Jaqueline Naujorks

Vamos trocar os papéis? Carrego o saco de cimento se você fizer tudo o que eu faço

Homens que usam a desculpa da força física para diminuir mulheres precisam voltar 4.560 casas no Jogo da Vida. O trabalho doméstico é mil vezes mais pesado porque você jamais descansa.

A jornada da feminista é ingrata: você quer ajudar a esclarecer as pessoas com ideias formadas noutros tempos e tornar o mundo um lugar menos injusto para as mulheres, mas é impressionante o número de criaturas que não querem desapegar de seus pensamentos antigos. “Ah mas é que eu fui criado assim”, me diz o cara de 35 anos.

Recebi um comentário emblemático em certo vídeo que postei no tiktok e fiz questão de respondê-lo. Um cara, obviamente com perfil fake (nunca falha, são sempre covardes demais para assumirem publicamente as barbaridades que dizem) veio com uma máxima que eu particularmente adoro: a teoria furada do saco de cimento.

thumbnail Design sem nome 6
Carrego o saco de cimento se você fizer tudo o que eu faço (Ilustração)

“Vou dar um saco de cimento e 1 pneu de caminhão pra vc trocar. Querem igualdade só no que é fácil” comentou o Hulk, baluarte da força. Um cara que, aposto minha coleção de sapatos, trabalha de camiseta polo bordada e nunca na vida carregou um saco de cimento. O vídeo viralizou, as mulheres foram reforçar a mensagem no comentário dele e o rapazola denunciou meu vídeo por bullying e assédio. Eu postaria aqui para você tirar suas próprias conclusões, se meu vídeo respondendo um comentário misógino não tivesse sido banido da plataforma como se a agressora fosse eu. Nada de novo sob o sol das mulheres que assumem a missão de transformar esse oceano de chorume em algo útil para as meninas no futuro.

Aos homens que usam o argumento do trabalho braçal para se vitimizar quando mulheres falam de igualdade, eu faço uma proposta: vamos trocar os papéis?

Eu sei trocar pneu sozinha e puxo uns 70 kg de ferro na academia, então tá tranquilo carregar saco de cimento. Agora, vamos falar sobre o seu papel?

Seu dia vai começar logo cedo, quando eu sujar o banheiro inteiro, comer, deixar a louça na mesa e sair de casa para carregar meu cimento esperando que você limpe tudo até eu chegar. Você deve fazer comida para me alimentar e eu vou botar defeito nela. Depois de comer, vou deixar tudo onde está, deitar enquanto você limpa minha sujeira e depois voltar para o segundo turno. Ao final do dia quando chegar em casa, direi que sua companhia não me agrada e vou jogar futebol com meus amigos ou me embebedar em algum boteco.

Quando voltar fedendo a cachaça, vou te acordar e exigir que você cumpra suas obrigações de marido comigo, mesmo que não queira. Depois, vou reclamar que seu corpo está velho, caído, que você está careca e barrigudo, e que vou procurar na rua o que não encontro em casa. No dia seguinte, antes de tudo recomeçar, vou reclamar que odeio minha vida e que você me faz infeliz, antes de exigir que você me sirva, me alimente, limpe minha bagunça e me trate como uma criança durante mais um dia.

“Mas você está generalizando, na minha casa eu ajudo com tarefas domésticas”. Que ótimo, isso faz de você um adulto funcional. Voltemos a falar sobre a realidade da maior parte dos lares brasileiros em que mulheres são as únicas responsáveis por toda a engenharia da casa.

O trabalho doméstico é mil vezes mais pesado, exige força física sim, não tem fim de semana, feriado, férias e não é sequer remunerado – em troca do cuidado com todos da casa você terá comida e despesas básicas pagas a troco de muita reclamação. Experimente pedir um dinheiro extra para ir ao salão fazer luzes no cabelo? Ficar mais bonita para quê? Para quem?

Homens que usam a desculpa da força física para diminuir mulheres precisam voltar 4.560 casas no Jogo da Vida. Tem muita mulher trabalhando em obra e borracharia, assim como tem homem que cuida dos serviços domésticos para a esposa trabalhar fora. O que não pode é misturar alhos com bugalhos de forma tão estúpida querendo nivelar tudo pela capacidade de… carregar peso?

A busca por igualdade é exatamente sobre isso. Toda vez que preciso trocar um pneu eu simplesmente faço e não acho grande coisa, não é a ocasião mais extraordinária da vida. Se um homem precisa cuidar da casa e dos filhos por uma semana, será que vai sentir o mesmo? Será que existe serviço de homem e de mulher?

Diminuir o feminino é um costume horrível, que a gente tem a obrigação de se inquietar e combater. Não precisa me poupar porque não tenho a mesma compleição física que você, assim como não preciso te poupar de serviços domésticos como se você fosse incapaz. Equidade é colocar oportunidades, resultados e julgamentos no mesmo patamar. Lavar a louça em casa não te fará mais feminino e trocar a resistência do chuveiro não me fará mais masculina.

Enquanto perpetuarmos esses estereótipos bobos sobre serviço de homem e de mulher, a conversa principal sobre equilíbrio vai acabar maquiada pela vontade infantil de reviver eternamente os debates da quinta série. Esse tipo de discussão é apenas uma enorme e irritante perda de tempo, e nenhum de nós está com espaço livre na agenda para ensinar o básico a adultos funcionais.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Leia também em Comportamento!

  1. Por que ruas do Santa Amália têm nomes de aves? BQQ revela origem curiosa

    A reportagem especial mostra que a mudança começou ainda em 2001, quando...

  2. O tom de voz também comunica

    A sua maneira de se comunicar não depende somente do que você fala, mas...

  3. Lúcia Maggi, aos 93 anos, tem fortuna equivalente a cerca de R$ 5 bilhões. (Foto: Divulgação) Ela aparece na lista da Forbes de mais ricos do brasil

    Lista da Forbes 2025 tem só uma mato-grossense e ela tem R$ 5 bilhões

    A edição 2025 da tradicional lista de bilionários divulgada pela revista Forbes...

  4. Lei do Stalking: 4 anos combatendo perseguidores

    Como a perseguição que sofri ajudou a criar uma lei federal...

  5. Número de casas com internet ultrapassa o de TVs em MT, segundo IBGE

    Em Cuiabá, o número de pessoas com acesso a internet é maior...