O poder de um lobista na justiça Brasileira
Andreson de Oliveira Gonçalves está preso desde novembro e é o elo entre as operações que revelaram esquemas de corrupção nos tribunais de justiça de MS e MT
No dia 5 de dezembro de 2023, o advogado Roberto Zampieri deixou o seu escritório, na cidade de Cuiabá, capital de Mato Grosso, tranquilamente. Faltavam poucos minutos para as 20 horas quando ele entrou no carro que estava estacionado na rua.
Era para ser um dia normal, mas ele não percebeu que, enquanto se preparava para sair dali, um homem de boné se aproximou, sacou a arma e disparou: 10 tiros, segundo a polícia.
Zampieri morreu naquele dia. Mas foi a partir das apurações sobre o seu assassinato que a maior investigação contra o sistema judiciário brasileiro nasceu.
Mas até esse ponto, todo um caminho foi trilhado:
Em novembro do ano passado, a primeira fase da Operação Sisamnes – realizada pela Polícia Federal de Mato Grosso – revelava um esquema de corrupção dentro do TJMT (Tribunal de Justiça de Mato Grosso) que envolvia desembargadores, empresários e advogados.
Coincidência ou não, um mês antes, a Operação Ultima Ratio expôs o mesmo esquema de corrupção, com as mesmas características, dentro do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
As investigações nasceram em momentos diferentes: em MT das mensagens encontradas no celular de Zampieri e em MS de conversas entre figuras conhecidas e investigadas em outras operações, mas as duas apontavam para o mesmo lado, a venda de sentença e divulgação de dados sigilosos de acordo a conveniência dos mais importantes personagens da justiça nos dois estados.
Além das semelhanças claras, um outro ponto ligava, aliás, ainda liga, os dois esquemas de corrupção. Um nome, para ser mais exata: Andreson de Oliveira Gonçalves. E é a partir dele que a investigação contra o judiciário ganha proporção nacional.

Andreson é apontado como lobista, dono de diversas empresas espalhadas pelo país e até falso advogado. O que não dá para negar, conforme todas as provas encontradas nas investigações dos dois estados, é a influência dele dentro do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em Mato Grosso do Sul, ele recebe dos principais investigados pela Ultima Ratio o título de “correspondente de Brasília”. As conversas encontradas pela polícia foram poucas, mas, ainda assim, mostravam a negociação de sentenças em casos que estavam no STJ.
É em uma dessas conversas, com o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, que Andreson deixa claro o preço das negociações na capital do país ao brincar que “R$ 290 mil é café aqui [Brasília]”. Ele também tinha um “contato próximo” com um dos desembargadores alvo da operação, Marcos Brito.
Para a Polícia Federal, a relação indicava o recebimento de propina por parte do desembargador sul-mato-grossense e por isso, no dia 24 de outubro, as casas e as empresas de Andreson foram alvo de busca e apreensão.
Mas é em Mato Grosso que as provas do poder do lobista em Brasília realmente ganham peso.
Lembra que no começo do texto falei que as investigações da morte de Zampieri foram o pontapé para a maior investigação contra o sistema judiciário brasileiro? É porque foram mensagens trocadas entre ele e Andreson que permitiram que o esquema alcançasse o STJ.
Em um primeiro momento, a Polícia Federal identificou, graças às mensagens entre os dois, 12 processos no STJ que sofreram interferência de Andreson:
- Oito do Mato Grosso
- Um de Mato Grosso do Sul
- Um do Distrito Federal
- Um de São Paulo
- Um do Rio Grande do Sul
Para isso, segundo as investigações, ele contava com funcionários dos gabinetes dos ministros Isabel Galotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes.
A investigação não encontrou nenhuma participação direta dos ministros, mas de pessoas com acesso aos processos. Entre Zampieri e Andreson, era comum pedidos claros de revisão de decisões que estavam em pauta no STJ.
Zampieri: “Andreson, conseguiu conversar com a Ju…?”
Andreson: “Ela tá aqui está ali falando com a Miriam”.
“Está tudo certo lá com a Juliana”.
“Ela vai confirmar a decisão do Damiller”.
Zampieri: “Opa. Que bom! Muito bom!

Zampieri: “Você consegue a decisão da Noirumbá até sexta? Abraços”
Andreson: “Já te ligo aí, tô falando com DM”.
Zampieri: “Amanhã te transfiro mais uma parte”
Zampieri: “Já estou cansado de ficar sem fazer a nossa correria”.
Andreson: “Eu também amigo”.
Em outros trechos da conversa, Zampieri mostra até desespero ao pedir a interferência de Andreson e até expõe situações em que não age por dinheiro, mas por medo.
Zampieri: “Pode falar? Anderson, veja com sua amiga. Pelo AMOR DE DEUS!!!!!!”
Andreson: “Já falei Zamp. Já falei hoje”
Zampieri: “Isso é bom. Alguma novidade? No sistema aparece que não foi juntado ainda no processo”


O verdadeiro envolvimento de Zampieri com crimes não foi detalhado, o que se sabe, com certeza, é que ele foi morto a mando de um produtor rural por ter ganho na justiça a disputa por duas fazendas avaliadas em R$ 100 milhões. Quatro pessoas foram responsabilizadas pelo crime.
Enquanto isso, alguns dos nomes de possíveis funcionários dos gabinetes citados por ele e Andreson até foram identificados pela polícia, mas não responsabilizados, isso porque eram “comuns” e não havia provas concretas contra eles. Outros, no entanto, se tornaram alvo de busca e apreensão no dia 26 de novembro.
Mas o único suspeito preso diante de todas as provas foi Andreson. Tanto em Mato Grosso quanto em Mato Grosso do Sul, onde hoje, os desembargadores alvos da Ultima Ratio sequer usam tornozeleira eletrônica.
E como diz a expressão, que já foi usada aqui, por consciência ou não, Andreson é o único nome que não está ligado, de alguma maneira, ao sistema judicial brasileiro, apesar da sua clara influência com servidores, desembargadores e advogados e do “poder” de mudar decisões e sentenças.

A coluna tentou contato com a defesa do lobista, mas, até o momento, não obteve resposta.**
Desde o dia 24 de outubro, o Primeira Página tenta contato com os investigados da Ultima Ratio para ouvir suas defesas, mas também não obteve sucesso.***