Capivara Criminal

Fugitivo da Successione compara Gaeco à polícia de Hitler

Defesa de José Abdulahad, que está foragido, alega nulidade em provas da operação Successione. Ele é acusado de ser gerente de esquema chefiado por deputado estadual para tentar tomar controle do jogo do bicho

Dos quinze réus na operação Successione, de combate a organização criminosa acusada de agir com violência para tomar o controle do jogo do bicho em Campo Grande, cinco estão fora da cadeia. Desses, quatro estão foragidos.

Entre os desaparecidos está José Eduardo Abdulahd, o Zeizo, um dos integrantes do núcleo duro da quadrilha, conforme as conclusões do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado).

Foto de CNH do Zeizo
Zeizo, acusado de ser gerente de organização criminosa (Foto: reprodução de processo)

Zeizo, mesmo foragido, está demandando a Justiça para derrubar a operação, sob alegação de nulidade dos indícios probatórios obtidos. Em seu pedido, a defesa apela à comparação do trabalho de promotores responsáveis pela acusação ao da polícia nazista de Hitler, como você vai ver mais à frente nesta edição da Capital Criminal.

A título de lembrança ao leitor, a desqualificação dos indícios levantados é uma estratégia bem parecida com a dos profissionais do Direito atuantes em outra ofensiva contra o jogo do bicho em Campo Grande, a operação Omertà, responsável por levar para o banco dos réus integrantes da família Name, historicamente ligada à atividade ilegal.

Conforme a denúncia do Gaeco, o comando da organização criminosa alvo da Successione é de um integrante da família Razuk, outra com memórias de envolvimento com a operação de jogos de azar, na região sul do Estado.

O cabeça do grupo apontado pela investigação é o deputado estadual Neno Razuk (PL), o único réu em liberdade, pois não foi solicitada sua prisão.

José Eduardo Abdulahad, de 67 anos, igualmente já foi alvo de prisão e investigações por envolvimento com o mercado ilegal de jogos de azar em Ponta Porã, fronteiriça ao Paraguai.

Invasão de domicílio

Ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), os defensores de Abdulahad – classificado pelo Gaeco como um gerente do esquema chefiado por Neno Razuk – alegam que o fio da meada da operação Successione foi uma ação policial irregular. Esse entendimento, vale anotar, não foi externado nos pedidos de liberdade feitos na Justiça estadual.

Por esse argumento, houve invasão de domicílio, sem autorização judicial, na diligência na qual foi descoberto um suposto QG do jogo do bicho no bairro Monte Castelo, na tarde do dia 16 de outubro de 2023.

“Portanto, as provas obtidas através de ingresso forçado no imóvel localizado na rua Gramado, nº 31, sem o consentimento dos que ali estavam presentes, maculam todos os eventuais elementos de provas coligidos durante a diligência policial”, diz trecho da petição inicial de habeas corpus impetrado no STJ.

Na peça, é contestada informação dada pelo Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros), dando conta de autorização para a entrada no imóvel franqueada por José Eduardo Abdulahd.

Foi ele quem abriu a porta no dia da batida, quando os policiais do Garras chegaram ao local, em meio à investigação de três assaltos, atribuídos ao grupo.

“Saliente-se que o senhor José Eduardo Abdulahad jamais autorizou a entrada dos policiais no imóvel, e nem poderia fazê-lo, por não ser proprietário do mesmo.”

Petição da defesa de Zeizo no STJ

Declaração assinada pelo réu foragido foi anexada à petição. Veja:

Declaração de Zeizo
Declaração de José Abdulahad negando que tenha autorizado entrada em QG do jogo do bicho. (Foto: reprodução de processo)

QG do jogo do bicho

No imóvel, foram apreendidas 705 máquinas usadas para registrar apostas do jogo de azar. Além disso, foi encontrada uma agenda, notas fiscais de compra dos equipamentos, boletos de apostas no bicho e uma munição.

A residência está alugada no nome de uma mulher, cujo marido chegou a ser investigado como integrante da organização criminosa identificada pelo Gaeco, mas não foi denunciado.

O Garras, em seu relatório sobre o caso, afirma categoricamente que os policiais chegaram à residência e foram recebidos por José Abdulahad, e que ele autorizou a entrada no lugar.

Confira no documento abaixo:

Trecho de boletim do Garras
Trecho de boletim do Garras sobre entrada em casa onde foram apreendidas máquinas do jogo do bicho. (Foto: reprodução de processo)

O réu nega . Alega que estavam jogando poquer no espaço quando houve a invasão policial.

Para os representantes legais de José Eduardo Abdulahad, nada daquilo encontrado no suposto QG serve de prova. Isso levaria à anulação da operação, se for acatado pelo Judiciário.

“Haja vista a ausência de justa causa para o ingresso no imóvel, asilo inviolável, sem permissão ou autorização judicial e a duplicidade de inquéritos que apuram o mesmo fato, padecendo de nulidade todas as investigações e a ação penal deflagrada com suporte probatório ilegal.”

Defesa de Zeizo em petição ao STJ

Leia mais

  1. Successione: ex-assessor de Neno fez na Alems impressões de fotos para quadrilha

  2. Successione diz que Neno participou de reunião em QG e negociava R$ 30 milhões para o bicho

  3. Successione achou lista com 3 marcados para morrer, afirma Gaeco

  4. Omertá e Successione põem jogo do bicho no plenário da Alems

Assinado por Cezar Lopes e Rhiad Abdulahad, filho de Zeizo, o pedido de habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça requer a expedição de alvará de soltura para o representado, derrubando a ordem de prisão, e ainda o trancamento da ação penal derivada da operação Successione.

O documento relembra o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) de que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é legítimo quando amparado em “fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.”

“Não tendo sido realizadas investigações prévias, nem indicados elementos concretos que confirmassem a suspeita levantada por telefonema anônimo, é ilícita a prova obtida com a invasão de domicílio”, traz a petição, citando o artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal.

Prossegue a tese contrária à operação Successione afirmando que a narrativa policial sobre os fatos é confusa, “para justificar a invasão domiciliar.”

“Chega a difícil entender qual foi o motivo da ilegalidade: se por conta de diligência de extorsão mediante sequestro, que não guarda relação alguma com o presente fato; se por conta de diligência de suposto roubo a mão armada ou, ainda, por conta de denúncia anônima.”

Defesa de Zeizo em petição ao STJ

“Bis in iden”

Em trecho do habeas corpus impetrado no STJ, os defensores de Zeizo afirmam haver multiplicidade de inquéritos sobre o mesmo fato, um no Dracco (Departamento de Repressão ao Crime Organizado), outro na Derf (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos) e ainda a apuração do Gaeco, a partir da diligência do Garras.

Na visão dos advogados, isso agride o princípio “bis in iden”, expressão em latim usada para referência ao princípio da vedação à dupla incriminação. Em linguagem mais simples, é a tese jurídica segundo a qual ninguém pode responder mais de uma vez pela mesma acusação.

“Ocorre que o Gaeco, em conjunto com o Garras, deu início a uma terceira investigação que, no mínimo, se mostra parcial e omissa com fatos importantes e relevantes para comprovar a inocência do paciente”, citam Lopes e Abdulahad

“Observe-se que não pode o órgão acusador escolher qual vai ser o melhor procedimento investigativo que melhor se amolda aos seus interesses na pretensão punitiva”, opinam os advogados de Zeizo.

Comparação à Gestapo de Hitler

Aí vem a parte da petição com tom pesado em relação ao trabalho do Gaeco.

“Ora, o Gaeco se tornou o estado dentro do próprio estado, a exemplo da Gestapo Nazista?

Trecho de petição da defesa de Zeizo ao STJ

Até um poeta é resgatado para a avaliação negativa do Gaeco.

“Aliás, aqui cabe uma frase do poeta romano Juvenal, que em um trecho de seus poemas, exclama: Quis custodiet ipsos custodes?”. A frase significa: quem há de vigiar os próprios vigilantes?

De acordo com as teses da defesa, se o “ato ilegal” não for derrubado, o cliente atualmente foragido pode ter prejuizos irreversíveis.

“Calha trazer a baila que o paciente é primário, possuidor de bons antecedentes, com residência fiz e trabalho lícito, bem como portador de enfermidade grave e idoso na forma da lei”, observa a petição.

Zeizo está em tratamento de um câncer, como apurou a coluna.

Respostas do Judiciário

A ida ao STJ ocorreu depois de tentativa no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), com o mesmo objetivo: trancar a ação, invalidar as provas e cancelar a ordem de prisão.

Por ora, as devolutivas foram negativas.

No Tribunal de Justiça, a operação foi mantida, assim como a ordem da prisão. No Superior Tribunal, a liminar não foi concedida a Zeizo.

O pedido, na verdade, sequer teve o objeto analisado, porque a tese não havia sido exposta em nível estadual ainda, como determinam as regras.

“Como se vê, a tese de violação de domicílio suscitada no presente mandamus não foi apreciada pelo Tribunal a quo, de modo que não pode ser conhecida originariamente por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância”.

Decisão do ministro Teodoro Silva Santos

Aos defensores, resta apresentar o pedido primeiramente em Mato Grosso do Sul.

Em contato com Cezar Lopes, ele informou haver um pedido de liberdade para seu cliente em primeiro grau, correndo em sigilo.

Sobre os argumentos em relação às acusações feitas pelo Gaeco em denúncia à Justiça, afirmou não ter tomado conhecimento ainda de todo o teor, e por isso não se manifestará nesse aspecto.

“Posso dizer apenas que vamos comprovar sua inocência”

Cezar Lopes, advogado

A ação penal acusa os réus de integrar organização criminosa armada, de roubo majorado – cometido contra integrantes de grupo rival atuante na loteria ilegal – e de exploração do jogo do bicho.

“Os roubos tiveram por finalidade, além da subtração dos montantes arrecadados por pessoas relacionadas a outro(s) grupo(s) criminoso(s) ligados ao jogo do bicho, demonstrar poder e subjugar a exploração do jogo ilegal aos mandos e desmandos da organização criminosa liderada por Roberto Razuk Filho (“Neno Razuk”), tornando Campo Grande novo território sob seu comando”, assinala o Gaeco na denúncia à Justiça contra os 15 réus.

Confira abaixo vídeo de um dos assaltos atribuídos ao grupo investigado:

A peça acusatória foi protocolada em dezembro, recebida em fevereiro pela juíza May Melke Amaral, da 3ª Vara Criminal. As defesas foram citadas para responder à acusação, no prazo de dez dias a partir da data de recebimento da comunicação.

A Capivara Criminal apurou que a maior parte dos réus já recebeu essa comunicação e está no prazo para protocolar sua manifestação inicial.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (2)

  • Antônio Damaceno de Oliveira

    O motoqueiro assaltado estáva cobrando pax ?
    Estava recolhendo jogo do bicho do MTS pq não está preso também ou está liberado jogo do bicho !
    Nada justifica violência mais e igual rio de janeiro dois grupo criminoso brigando por poder
    Vendedor de droga vai na delegacia fala que foi assaltado e sai solto .
    Algo estranho

  • Antônio Damaceno de Oliveira

    O grupo criminoso para tentar enganar nossa polícia mudou de nome de MTS para capital loterias quando teremos uma operação contra eles Senhor Carlos Videira confio em sua capacidade e honestidade pois e melhor secretário que tivemos até agora mais tá na hora de fazer algo contra eles . Igual aconteceu no caso marieli pode estar ocorrendo aqui