Capivara Criminal

O Pix e o caso do candidato a governador que foi à lona com escândalo sexual

Provar que um Pix de R$ 2 mil está entre os fios da meada para desvendar o que chama de “uma grande armação” – para derrotá-lo na campanha ao governo estadual – é uma das âncoras que sustentam a estratégia de defesa de Marquinhos Trad, advogado campo-grandense, neste momento um ilustre desempregado sob risco de virar réu por crimes contra dignidade sexual de sete mulheres. A “bomba” estourou logo no início da campanha eleitoral de 2022, e é vista como um dos motivos para o candidato do PSD ter saído da liderança nas pesquisas para um humilhante sexto lugar, na disputa vencida por Eduardo Riedel (PSDB).

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Marquinhos Trad em frente a cabine de votação no 1º turno das eleições, quando foi derrotado. (Foto: Divulgação)

Marquinhos teve menos votos até do que a candidata do PT, cuja campanha foi quase toda dedicada a trabalhar pela eleição a presidente de Luiz Inácio Lula da Silva. Não é exagero sentenciar: o escândalo sexual colocou o político experimentado na lona.

Aos seus interlocutores mais próximos, o ex-prefeito, ex-deputado estadual, ex-vereador e professor universitário por décadas, exatamente na área de direito penal, tem repetido quase como um mantra o questionamento sobre o Pix citado na abertura do texto.

“Tem o comprovante do Pix, porque isso não foi investigado?”, indaga. “E por quê a mulher que fez o Pix não foi ouvida?”, insiste, conforme relatos obtidos pela Capivara Criminal.

A pergunta do político denunciado obviamente ressoa. Que Pix é esse?

A Capivara Criminal foi atrás da informação. Em meio aos pormenores das apurações envolvendo o ex-candidato ao governo, existe mesmo a citação sobre transação de R$ 2 mil feita para uma das mulheres ouvidas como parte do inquérito. Fala-se em valores de até R$ 150 mil, mas de forma difusa.

O Pix de R$ 2 mil é especificado por uma das envolvidas diretamente no caso, com data e nome.

Essa mulher, de 30 anos, deu dois depoimentos de conteúdos diferentes à Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), um datado de 6 de julho, o outro de 2 de setembro. Entre as duas falas oficiais, fez uma declaração em cartório, desdizendo em parte as primeiras declarações.

O depoimento 1

No primeiro depoimento à Polícia Civil, diz não conhecer Marquinhos. Porém, conta que uma amiga, da mesma idade dela, havia lhe confidenciado sobre relacionamento com o ex-prefeito. Na história, transferida à polícia, a outra mulher tinha procurado o então mandatário em 2020 para pedir emprego, teria se envolvido com ele sexualmente e recebido a promessa de uma colocação.

Essa amiga integra o grupo das quatro primeiras denunciantes contra Marquinhos. O ex-prefeito admitiu ter transado com ela, negando qualquer tipo de favorecimento por meio do poder de prefeito, apesar de o nome da moça figurar num programa mantido pela prefeitura para dar ocupação a pessoas vulneráveis financeiramente.

Declaração em cartório

No dia 25 de julho, a depoente da qual está se falando foi a um cartório de registro civil em Campo Grande, onde fez uma declaração afirmando ter sido procurada por duas garotas de programa, entre elas a tal amiga, e que a missão recebida foi de ir até a delegacia e fazer uma “denúncia falsa” contra Marquinhos. Nessa declaração, aparece o Pix.

Depois de ter ido à Polícia Civil, a declarante relata o recebimento de R$ 2 mil, no dia 6 de julho. Afirma ainda ter sido levada até uma outra mulher, de quem recebeu a proposta de cargo no novo governo, se o vencedor fosse determinado candidato.

Confira o documento:

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O depoimento 2

Em 2 de setembro, a mulher é ouvida pela Polícia Civil mais uma vez. Pela investigação jornalística, o depoimento foi marcado para 31 de agosto, mas acabou adiado e realizado dias depois.

Quando ocorre a conversa com a delegada Maíra Pacheco, presidente do inquérito, ela repete mais ou menos o teor da declaração feita no cartório, com ampliações. Conta que recebeu o Pix de R$ 2 mil, atribui “autoria”, e volta a citar a pessoa que prometeu vantagens se o candidato apoiado por ela fosse vitorioso.

Essas pessoas não serão identificadas neste texto, porque não constam como investigadas e não foram localizadas para apresentar sua versão.

O “plus” desse depoimento é a revelação de que, na data do encontro com a promitente de emprego público, 13 de julho, a depoente deu entrevistas para o veículo de imprensa onde primeiro saiu a notícia sobre a investigação envolvendo Marquinhos, o Metropólis, de Brasília.

Para isso, assegurou ter recebido R$ 1,5 mil, só que em dinheiro vivo, num encontro no Mercado Municipal em Campo Grande, com a mesma interlocutora, a quem atribui, ademais, proposta de uma espécie mesada até o fim deste ano. Conta ainda sobre uma promessa de nova entrevista, mediante paga do mesmo valor. Segundo afirma, a segunda entrevista não existiu.

No relato, surge o nome de Victor Hugo – identificado pela Capivara Criminal como sendo Victor Hugo Ribeiro Nogueira da Silva – ex-servidor da prefeitura de Campo Grande que acabou preso em 31 de julho por coação a testemunha.

Conforme conta a mulher de 30 anos em seu segundo depoimento, por meio de uma amiga em comum, ela chegou até Victor Hugo, a quem pediu ajuda por estar com medo. Dentre os receios manifestados, está o de fotos suas virem a público. Foi Victor Hugo quem a levou até os advogados responsáveis por orientar a fazer a declaração em cartório e a acompanharam, inclusive.

Mas e a transação?

Conforme apurado pela coluna, a defesa de Marquinhos teve acesso ao comprovante da transação de R$ 2 mil, chegou a pedir para que a mulher responsável pela operação fosse ouvida na delegacia, mas isso não teria acontecido. Da mesma forma, não aparece nas apurações o nome da interlocutora que teria prometido cargo público à denunciante que voltou atrás em suas falas com relação ao ex-prefeito.

A Polícia Civil de Mato Grosso do Sul tornou pública a existência da investigação no dia 26 de julho, depois do vazamento para órgãos de imprensa de fora. De lá para cá, foram poucas declarações, sob a argumentação de se tratar de segredo de Justiça.

Marquinhos só depôs no inquérito em 18 de outubro, passadas as eleições. Foi intimado por 3 vezes, uma delas em pleno ato de campanha eleitoral em Dourados.

O político não compareceu a dois depoimentos com a justificativa de estar em compromissos com eleitores.

Encaminhamentos

Concluído na mesma semana do depoimento do investigado, o inquérito foi relatado ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) com mais de 1,6 mil páginas, com data de 8 de outubro.

No arquivo, estão por exemplo, os laudos da perícia feita no banheiro do gabinete do prefeito e ainda nos celulares das mulheres denunciantes.

De acordo com a investigação jornalística da Capivara Criminal, em nenhum dos aparelhos das mulheres foi localizado vestígio de que elas tenham estado na sala do prefeito. Marquinhos nega ter usado o espaço público para cometer abusos ou fazer sexo consentido, embora assuma relacionamentos extraconjugais e uso de serviço de garotas de programa.

Diligências

A denúncia contra Marquinhos aponta cometimento de crimes contra 7 mulheres, como já foi amplamente noticiado. Os ilícitos penais são os seguintes: importunação sexual, assédio sexual e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual.

O entendimento, em poucas linhas, é de que ele usou o cargo público para assediar mulheres em situação de vulnerabilidade, inclusive incentivando-as a se prostituir. No Brasil, vender sexo individualmente não é crime. Quem explora ou concorre para a atividade de outra pessoa, passa a cometer ato ilegal.

Em sua manifestação, a promotoria pede que sejam realizadas diligências solicitadas por Marquinhos: a obtenção de imagens de câmeras de um shopping na cidade, onde as denunciantes estiveram, e checagem se três delas, e ainda o namorado de uma, fizeram uma viagem ao Rio de Janeiro, depois de o escândalo vir à tona. Essa viagem teria sido bancada com dinheiro pago às acusadoras.

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Entre as vítimas de Marquinhos, segundo o promotor Alexandre Capiberibe Saldanha, não está a mulher de 30 anos que foi a personagem principal desse texto.

Ela está na parte da denúncia referente ao empresário André Luiz dos Santos, o “André Patrola”, de 41 anos. A ele, é apontada a tarefa de uma espécie de intermediador de garotas que “atendiam” Marquinhos Trad.

“Patrola”, conforme a apuração, foi o responsável por levar garotas de programa para uma festa em Coxim, na qual houve oferecimento de drogas às mulheres e até referência a uma agressão por parte de um delegado de Polícia Civil. O empresário foi indiciado e denunciado por favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual. A defesa dele foi procurada e não deu devolutiva à reportagem.

Um segundo empresário também participou da festa. Ele chegou a ser chamado para depor no inquérito da Deam, mas conseguiu na Justiça o direito de não comparecer em Campo Grande. O entendimento aceito pela Justiça é de que, como os fatos ocorreram em Coxim, é lá que devem ser apurados.

O delegado é Fabio Peró, conhecido por chefiar o Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo, Sequestros e Assalto a Bancos). A autoridade está sendo alvo de procedimento na Corregedoria da Polícia Civil, na qual está desde 2006. Tudo corre em sigilo e quando procurada, a Polícia Civil diz que não fornecerá detalhes sobre o assunto. Ele nunca se manifestou publicamente a respeito.

Há um inquérito correndo na Terceira Delegacia de Polícia Civil, no Carandá Bosque, para apurar as denúncias de complô feitas por Marquinhos Trad. Assim como os outros, é sigiloso.

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