha enlutada, a mulher que sustenta a casa sozinha. A moça que você vai julgar estressada, mal-humorada, que precisa de um namorado, talvez esteja genuinamente doente. Empatia é mais um exercício de humanidade do que de cidadania, aprender a praticar de torna apenas um ser humano melhor. Apenas.

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (4)

  • Rosa

    Gosto muito dos seus textos das sua reflexões me conforta me faz sentir que não estou louca mais também me faz ver quanto sou sozinha com minha dor. Não é fácil lutar sozinha difícil as pessoas acreditar que vc sente tantas dor obrigada por me confortar

  • Brigida Aparecida da Silva Godoy

    Excelente ponto de vista,pena que para muitos e muitas esses sentimentos não são valorizados,mas não podemos esmorecer e continuar na luta por direitos iguais e até mais de iguais ,porque nós mulheres,estamos a frente de qualquer ação,quem é responsável por gerará vida,cuidar,fazer crescer em todos os âmbitos,ser mãe, enfermeira,cuidadora, professora, enfim ter todas as profissões em uma pessoa? só nos mulheres, então,nos somos os pilares que sustentam a todos os outros e merecemos e devemos ser olhadas como topo e base para todos os momentos

  • Sonia Maria de Almeida Vera

    Maravilhosa reflexão, empatia melhora o mundo.

  • Hamilton Antônio da Silva

    Costumo dizer que a minha empatia é para todos, Homens e mulheres.

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