De assombração a pé ao telefone preto

Pode parecer estranho, mas filmes de terror me lembram a infância. É que meu pai tinha um hábito estranho. Ele gostava de contar histórias de uma assombração chamada dona Gertrudes, que aterrorizava crianças e adultos na zona rural de Matão, no interior de São Paulo. Eu Imaginava o espectro azulado de olhos esbugalhados flutuando os […]

Pode parecer estranho, mas filmes de terror me lembram a infância. É que meu pai tinha um hábito estranho. Ele gostava de contar histórias de uma assombração chamada dona Gertrudes, que aterrorizava crianças e adultos na zona rural de Matão, no interior de São Paulo.

Eu Imaginava o espectro azulado de olhos esbugalhados flutuando os trapos encardidos do manto pelo pasto. Cada vez mais perto da casa onde as vítimas estavam. Esse exercício me dava, ao mesmo tempo, medo e curiosidade. A mistura virou criatividade. Escrevi dois livros de terror (Cinevil – o Terror Está em Cartaz e A Lei dos Mortos/Life Editora), lançados aqui em Mato Grosso do Sul.

E assumi, definitivamente, o meu lado sombrio.

Livros escritos por Alex Mendes (Foto: Divulgação)
Livros escritos por Alex Mendes, jornalista e fã do gênero terror desde criança (Foto: Divulgação)

O prazer do medo é o que espero compartilhar com os leitores nesta coluna. Toda Sexta é 13. Uma escancarada homenagem ao filme que lançou Jason no universo do terror. E nesse primeiro contato nosso vou falar de O Telefone Preto (The Black Phone, EUA, 2021), que chegou nas principais lojas virtuais de locação. É um filme baseado num conto homônimo de Joe Hill, filho do mestre do horror Stephen King.

Quando o trailer dessa obra começou a encher a internet de expectativas, coloquei-a no topo das minhas preferências (Assista acima). A máscara acinzentada com um sorriso totalmente fora do lugar para um rosto tão assustador me deixou empolgado. Confesso que tenho queda por assassinos mascarados no cinema. Um novo Jason, um novo Michael Myers, outro Leatherface, poderiam estar surgindo. A época em que o filme se passa também me deixou ainda mais curioso. 1978. Eu amo os anos 80 e 78 é logo ali.

Com essa bagagem, fui assistir ao filme. A história narra uma série de desaparecimentos de crianças num bairro. Os protagonistas, um casal de irmãos, se envolvem com o tal maluco mascarado. O filme foi um sucesso de bilheteria e de crítica. A expectativa é que dê carona a uma série de projetos do gênero que não tinham como justificar a aposta de grandes estúdios.

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No entanto, para mim, “O Telefone Preto” não tocou como deveria. Todo aquele pânico que a imagem do mascarado suscitava no trailer não se traduziu durante o longa. Ethan Hawke, apesar de já ter visitado o gênero no filme A Entidade (Sinister, EUA/GBR, 2012), não me convenceu como vilão. Não há cenas que justifiquem ele ser temido. Tudo é muito velado, como se precisasse conquistar a permissão de ser exibido para um público infanto-juvenil, o mesmo dos protagonistas e vítimas do mascarado. Com isso, o público é poupado da violenta realidade de crimes assim.

Transformar crianças em heróis está em alta depois do arrebatador – e merecido – sucesso de Stranger Things (EUA, 2016). Mas nem sempre funciona. O filme It-A Coisa (IT, EUA, 2017), fez isso muito bem, apesar de não se comparar ao clássico literário de King. O Verão de 84 (Summer of´84, EUA, 2018), que também surfa nessa onda, não teve tanto reconhecimento. O Telefone Preto, a meu ver, desperdiça uma grande chance de ser tornar um clássico. Mas está longe de ser um filme que não vale uma espiada.

A analogia com a pedofilia é necessária para que o assunto seja discutido. A irmã do menino raptado sofre por ter um dom que não é aceito pelo pai – aliás, a cena que demonstra isso é a que mais me aterrorizou. Um dom que vale ser explorado em outros filmes. Quem sabe, não seja a razão para a inevitável sequência.

Vale ou não vale a pena assistir ao filme, então? Claro que vale. Para mim, cinema é algo que depende muito do público. O que é bom para mim pode não ser para você. E vice-versa. Se você gosta do tema, o filme, sem dúvida, está acima da média. No meu caso, eu queria ter passado mais medo. Para muitos, algumas cenas já serão suficientes para fechar os olhos. Se você é como eu, já um pouco calejado no assunto, vai outra dica.

Hoje é sexta-feira, arrisque uma sessão caseira à noite. Quem sabe, não dá sorte de ficar sozinho na sala. Aí só lembre de desligar o telefone… preto ou não, você não vai querer que ele toque no meio do filme… Vai que é a dona Gertrudes do outro lado da linha. Ela pode vir à pé. Mas chega. É assim, desde os tempos do meu pai.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toda Sexta é 13, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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