Só confunde invisível com invisibilizado quem faz questão de não enxergar

A tão falada invisibilidade do trabalho de cuidado da mulher enfim ganhou as rodas de conversa. Mas, sejamos francos, quem é que não sabia da existência dele?

Pois é, o tema foi amplamente debatido, esmiuçado, argumentado e, claro, criticado. A tão falada invisibilidade do trabalho de cuidado da mulher enfim ganhou as rodas de conversa. Mas, sejamos francos, quem é que não sabia da existência dele?

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Trabalho de cuidado da mulher é invisibilizado durante toda a vida (Foto Arquivo Pessoal)

Veja bem, a palavra invisibilidade pode ser derivada da palavra invisível, mas tem sentido completamente diferente. Algo que não se pode enxergar é invisível. Algo que é possível enxergar, porém é redondamente ignorado, é invisibilizado.

Então, sinto muito informar, mas o trabalho de cuidado da mulher está escancarado em casa, no ambiente de trabalho e até mesmo no horário de lazer, não vê quem não quer e geralmente quem não quer é exatamente o beneficiado por ele.

Na correria do dia a dia, o entra e sai de casa faz parecer que a cama sempre esteve arrumada, o chão limpo, o lixo tirado, a poeira espanada, a comida pronta e as crianças cuidadas. Pra que enxergar quem faz tudo isso?

Os discursos são muitos: a mulher tem habilidade natural para cuidar de casa, filhos, maridos, pais e por aí vai. Tá no DNA feminino esse instinto ao qual chamamos de materno. Homens não sabem executar tarefas triviais coletivas do lar, é o que foi dito ao longo da história.

Começa na infância quando na sessão de brinquedos o lado das meninas está repleto de panelinhas, vassourinhas, aventais, bebês, carrinhos, mamadeiras. No lado dos meninos dinossauros, aeronaves, jalecos de médicos, super-heróis!

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Somos ensinadas a cuidar desde que nascemos (Foto Arquivo Pessoal)

Dia desses até vi um jogo de panelas entre bolas de futebol e carrinhos, mas a descrição da caixa, abaixo da foto de um garoto uniformizado, dizia “especial Chef de Cozinha”, um chefe, nunca um dono de casa. Pegando carona nesse viés vem o comportamento no lar quando há filhos de ambos os sexos.

É de praxe que a menina ajude nos fazeres domésticos (quando não os executa integralmente cuidando do irmão mais novo), enquanto garotos até recebem essa missão, mas sempre conseguem escapar de alguma forma. “Menina sabe fazer, menino não”, cravam, principalmente os mais velhos.

Quando a juventude bate, a discrepância segue, um pouco menos, porém sempre nas entrelinhas. Nos rolês as mulheres assumem a louça e a limpeza porque, fala sério, os caras já estão no comando da churrasqueira, querem que façam mais?

Cenário que se repete nas cozinhas das casas aos domingos ou nas festas como a de fim de ano quando avós, tias, mães ficam na função do preparo da comida, arrumação do lugar, enquanto homens sentam e bebem em paz, sem sequer se responsabilizarem pelas crianças.

Quando chega o casamento as coisas ficam mais evidentes e só então cai aquela imensa ficha: nossas mães nunca foram as chatas e os pais os legalzões, nossas mães estavam sobrecarregadas e os pais, bem, a maioria deles tinha tempo para ser legal no pouco que lidavam com a prole.

Quando os filhos chegam a conta descamba de vez. O cuidado materno é infinitamente maior a começar pela licença-maternidade que dura meses e a paternidade praticamente não existe. O ideal, claro, seria os dois em casa. Só quem teve um recém-nascido sabe que é exatamente isso que a demanda pede.

Assim, o ciclo corre até que envelheçamos demais para tentar mudar alguma coisa. Uma vida inteira de cuidado invisibilizada por quem tira proveito dela. O grande desafio, para além da autoconscientização, é tirar homens da zona de conforto em que, de camarote, assistem mulheres afundadas na sobrecarga, mas não fazem questão de enxergar senão terão que assumir o tranco. Pra que né?

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista E eu nem queria ser mãe, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (1)

  • Brigida godoy

    ELA TEM RAZAO EM TUDO
    E ASSINO EMBAIXO.

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