Entre VLT e BRT, um rastro de suspeitas
A Capivara Criminal deste domingo (19) detalha um dos aspectos que mobiliza a guerra de narrativas entre quem apoia e quem contesta a opção pelo BRT em Cuiabá
Ganha novos elementos polêmicos a cada dia o debate sobre a opção do governo de Mato Grosso de trocar o modal do corredor de transporte coletivo proposto para a linha entre Várzea Grande e Cuiabá (MT), substituindo o veículo leve sobre trilhos por ônibus elétricos. O projeto bilionário dura mais de uma década e já produziu escândalos de repercussão nacional, sem ficar pronto. Nos últimos meses, o tema ressurgiu com força, diante das cenas da retirada dos trilhos que já haviam sido implantados, puro retrato de dinheiro jogado fora.

O consórcio Construtor BRT – formado pelas empresas Nova Engevix, Heleno e Fonseca Construtécnica, e Cittamobi – é o vencedor de certame, realizado em 2021. Comprometeu-se a implantar o BRT (Bus Rapid Transit), ao custo de R$ 468 milhões, recomeçando os serviços a partir de abril deste ano. Já foram investidos mais de R$ 1 bilhão na empreitada, parada há 8 anos, até que a administração estadual resolveu romper o contrato firmado e mudar de modelo.
A Capivara Criminal deste domingo (19) detalha um dos aspectos que mobiliza a guerra de narrativas entre quem apoia e quem contesta a opção pelo BRT, inclusive com a existência de dossiê acusatório contra o governador Mauro Mendes (União) e pessoas de sua proximidade.
A coluna teve acesso à papelada protocolada nas esferas estadual e federal do Ministério Público. Ambos os órgãos estão analisando o material para eventuais providências, se forem confirmados indícios de irregularidades.
Uma das peças mais chamativas é o organograma que – defende o denunciante, nada menos que o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB) – indica ligação entre empresários e empresas ganhadoras da nova licitação do corredor de mobilidade com Mauro Mendes, amigos do chefe do Executivo e ainda o deputado federal Fabio Garcia (União), do mesmo grupo político de Mendes.
Confira o organograma na animação abaixo:
A Nova Engevix se chamava até pouco tempo apenas Engevix, e foi uma das empresas expostas pela operação Lava Jato. Fez acordo de leniência, para devolver valores milionários aos cofres públicos.
Derrotado na licitação, o consórcio Mobilidade MT tinha entre suas integrantes a Paulitec Construções, associada da Nova Engevix em outro empreendimento, de acordo com notícia de fato apresentada às autoridades.
Com nome e CNPJ das empresas, além da identificação das pessoas físicas, a arte foi acrescentada no dia 7 de março de 2023 ao material enviado por Emanuel Pinheiro ao Ministério Público, em novembro de 2022. No documento, a ilustração é sugerida como síntese das relações suspeitas nos trâmites para definição do responsável pelo BRT.
“Segue em anexo ata notarial, demonstrando a vinculação do senhor José Luiz Borges Garcia Filho (primo do atual Deputado Federal Fabio Garcia), com a pessoa jurídica Concremat Engenharia e Tecnologia, pessoa jurídica pertencente ao mesmo Grupo Econômico das empresas integrantes do Consórcio Construtor BRT Cuiabá, vencedor do RDC n° 047/2021 e elo de ligação com as pessoas jurídicas pertencentes ao Governador do Estado e/seus familiares”, afirma o texto protocolado.
Trecho de notícia de fato apresentada por Emanuel Pinheiro aos Ministérios Públicos
“Por derradeiro, segue em anexo ainda, organograma demonstrando a relação do grupo econômico do Governador, seus familiares bem como parentes do Deputado Federal Fabio Garcia, todos eles sendo consorciados em comum, com consórcio vencedor e perdedor do BRT, igualmente com empresa que emitiu o parecer em desfavor do VLT pela mudança de modal”, completa.
No topo dessa “árvore genealógica” aparece a Engeglobal Construções, empresa recuperação judicial, que deixou pela metade obras como a do aeroporto Marechal Rondon.
Na segunda linha, está o nome de José Luiz Borges de Garcia, já falecido. Ele era filho de José Garcia Neto, ex-governador mato-grossense, que partiu em 2009.
Engenheiro e professor universitário, José Luiz Borges Garcia foi homenageado com o nome de uma das obras de infraestrutura viária do mesmo pacote do VLT/BRT, conhecida como Trincheira da Jurumim, em Cuiabá.
A linha que sai do nome dele no organograma vai para José Luiz Borges de Garcia Filho, e para o tio dele, Fernando Robério de Borges Garcia, o Berinho, outro herdeiro do ex-governador. Berinho é um dos sócios da Engeglobal, citada acima.
José Luiz Borges Garcia Filho é, portanto, primo do deputado Fabio Garcia, que é filho de Robério, e neto do ex-governador falecido.
Parece o famoso poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade, mas na tese do prefeito de Cuiabá informada às autoridades e divulgada durante entrevista coletiva, é evidência da necessidade de fazer o cruzamento entre essas relações, com vistas a identificar direcionamento da licitação para o mesmo grupo de empresas e pessoas físicas, de alguma forma interligadas ao governador.
Com sede no bairro da Vila Gertrudes, na capital paulista, a Concremat parece nada ter a ver com o projeto do governo de Mato Grosso. Mas, conforme o dossiê, tem a participação societária de Fernando Roberio.
A Concremat é uma das empresas com participação junto da Nova Engevix em outras licitações de obras públicas. Isso também está documentado na complementação à notícia de fato encaminhada em novembro.
Mesmo grupo político
Para além da proximidade no mundo dos negócios, outros laços unem Robério Garcia e Mauro Mendes. Berinho é figura habitual na coordenação de campanhas disputadas pelo atual governador. O filho, que chegou a ocupar o Senado em 2022, pois era suplente e assumiu a vaga de Jayme Campos durante licença de saúde, foi um dos poucos para quem o governador fez campanha na eleição passada, quando foi o deputado federal mais votado no Mato Grosso;
Mauro era o prefeito de Cuiabá quando foi definida a construção do VLT, nos moldes do Rio de Janeiro (RJ).
Leia mais
Oficialmente em lados opostos na licitação em Mato Grosso, as empresas Nova Engevix e Paulitec mantêm parcerias em outras disputas e na execução de obras públicas, descreve o dossiê.
Entre elas, é citado o monotrilho Jacu-Pêssego, em São Paulo. O projeto teve como vencedor o Consórcio PN Príncipe, formado justamente pelas duas empresas (confira no detalhe da ilustração abaixo).

Essa relação entre Nova Engevix e Paulitec, de acordo com o apontamento do prefeito de Cuiabá, configura grupo econômico.
Em se tratando de um mesmo grupo, a participação das duas empresas na mesma licitação esbarraria nas proibições da nova lei de licitações
Confira baixo o texto do artigo 14 da legislação, no inciso que trata do impedimento apontado. Pela regra, não pode compor o mesmo grupo econômico:
“Aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação”
Trecho da nova lei das licitações
Outro detalhe na licitação de Mato Grosso é apontado como um indício da necessidade esquadrinhar os trâmites do processo licitatório: a proposta tão semelhante apresentada pelos consórcios concorrentes. A vencedora ganhou da derrotada por menos de R$ 20 mil, metade de um carro popular.
Do que a Capivara Criminal está falando
A obra de transporte viário entre Várzea Grande e Cuiabá é uma sombra inacabada na região desde 2012, quando foi dado o estarte, como parte dos empreendimentos da Copa do Mundo do Brasil, evento que teve jogos na Arena Pantanal e deixou um rastro de promessas não concluídas.
O assunto ferveu nas últimas semanas, com reportagem no Jornal Nacional e em veículos de abrangência em todo o país, falando do abandono do projeto do VLT e a troca pelo BRT. O trecho já rasgado por trilhos começou a ser retirado.

A coluna faz questão de anotar que toda essa polêmica ocorre entre inimigos políticos. O denunciante, Emanuel Pinheiro, chegou a ficar afastado do cargo por suspeita de irregularidades na área da saúde. Neste momento, enfrenta uma intervenção na saúde municipal.
Órgãos de controle e fiscalização do uso de dinheiro público estão com iniciativas em relação à obra do corredor de transporte coletivo e até o STF (Supremo Tribunal Federal) foi provocado para validar, ou não, a opção feita pelo governo estadual de rescindir o contrato com o consórcio que iria implantar o VLT e fazer nova operação.
Sobre as denúncias de Emanuel Pinheiro
Tanto o MPMT (Ministério Público de Mato Grosso) quando o MPF (Ministério Público Federal) informaram que o material protocolado por Emanuel Pinheiro ainda está sob avaliação. No órgão estadual, a informação prestada é de que foram solicitadas informações ao Tribunal de Contas do Estado para definir os próximos passos.
No MPF, foi dada a informação de que a papelada está sendo avaliada, e ainda não gerou efetivamente uma investigação.
O que dizem os principais envolvidos:
Consórcio VLT Cuiabá-Varzea Grande:
“O Consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande observa com perplexidade a destruição de patrimônio público na Avenida da FEB, algo nunca visto em obras públicas. O desmonte, na ótica do Consórcio, não encontra amparo de ordem técnica ou de economicidade de recursos públicos.
Enquanto o desmonte de estruturas no traçado em Várzea Grande, lamentavelmente, avança, o Consórcio segue empreendendo, por liberalidade das empresas, a guarda de equipamentos e a manutenção dos 40 trens adquiridos pelo governo do Estado, até que importantes questões pendentes sejam decididas pelo Poder Judiciário.
O Consórcio faz questão de registrar que sempre esteve, e ainda está, à disposição do Estado para a construção de uma solução legítima e viável à retomada e conclusão do projeto VLT, que já poderia estar em operação, para uso da população.”
Nota enviada à Capivara Criminal
Deputado federal Fabio Garcia
“A tentativa de envolvimento de minha pessoa na denúncia é uma armação política, feita cinco meses depois da denúncia ser realizada justamente quando ataco frontalmente a gestão Emanuel Pinheiro.
A denúncia não traz nenhuma ação ou atitude feita diretamente pela minha pessoa, mas sim uma tentativa mentirosa e descabida de me envolver com fatos dos quais não tenho nenhuma relação.
Na verdade, tentam me impedir e me intimidar a continuar expondo e denunciando os demandos e corrupção da administração Emanuel Pinheiro.
Seguirei firme e combatendo essa gestão corrupta e incompetente”
Nota enviada à Capivara Criminal
Governador Mauro Mendes
“O Consórcio VLT praticou corrupção com agentes públicos do Estado. Por isso o contrato foi rescindido e o consórcio perdeu em todas as instâncias do Judiciário.
O Estado cobra na Justiça a devolução de R$ 1,2 bilhão, e por isso o consórcio está tentando de todas as formas e meios retomar o contrato para não ter que devolver essa quantia milionária.
Todas as alegações desta petição são infundadas e não há qualquer ato contrário à legalidade no processo de implantação do BRT”
Nota enviada à Capivara Criminal
Consórcio Construtor BRT
“A Nova Engevix elucida que não possuí relação societária com a Paulitec Construções e tampouco relações jurídicas com a Concremat Engenharia e a Engemix.
O Grupo conta com uma área de Governança e Integridade, a qual opera um programa de compliance robusto, com processos internos rigorosos, inclusive com certificação em norma internacional anticorrupção e demais legislações vigentes. A Nova Engevix participou de forma absolutamente íntegra na licitação do BRT de Cuiabá.”
Nota enviada à Capivara Criminal